segunda-feira, 26 de novembro de 2012

O desafio poético de um autor vital

 
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"Se há pessoas que olham o que construí como difícil de entender é porque não compreendem a complexidade da vida, e isso não é culpa minha, é defeito delas."

Desde que estreou no mundo literário em 1979, com "Memória de Elefante", António Lobo Antunes tem se deparado com leitores e críticos rotulando sua escrita como intrincada, obscura e mesmo experimental. O escritor português, hoje com 70 anos de idade e 24 romances publicados, nunca se mostrou confortável com tal constatação - basta ver o tom provocativo com que retomou a questão em recente crônica publicada na revista portuguesa "Visão", da qual vem o trecho citado.

Mas seria, de fato, Lobo Antunes um escritor difícil? Em certo aspecto, sim. O trato particular com a língua, a multiplicidade de vozes e as alternâncias temporais que marcam seus romances tornam sua leitura uma experiência que exige foco e entrega do leitor. Isso tudo, no entanto, não faz dele um autor de caminhos indecifráveis, de jogos linguísticos destinados a seduzir críticos e acadêmicos. Como ele insiste: o que suas páginas tentam oferecer é a complexidade da vida, e em sua face mais dura, permeada por medos, incertezas e inevitável solidão. E a linguagem é sua arma para abarcar esse universo disforme.

Em Portugal, a fama do autor se sedimentou logo com sua primeira trilogia ("Memória de Elefante", "Os Cus de Judas" e "Conhecimento do Inferno"), editada em um curto intervalo entre 1979 e 1980. Os protagonistas dos três romances são veteranos da guerra colonial de Angola atormentados pela cruel memória dos tempos de combate. Por ser uma das primeiras obras literárias portuguesas a tratar do espinhoso tema, a trilogia angariou muitos leitores e fez relativo sucesso. Alguns anos depois, viriam traduções e reconhecimento em outros países europeus (em especial, França, Alemanha e Espanha).

No Brasil, essa descoberta tem se firmado de forma mais lenta e tênue. Antunes já declarou em antiga entrevista ter deixado o Brasil para "o outro", em referência a seu desafeto José Saramago (1922-2010). Apenas em anos recentes sua obra tem sido editada de forma constante no país. Infelizmente, o leitor brasileiro ainda não dispõe da totalidade de seus títulos. Alguns de seus principais volumes, como "Que Farei Quando Tudo Arde?" e "Não Entres tão Depressa Nessa Noite Escura", permanecem inéditos por aqui.

A densidade linguística do texto antuniano representa, de fato, um desafio ao leitor. A obra de Antunes não se oferece de pronto, não se presta a leituras ligeiras ou distraídas. É necessário desejá-la, se embrenhar nas múltiplas vozes que ecoam nas páginas, se perder em sua escritura labiríntica. Quem já se aventurou pela prosa de William Faulkner (1897-1962), Virginia Woolf (1882-1941) ou mesmo de Hilda Hilst (1930-2004) provavelmente não encontrará dificuldades maiores para decifrar a poética antuniana. Mas é preciso estar disposto a enfrentá-la.

Mesmo quando traz passagens da história de Portugal como pano de fundo (caso de "Fado Alexandrino", "Auto dos Danados" ou "O Esplendor de Portugal"), o núcleo dos romances é sempre o sujeito fraturado, deslocado no mundo. Seus protagonistas costumam estar sozinhos, se expressando por meio de monólogos e rememorações intermináveis. É nesse ponto que sua poética se adensa: sempre há mais de uma voz em ação, muitas vezes emaranhadas, misturando tempos e visões distintos. Não há enredos bem armados, desfechos surpreendentes ou gestos heroicos. A ação costuma ser mínima e se estruturar a partir de fragmentos revelados por essas vozes que desnudam em profundidade temores, desilusões e ansiedades que espreitam o ser humano. Intromissões em itálico e parênteses, períodos interrompidos e pontuação em suspenso intensificam (dificultam?) ainda mais a leitura do texto antuniano.

Uma experiência menos radical para os que ainda titubeiam em iniciar o encontro com essa literatura de alta tensão é representada pelas crônicas do autor. De expressão mais límpida, as crônicas têm sido publicadas na imprensa portuguesa desde os anos 90 e já renderam quatro volumes em livro (no Brasil, saiu a coletânea "As Coisas da Vida"). Criando pequenos contos, gravitando em torno de singelos dramas cotidianos ou mesmo escrevendo em primeira pessoa sobre temas que considera relevantes, o autor faz das crônicas um microcosmo de sua produção artística - miniaturas de um vital universo poético.

Independentemente do caminho de entrada escolhido, descobrir a literatura de Lobo Antunes é um imperativo. Especialmente para nós, nativos do português, pecado é deixar de conhecer um dos maiores artesãos que o idioma já teve.
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Reportagem Por Fabricio Vieira | De São Paulo 
Fonte: Valor Econômico on line, - Acesso 26/12/2012

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