JOÃO MELLÃO NETO*
Embora conservadorismo, na cabeça das pessoas, lembre
mofo e bolor, a verdade é que o conservadorismo está voltando a ser
levado a sério por aqui. E quais são as principais teses defendidas
pelos conservadores?
A principal delas afirma que é muita pretensão a nossa de querer
virar o mundo do avesso, ignorando toda a experiência, os ajustes e o
processo de tentativas e erros obtidos em milênios de civilização. Tal
abandono do passado pode ser útil no que tange às ciências exatas, mas
revela-se quase sempre desastroso quando aplicado às ciências humanas.
Na História humana, os grandes avanços sempre se deram pela evolução,
nunca pela revolução. As grandes revoluções, como a francesa ou a russa,
sempre foram muito eficientes na derrubada das instituições que já
existiam, mas nunca souberam como pôr outras melhores em seu lugar.
Outra tese, dentre as principais, se resume numa frase proclamada por
sir Isaac Newton (1643-1727): àqueles que lhe indagavam como conseguira
formular a Teoria da Física Mecânica, respondia que nada fizera de
mais, apenas "se debruçara sobre os ombros de gigantes". Queria o
cientista inglês dizer que nada daquilo seria possível se não tivesse
contado com o conhecimento acumulado por todos os que o precederam. Os
conservadores também pensam dessa forma. A realidade tal qual a
conhecemos é o produto de milênios de tentativas, erros e acertos. Sendo
assim, é muito pouco provável que nós, modernos, venhamos a fazer
alguma grande descoberta em termos de moral ou de política.
Filósofos de araque existem em profusão. Todos pregam mudanças
radicais na natureza humana. E foram justamente eles - que prometiam a
perfeição do homem e da sociedade - que transformaram grande parte do
século passado num verdadeiro inferno terrestre.
O ceticismo quanto à perfeição humana é outro aspecto importante do
pensamento conservador. Nós conseguimos realizar mudanças na natureza
exterior. Já a natureza humana se tem mostrado praticamente imutável. O
conservador não acredita que exista algum homem tão acima da média, tão
isento de paixões e preconceitos que se possa com tranquilidade
entregar-lhe um poder sem limites. Assim sendo, a melhor forma de
governo é mesmo a democracia. Esta dispõe dos freios e contrapesos
(checks and balances) necessários para refrear logo no nascedouro
qualquer tentação totalitária. A sociedade possui anticorpos. E eles são
acionados sempre que há exorbitância de poder.
O grande autor moderno do conservadorismo é Russell Kirk (1918-1994) e
no passado foi Edmond Burke (1729-1797). Este último, além de ter sido o
grande precursor dos princípios conservadores, notabilizou-se por ter
escrito um livro intitulado Reflexões sobre a Revolução em França, no
qual, ainda no calor dos acontecimentos, defende ardorosamente o sistema
político inglês - de reformas graduais, em contraposição ao extremismo e
às exorbitâncias que ocorriam do outro lado do Canal da Mancha. Depois
que Luiz XVI foi guilhotinado, em 1792, Burke voltaria ao tema,
argumentando que os franceses teriam cometido um erro político
gravíssimo: "Vocês ainda haverão de se arrepender amargamente deste ato.
Ao invés de fazer como a Inglaterra, que em 1688 promoveu todas as
reformas necessárias pacificamente e ainda com a chancela real, vocês,
franceses, acabam de proclamar oficialmente a sua orfandade. E viverão
eternamente carentes de um rei". Os fatos demonstraram que Burke tinha
razão. Depois de Luiz XVI, os franceses viriam a proclamar diversos reis
e imperadores, sendo o mais importante deles Napoleão Bonaparte.
"E preservar é a
principal bandeira do pensamento conservador - que não cuida somente
de instituições sociais, mas abrange tudo
o que diz respeito à humanidade."
de instituições sociais, mas abrange tudo
o que diz respeito à humanidade."
Nos dias de hoje, quem passa por cima do viaduto d'Alma, em Paris,
encontra uma espécie de santuário onde muitos acendem velas e pedem
milagres. Nesse mesmo local, uns 20 metros abaixo, num acidente de
automóvel, morreu Lady Di. Diana Frances Spencer não era uma santa
(longe disso), mas foi uma princesa. Seria mais um indício de que Burke
tinha razão?
Voltando às principais teses conservadoras, um conservador de verdade
não tolera o relativismo moral. Ainda no século passado, terríveis
consequências sofreram os povos onde ocorreu um colapso da ordem moral,
onde os cidadãos transigiram quanto a isso. A moral há de ser uma só,
seja ela fruto de revelação divina ou tenha sido forjada pela convenção
humana. Ela é o resultado de um arranjo costumeiro, cuja origem data de
tempos imemoriais. E é ela que nos preserva do abismo.
O pensamento conservador, nos dias atuais, vem ganhando relevo
justamente porque os recursos naturais estão se tornando exíguos. Três
décadas atrás ninguém demonstrava a menor preocupação com esse tema.
Agora ele ocupa o proscênio das preocupações humanas. O polêmico
aquecimento global e o esgotamento de matérias-primas importantes põem
na ordem do dia a necessidade premente de preservar. E preservar é a
principal bandeira do pensamento conservador - que não cuida somente de
instituições sociais, mas abrange tudo o que diz respeito à humanidade.
Quem imaginava ser a ecologia uma bandeira de esquerda percebe agora
que não é. Foi o comunismo, aliás, o regime político que mais sacrificou
a natureza. Tudo em nome do progresso, conceito que vem sendo cada vez
mais questionado pela opinião pública esclarecida. Os adeptos mais
exaltados do pensamento conservador não acreditam na existência de
progresso algum. Eles defendem, sim, mudanças graduais.
Os principais países desenvolvidos têm, todos eles, partidos
conservadores que disputam e vencem eleições. Por que será que só aqui,
no Brasil, os conservadores relutam em se admitir como tal?
Se o problema é a falta de alguém que puxe o cordão, tudo bem. Eu me
declaro um conservador. E não tenho por que ter vergonha disso.
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JORNALISTA; FOI DEPUTADO, SECRETÁRIO E MINISTRO DE ESTADO; E-MAIL:
J.MELLAO@UOL.COM.BR; FAX: 11 38451794; FACEBOOK: JOÃO MELLÃO NETO -
Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,eu-sou-um--conservador-,960957,0.htm 16/11/2012
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