Montserrat Martins*
Luis Fernando Veríssimo. Foto no site Pra Ler.
A inteligência do país esteve em risco quando Veríssimo foi
hospitalizado em estado grave. Brecht já disse que há pessoas
importantes por lutarem em alguns momentos e conclui que algumas são
indispensáveis porque o fazem durante toda a vida. Luís Fernando
Veríssimo é um incansável batalhador pela inteligência nacional, o que
não costuma ser atribuído a ele porque suas armas são sutis, como quem
plana suavemente sobre o cotidiano de todos nós, nos oferecendo
observações irônicas, muito sofisticadas para que pareçam representar
alguma causa.
Sua causa é a educação cultural, o senso crítico, a consciência
social – que ele não nos cobra, nos seduz a ver. Somos eternos
aprendizes de seus ensinamentos, de uma amplitude capaz de alcançar
desde a sua própria geração até a dos jovens de hoje. Ao invés do senso
comum moralista ou superficial, a capacidade de nos mostrar nossas
fraquezas cotidianas, nossas hipocrisias e contradições. Até a
futilidade nele atingiu sua mais alta graça, nas passagens fulgurantes
por suas páginas de Dorinha, a socialite socialista. Os sagazes
investigadores ganharam mais humildade, com Ed Mort, e os psicanalistas
mais objetividade, com o Analista de Bagé.
Nele a leveza não é superficial, é calculada como o modo de nos
atingir no âmago, pois a digerimos sorrindo. E é justamente por sua
calculada leveza, por sua sutil profundidade, que Veríssimo abriu todas
as portas da comunicação brasileira – contribuindo com jornais,
revistas, publicando livros e até tiras das Cobras (mesmo sempre dizendo
não saber desenhar). Já teve atividades tão variadas que incluem desde
equipes de redação para programas de TV, ou cobrir a Copa do Mundo para a
Playboy.
Com a autoridade que o conhecimento e a sabedoria lhe conferiram ao
longo do tempo, foi adquirindo o direito de dizer o que ninguém mais
poderia – chegou a confessar que já escreveu horóscopo, no início da
carreira, e não causaria estranheza se fosse autêntica uma frase sua
usada como post no facebook, “às vezes, a única coisa verdadeira num
jornal é a data”. Para quem conquistou espaços nobres nos maiores
jornais não só do sul como do centro do país, ironizar o próprio meio
que o consagrou seria um exemplo extremo do grau de liberdade que ele,
sedutora e audaciosamente, atingiu.
Em 2012 o próprio Veríssimo escreveu seu lamento pela perda do Millôr
e Ivan Lessa, gênios da categoria dele, o que o fez se sentir mais
solitário, podemos imaginar. Agora chega, 2012, você já nos tirou
demais, ainda precisamos – e muito – do Veríssimo, de preferência por
largo tempo, para nos ensinar a pensar criticamente, com inteligência e
graça. Não estamos prontos para ficarmos órfãos do nosso grande mestre.
Saúde, Veríssimo, por ti, por tua família. E por todos nós.
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* Montserrat Martins, Colunista do Portal EcoDebate, é Psiquiatra.Fonte: http://www.ecodebate.com.br/2012/11/30/saude-verissimo-artigo-de-montserrat-martins/
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