Henrique Raposo
Um sujeito não deve mexer nas suas memórias. Rever um filme da infância pode causar traumatismos.
Ainda me lembro do dia em que percebi que o Ninja Americano, afinal,
era mau. Foi triste, confesso. Mas, de vez em quando, rever um filme
pode ser uma coisa confortante. Vi Cocoon (1985) numa sexta à noite de
1990 ou 1991, uma época em que o Canal 1 passava filmes a horas
decentes. Tinha, e tenho, boas memórias dessa noite e, por isso, não me
apetecia dar uma olhadela adulta ao filme. Só que a minha mulher é
teimosa, e há dias tive mesmo de rever Cocoon. Que Deus guarde a
teimosia das mulheres.
O filme de Ron Howard não é uma grande malha, mas faz uma coisa difícil: consegue filmar a ternura, a ternura entre velhos, a ternura entre avô e neto.
Se bem se lembram, o filme gira em torno de um grupo de velhotes que
descobre uma piscina onde estão mergulhados uns casulos
extra-terrestres. Não abanem a cabeça, suspendam lá a descrença e
acompanhem-me: a água com aquelas vitaminas galácticas começa a curar as
maleitas dos avozinhos e, melhor ainda, devolve-lhes a vitalidade da
juventude. Para grande felicidade das mulheres dos velhotes, a piscina
começa a funcionar como uma espécie de viagra intergaláctico.
Sendo este um filme spielberguiano, os aliens lá
aparecem em carne e osso para a confraternização intergaláctica da
praxe. Os ETs acabam por fechar o viagra aquático, mas, em troca,
propõem uma coisa: "vocês podem vir connosco para o nosso planeta natal,
um sítio porreiro onde a vida é eterna". Sim, eu sei, a suspensão da
descrença é difícil, mas continuem a conter o cinismo, porque é aqui que
o filme entra na sua parte mais interessante. Os velhotes têm de
escolher entre a família (filhos, netos) e uma vida de juventude eterna.
Parece patético, mas acaba por ser uma boa metáfora da velhice. Parece absurdo, mas Cocoon é um filme terno sobre as dores e dilemas da terceira idade.
É terno sem ser lamechas. Aliás, o lado implausível do filme cortaria
sempre as vazas a um excesso de choraminguice. Está a passar no Canal
Hollywood. Não sejam maricas e revejam.
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Fonte: Site português: http://expresso.sapo.pt/atempoeadesmodo 09/11/2012
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