quinta-feira, 29 de novembro de 2012

O sentido de ver a Terra de fora da Terra

Leonardo Boff*
Os últimos séculos se caracterizaram por infindáveis descobertas: continentes, povos originários, espécies de seres vivos, galáxias, estrelas, o mundo subatômico, as energias originárias e ultimamente o campo Higgs, espécie de sutil fluido que pervade o universo; as partículas virtuais ao tocá-lo recebem massa e se estabilizam. Mas não havíamos descoberto ainda a Terra como planeta, como a nossa Casa Comum. Foi preciso que saíssemos da Terra para vê-la de fora e então descobri-la e constatar a unidade Terra-Humanidade.

Este é o grande legado dos astronautas que tiveram, por primeiro, a oportunidade de contemplar a Terra a partir do espaço exterior. Produziram em nós o que foi chamado de Overview Effect, vale dizer, “o efeito da visão de cima”. Belíssimos testemunhos de astronautas foram recolhidos por Frank White em seu livro Overview Effect (Houghton Mifflin Company, Boston 1987). Eles produzem em nós forte impacto e um grande sentimento de reverência, uma verdadeira experiência espiritual. Leiamos alguns testemunhos.

O astronauta James Irwin dizia:”A Terra nos recorda uma árvore de natal dependurada no fundo negro do universo; quanto mais nos afastamos dela, tanto mais vai diminuindo seu tamanho, até finalmente ser reduzida a uma pequena bola, a mais bela que se possa imaginar; aquele objeto vivo tão belo e tão caloroso parece frágil e delicado; contemplá-lo muda a pessoa, pois ela começa a apreciar acriação de Deus e a descobrir o amor de Deus”. Outro, Eugene Cernan, confessava:” Eu fui o último homem a pisar na lua em dezembro de 1972; da superfície lunar olhava com temor reverencial para a Terra num transfundo muito escuro; o que eu via era demasiadamente belo para ser apreendido, demasiadamente ordenado e cheio de propósito para ser fruto de um mero acidente cósmico; a gente se sentia, interiormente, obrigado a louvar a Deus; Deus deve existir por ter criado aquilo que eu tinha o privilégio de contemplar; espontaneamente surge a veneração e a ação de graças; é para isso que existe o universo”.

Com fina intuição observou Joseph P. Allen, outro astronauta:” Discutiu-se muito, os prós e os contras a respeito das viagens à lua; não ouvi ninguém argumentar que deveríamos ir à lua para poder ver a Terra de lá, de fora da Terra; depois de tudo, esta tem sido seguramente a verdadeira razão de termos ido à lua”.

Ao fazer esta experiência singular, o ser humano desperta para a compreensão de que ele e a Terra formam uma unidade e que esta unidade pertence a uma outra maior, à solar, e esta à outra ainda maior, a galáctica e esta nos remete ao inteirouniverso e o inteiro universo ao Mistério e o Mistério ao Criador.

 "Nós humanos somos aquela porção da Terra 
que sente, pensa,ama, cuida e venera."

“De lá de cima”, observava o astronauta Eugene Cernan,”não são perceptíveis as barreiras da cor da pele, da religião e da política que lá em baixo dividem o mundo.” Tudo é unificado no único planeta Terra”. Comentava o astronauta Salman al-Saud:“no primeiro e no segundo dia, nós apontávamos para o nosso país, no terceiro e quarto para o nosso continente; depois do quinto dia tínhamos consciência apenas da Terra como um todo”.

Estes testemunhos nos convencem de que Terra e Humanidade formam de fato um todo indivisível. Exatamente isso foi escrito por Isaac Asimov num artigo no The New York Times de 9 de outubro de1982 por ocasião dos 25 anos do lançamento do Sputnik que foi o primeiro a dar a volta à Terra. O título era:”O legado do Sptutnik: o globalismo”. Ai dizia Asimov:”impõe-se às nossas mentes relutantes a visão de que Terra e Humanidade formam uma única entidade”. O russo Anatoly Berezovoy que ficou 211 dias no espaço afirmou a mesma coisa. Efetivamente não podemos colocar de um lado a Terra e do outro a Humanidade. Formamos um todo orgânico e vivo. Nós humanos somos aquela porção da Terra que sente, pensa,ama, cuida e venera.

Contemplando o globo terrestre presente em quase todos os lugares, irrompe, espontaneamente em nós, a percepção de que apesar de todas as ameaças de destruição que montamos contra Gaia, o futuro bom e benfazejo, de alguma forma, está garantido. Tanta beleza e esplendor não podem ser destruídos. Os cristãos dirão: Esta Terra é penetrada pelo Espírito e pelo Cristo cósmico. Parte de nossa humanidade por Jesus já foi eternizada e está no coração da Trindade. Não será sobre as ruinas da Terra que Deus completará a sua obra. O Ressuscitado e seu Espírito estão empurrando a evolução para a sua culminância.

Uma moderna legenda dá corpo a esta crença: “Era uma vez um militante cristão do Greenpeace que foi visitado em sonho pelo Cristo ressuscitado. Este o convidou para passearem pelo jardim. O militante acedeu com grande entusiasmo. Depois de andarem por longo tempo, admirando a biodiversidade presente naquele recanto, perguntou o militante:”Senhor, quando andavas pelos caminhos da Palestina, disseste, certa feita, que voltarias um dia com toda a tua pompa e glória. Está demorando demais esta tua vinda!. Quando, finalmente, retornarás de verdade, Senhor? Depois de momentos de silêncio que pareciam uma eternidade, o Senhor respondeu:”Meu irmãozinho, quando minha presença no universo e na natureza for tão evidente quanto a luz que ilumina este jardim; quando minha presença sob a tua pele e no teu coração for tão real quanto a minha presença aqui e agora; quando esta minha presença se tornar corpo e sangue em ti a ponto de não mais precisares pensar nela; quando estiveres tão imbuído desta verdade que não mais perguntarás insistentemente como estás perguntando agora, então, meu irmãozinho querido, é sinal de que eu terei retornado com toda a minha pompa e com toda a minha glória”.
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* Leonardo Boff é teólogo, filósofo e escritor, autor de O Tao da Libertação,Vozes 2012.
Fonte:  http://leonardoboff.wordpress.com/28/11/2012
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