IVAN MARTINS*
A influência gay modificou a cultura masculina para melhor
As conversas masculinas raramente são generosas quando se trata dos
gays. O comentário mais benigno que eu escuto desde criança é que os
gays são legais porque deixam mais mulheres para o resto de nós. Apesar
desse clichê, e de tantos outros igualmente bobos, minha impressão é que
a influência gay no mundo masculino tem sido enorme nas últimas
décadas. Enorme, subestimada e positiva.
Desde o seu surgimento, nos anos 60, o movimento gay ajudou a redefinir a maneira como os homens agem e pensam a respeito de si mesmos. A existência pública de homens gays ampliou radicalmente o repertório masculino, arejando e diversificando a ideia de masculinidade. Antes da influência gay, o comportamento masculino estava confinado até a página 10 do livro de conduta. Quando os gays emergiram socialmente, eles ampliaram o livro até a página 100. Foi um movimento libertador para todo mundo, que ajudou a melhorar inclusive a vida dos casais, tornando-a menos estereotipada.
Desde o seu surgimento, nos anos 60, o movimento gay ajudou a redefinir a maneira como os homens agem e pensam a respeito de si mesmos. A existência pública de homens gays ampliou radicalmente o repertório masculino, arejando e diversificando a ideia de masculinidade. Antes da influência gay, o comportamento masculino estava confinado até a página 10 do livro de conduta. Quando os gays emergiram socialmente, eles ampliaram o livro até a página 100. Foi um movimento libertador para todo mundo, que ajudou a melhorar inclusive a vida dos casais, tornando-a menos estereotipada.
Vamos por partes, para que eu me explique.
O primeiro impacto óbvio da cultura gay no mundo masculino aconteceu no
universo da aparência. Desde os anos 60, os homens se aproximaram
dramaticamente das mulheres na maneira de se relacionar com a moda e com
o corpo. Dêem uma olhada nas ruas: a garotada está cada vez mais
andrógina, confundido os códigos masculinos e femininos. Você olha o
garoto, ou a garota, e demora alguns segundos para definir o gênero
daquela figura ambígua. E às vezes nem consegue. Essa ambiguidade é um
dos resultados radicais da influência gay na aparência masculina. Mas
não é o único. Perdeu-se no tempo a reação aos primeiros modismos
trazidos pelos anos 60. Aqui no Brasil eram considerados “coisa de
viado”. A marchinha de carnaval “Cabeleira do Zezé”, composta em 1963,
ilustra bem a reação aos cabelos compridos, que voltavam a ser usados
pelos homens desde o século XIX. “Será que ele é?”, perguntava a letra
da marchinha.
Pouco depois, nos anos 70, surgiram as bolsas a tiracolo, os sapatos de
plataforma, as calças e camisas coloridas, os colares e pulseiras. Tudo
isso pertencia, originalmente, ao universo feminino. Seu uso rotineiro
pelos homens foi o equivalente cultural de um grande movimento
transformista. Quarenta anos depois, homens e mulheres usam brincos,
piercings, tatuagens de cores berrantes, sapatos vermelhos, calças cada
vez mais justas e camisetas cada vez menores e mais decotadas. Há uma
enorme convergência para o que eu chamaria de “campo gay” da moda. Mesmo
os machos acima de qualquer suspeita vestem camisas agarradinhas que
mulheres compram para eles nas melhores lojas da cidade.
O resultado disso tudo é que você olha na rua e não distingue mais o
gay do não gay. Além de se vestir de forma parecida, homens gays e
heteros estão igualmente malhados, bem definidos, de corpo cuidado. A
vaidade que antes era feminina e depois virou gay agora é descaradamente
masculina. Há caras perfeitamente macho que depilam o peito, tiram a
sobrancelha, cuidam das unhas, fazem mecha nos cabelos. São os
metrosexuais, que viraram referência para homens de todas as idades. Um
cidadão dos anos 50 que desembarcasse subitamente na Avenida Paulista
acharia que metade dos homens se parece com mulher. Do ponto de vista
dele, seríamos todos um pouco Laertes.
No comportamento a mudança foi na mesma direção. O mundo masculino
ficou gay. Os homens falam, andam e dançam de uma forma que seria
inaceitável nos anos 50. A tendência geral é de feminização. Os
heterossexuais ficaram mais suaves nos seus modos. Ou mais estridentes.
Mais delicados, certamente, de um jeito que nossos pais e avós
estranhariam. É comum que homens nascidos nos anos 60 conversem com
caras 20 ou 30 anos mais novos e tenham a impressão de que eles são gays
– pelo jeito de falar, pela linguagem corporal, por causa da atitude. A
mudança de códigos foi muito rápida e muito profunda. A agressividade e
a grosseria, que anos atrás eram a marca registrada de certa
masculinidade, caíram em desuso. São mal vistas. Viraram quase um
sinônimo de escrotidão. Há nisso uma influência benéfica da cultura gay.
Ela modificou e amoleceu a cultura masculina, da mesma forma que o
Gilberto Freyre diz que o Brasil fez com a cultura portuguesa – para
melhor.
Essas mudanças, evidentemente, chegaram ao campo dos sentimentos e da intimidade.
Essas mudanças, evidentemente, chegaram ao campo dos sentimentos e da intimidade.
Os homens agora choram sem vergonha nenhuma. Confessam seus sentimentos
de um jeito até embaraçoso. Eles ficaram frágeis. As mulheres dizem,
ironicamente, que estão com saudades daqueles tipos sisudos e caladões,
de sentimentos inescrutáveis. Eles sumiram. Agora os homens são
sensíveis. Falam pelos cotovelos e estão cheios de dúvidas e temores.
Muitos dão excelentes donos de casa, tremendos pais, cozinheiros de
primeira linha - e ainda são ótimos companheiros para fofocar e assistir
à novela. Umas moças, enfim, mas com quem as mulheres podem transar
gostosamente, uma vez que eles têm uma relação melhor com a própria
cabeça e o próprio corpo. Aquele outro tipo, o macho à la Clint
Eastwood, estava sufocando seus sentimentos mais viscerais, tinha coisas
demais a reter e a esconder. Além de falhar na cama nas horas mais
inesperadas, ele era uma panela de pressão pronta a explodir. Ou a ter
um AVC ou um enfarte aos 40 anos.
Aliás, eu acho que a importância do movimento gay vai além das questões pessoais. Ou de casais. Quando um sujeito ou uma mulher lutam pelo direito de fazer sexo com quem desejar – e de andar na rua vestido como quiser, abraçado a quem achar melhor – ele e ela estão lutando, intrinsecamente, pelo direito de todos serem o que são. Os ganhos pessoais e íntimos de alguns se traduz em ganho público para a comunidade inteira. Quando um grupo socialmente discriminado é reconhecido em seus direitos, quando ele ganha espaço para expressar seus gostos e sentimentos (desde que isso não aconteça em prejuízo dos outros), a sociedade inteira se torna um pouco mais livre. Há uma lógica inexorável de contágio que começa com a liberdade do indivíduo, avança para o seu grupo e se espalha para a sociedade toda – e para o mundo. Quando os sinos tocam de júbilo, eles também tocam por todos nós. Gays e não gays.
Aliás, eu acho que a importância do movimento gay vai além das questões pessoais. Ou de casais. Quando um sujeito ou uma mulher lutam pelo direito de fazer sexo com quem desejar – e de andar na rua vestido como quiser, abraçado a quem achar melhor – ele e ela estão lutando, intrinsecamente, pelo direito de todos serem o que são. Os ganhos pessoais e íntimos de alguns se traduz em ganho público para a comunidade inteira. Quando um grupo socialmente discriminado é reconhecido em seus direitos, quando ele ganha espaço para expressar seus gostos e sentimentos (desde que isso não aconteça em prejuízo dos outros), a sociedade inteira se torna um pouco mais livre. Há uma lógica inexorável de contágio que começa com a liberdade do indivíduo, avança para o seu grupo e se espalha para a sociedade toda – e para o mundo. Quando os sinos tocam de júbilo, eles também tocam por todos nós. Gays e não gays.
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* IVAN MARTINS É editor-executivo de ÉPOCA (Foto: ÉPOCA)
Fonte: http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/ivan-martins/noticia/2012/11/viva-os-homens-suaves.html
Imagem da Internet
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