A agenda
das políticas públicas que envolvem a produção de bens e serviços vem
recolocando em cena o debate sobre a relação entre crescimento econômico
e desenvolvimento. O primeiro entendido como aumento do PIB per capita e
o segundo como o processo de elevação do bem-estar do conjunto da
sociedade.
De um lado, encontra-se a proposição neodesenvolvimentista.
Embora
ela tenda a negar que o crescimento é uma condição suficiente para o
desenvolvimento, afirma categoricamente que o crescimento é uma condição
necessária para o desenvolvimento. E, para promover o crescimento,
subsidia o aumento da produção de bens e serviços pelas empresas.
Não
me parece necessário detalhar essa proposição uma vez que é uma
reedição – fragilizada pelos contextos tecnoprodutivos nacional e
mundial e com bem menor probabilidade de êxito – daquela que orientou
nossa política produtiva até o neoliberalismo.
Ainda sem batizá-la, enuncio as noções em que fundamentam a outra proposição.
A
primeira, é a de que esses dois processos respondem a duas dinâmicas. A
da produção e circulação de bens e serviços, ou do mercado (no
capitalismo) responde pelo crescimento enquanto que o desenvolvimento é
de responsabilidade do Estado mediante suas políticas sociais.
O
crescimento econômico é um resultado de atividades de iniciativa da
classe proprietária. Ele não leva necessariamente (e a experiência dos
países periféricos o evidencia) ao desenvolvimento. O desenvolvimento
não pode prescindir de políticas sociais. Aquelas que a classe
proprietária poderia chamar “antieconômicas” e que compensam a tendência
concentradora da dinâmica do “mercado”. Incluindo aqui o seu componente
gerado pelas políticas econômicas, que talvez devessem ser chamadas de
“antissociais”, que são implementadas pelo Estado.
As
políticas sociais financiadas pelos recursos advindos da taxação dessas
atividades, em adição ao que ganham os vendedores de força de trabalho,
possibilitam a elevação do bem-estar do conjunto da sociedade; ou seja,
o desenvolvimento.
A segunda noção
em que se fundamenta a posição crítica ao neodesenvolvimentismo é a de
que embora o crescimento tenda a facilitar a ocorrência do
desenvolvimento, ele não é uma condição necessária. O que ele faz é
gerar um fluxo de renda que pode ser realocado na margem, mediante a
ação do Estado, sem mexer no estoque de riqueza da classe proprietária;
sem “cutucar a onça...”.
A terceira
noção, que centraliza o debate, se relaciona à maneira como as políticas
sociais buscam promover o desenvolvimento atuando sobre a dinâmica do
“mercado”.
Na sua crítica ao
neodesenvolvimentismo esta posição compara o sistema formado por essas
duas dinâmicas com um conjunto de duas bombas que funcionam uma contra a
outra. Altamente ineficiente, ele dissipa energia e aumenta a entropia
do sistema social em que está inserido.
A
primeira bomba – dinâmica do “mercado” – atua em nosso tecido
socioprodutivo, em que tem lugar a produção de bens e serviços a partir
da propriedade concentrada dos meios de produção (dos empresários no
capitalismo e da burocracia estatal, como aconteceu no socialismo real).
O que conduz a um processo de produção sociotécnica e espacialmente
concentrado; que por sua vez induz à concentração do excedente gerado e
da renda, ao inchamento das cidades, à maximização do dano ambiental, ao
aumento da dependência cultural, econômica e tecnocientífica, etc.
Sua
eficiência, avaliada como tende a ser por critérios internos às
empresas, que por construção deixam de lado as externalidades
“positivas” ou “negativas”, parece ser muito elevada. O fato de que numa
economia que pratica durante tanto tempo uma elevadíssima taxas de juro
ainda exista quem aloque recursos para a produção é uma evidência de
que essa dinâmica proporciona às empresas uma das mais altas taxas de
lucro do mundo.
A segunda bomba atua
através das políticas sociais do nosso Estado latino-americano que,
depois de décadas dirigido por governos pouco preocupados com o
desenvolvimento, vem tentando distribuir renda. Ação que tem esbarrado
numa estrutura estatal conformada para atender às demandas da classe
proprietária e numa correlação de forças políticas desfavorável, advinda
de nossa ancestral e enorme concentração de poder econômico e político.
Além de colocar continuamente ameaças à governabilidade, ela
impossibilita uma reforma tributária que seria condição para tirar da
informalidade quase metade da nossa população que não possui o
suficiente para viver dignamente.
A
eficiência dessa segunda bomba parece ser muito baixa. O fato de que nem
mesmo a cobrança de impostos das empresas e a adoção de uma escala
progressiva do imposto de renda, etc., têm sido logradas, dá uma ideia
da pouca “eficiência” do nosso Estado para distribuir o excedente.
Contrastes como o que existe entre o programa (redistributivo) Bolsa
Família, que custa 0,4% do PIB e beneficia 13 milhões de famílias, e que
convive com outro “programa” (concentrador) Serviço da Dívida Pública,
que custa até 8% do PIB e beneficia 20 mil de famílias são evidências
disso.
A outra posição que participa
do debate sobre a relação crescimento- desenvolvimento, ao contrário da
proposição neodesenvolvimentista, que se baseia na noção de que a
convivência dessas duas dinâmicas é, mais do que necessária,
inarredável, defende que nossas vidas dependem da desconstrução desse
sistema.
E aponta que já está em
construção outro sistema, o da Economia Solidária que, ao contrário do
crescimento competidor (o que não quer dizer competitivo) que o
neodesenvolvimentismo implica, propõe a solidariedade, razão pela qual
eu a passo chamar de “solidarista”.
Ela
propõe o fortalecimento do um arranjo societário baseado na organização
do movimento social que está emergindo da Economia Informal onde tendem
a situar-se os quase 200 milhões de brasileiros “suplementares” aos
cerca de 40 que possuem a carteira assinada que os qualifica como
“incluídos” na Economia Formal.
Esse
arranjo agrupa os empreendimentos solidários baseados, ao contrario das
empresas privadas e estatais, na propriedade coletiva dos meios de
produção, em que trabalhadores associados se dedicam à produção de bens e
serviços de modo autogestionário e desconcentrado.
Embora
ainda submetidos à dinâmica do “mercado”, comprando ou vendendo para a
Economia Formal, esses empreendimentos tenderão a formar cadeias
produtivas cada vez mais densas, completas e entrelaçadas, e
crescentemente a ela autônomas. Orientados para bens e serviços para
consumo dos trabalhadores e de suas famílias, para a produção em outros
empreendimentos solidários e, também, dos cidadãos em geral que os
recebem via a intermediação do poder de compra do Estado, eles se
consolidam como oportunidades de criação de trabalho e renda.
Os
“solidaristas” propõem um decidido apoio governamental aos
empreendimentos solidários, coerente, pelo menos, ao seu papel de
absorção daqueles milhões de brasileiros que numa “jobless and jobloss
economy” dificilmente serão absorvidos pela Economia Formal. Na medida
em que recebam do governo benefícios, qualitativamente semelhantes e
quantitativamente proporcionais, aos que hoje recebem as empresas,
inclusive os relacionados à capacitação naquelas habilidades e
competências que efetivamente necessitam para se tornarem sustentáveis,
eles poderão funcionar como “porta de saída” para os programas
compensatórios.
À medida que se consolidem, irão desenvolvendo, mediante a Adequação Sociotécnica da tecnociência convencional produzida para e pelas empresas, a Tecnologia Social que os tornará – econômica, social, cultural e ambientalmente – crescentemente sustentáveis.
Embora
necessitem, como o fazem as empresas, do apoio Estado, os
empreendimentos solidários poderão, tendencial e parcialmente, dele
prescindir. No limite, não mais serão necessários os recursos que ele
retira mediante imposto da classe proprietária para compensar, com as
políticas sociais, aquilo que a classe trabalhadora deixa de receber
pelo trabalho (não pago) que realiza. Passará a ser desnecessária essa
função que o Estado desempenha para garantir, pela via do gasto social, a
exploração do trabalhador em sociedades em que a propriedade dos meios
de produção e do conhecimento não é coletiva.
Será
consideravelmente diminuído o enorme custo – econômico, social,
tecnocientífico e ambiental – associado à concentração que existe nos
planos da produção e circulação de bens e serviços e aos mecanismos de
subsídio, transporte, comércio, propaganda, regulação, taxação, garantia
da propriedade, etc. que elas envolvem e que a sociedade, diretamente
ou através do Estado, incorre.
Também
será desnecessária a sísifica tarefa dos que a partir do Estado e fora
dele buscam impedir que o mercado destrua o planeta e malbarate ainda
mais aquilo que de humano todavia possui a nossa Humanidade.
O crescimento econômico resultante da produção aumentada dos empreendimentos solidários será, afinal, o próprio desenvolvimento que queremos.
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Texto: Renato Dagnino
Fotos: Antônio Scarpinetti
Edição de Imagens: Everaldo Silva
Fonte: http://www.unicamp.br/unicamp/ju/546/neodesenvolvimentistas-x-solidaristas-um-debate-necessario 12/11/2012
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