segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Um diálogo com Bill Nichols

Um dos principais estudiosos de cinema nos EUA,
o pesquisador ministrou duas conferências na Unicamp
No final de outubro, Bill Nichols, professor da San Francisco State University, considerado um dos principais pensadores em estudos de cinema nos Estados Unidos, ministrou duas palestras na Unicamp. Em ambas as oportunidades, o auditório da Diretoria Geral da Administração (DGA) ficou lotado. O público, formado em sua maioria por estudantes de graduação e pós-graduação, ouviu atentamente as explanações do convidado sobre aspectos relacionados aos documentários. Descontraído, Nichols falou, por exemplo, sobre a presença da ironia nas produções e acerca da importância da voz como elemento fundamental para conferir sentido às obras e estabelecer diálogos com os espectadores.

Tão importante quanto a presença, foi a interação do público com o docente norte-americano. Ao final das conferências, nas quais exibiu trechos de diversos documentários, alguns deles brasileiros, Nichols foi questionado pelos presentes sobre diferentes pontos, atitude que o agradou bastante. “O público realmente tinha muitas questões. Isso me faz sentir que o interesse pelo documentário aqui é maior que nos Estados Unidos. Fiquei impressionado. Acho que isso mostra como existe um grande interesse por filmes no Brasil neste momento, particularmente por documentários”, considerou. Na entrevista que segue, Nichols fala ao Jornal da Unicamp a respeito de alguns assuntos relacionados à produção documentária atual.

Jornal da Unicamp – Poderia citar alguma produção documentária contemporânea que o tenha impressionado?
Bill Nichols – O filme que eu acho mais impressionante, quase dez anos depois de lançado, é Grizzly Man [Homem Urso, no título em português, filme dirigido por Werner Herzog]. Eu considero este um trabalho marcante, pois ele usa um filme feito por outra pessoa [Timothy Treadwell, ecologista e especialista em ursos, que foi devorado por um desses animais] sobre a vida dos ursos no Alasca.

JU – O sr. conhece a produção atual do Brasil nessa área?
Bill Nichols – Eu tenho uma pilha de documentários do Brasil em casa para assistir. Toda vez que eu acho que terminei, tenho mais filmes para ver. Eu não posso dizer muito sobre os filmes brasileiros, mas sei que a produção de documentários aqui está bastante viva no momento. Há muitos filmes interessantes. Alguns deles eu mostrei durante as minhas conferências aqui na Unicamp. Penso que preciso ver mais filmes antes que eu possa dizer mais. Entretanto, aqueles que eu exibi aqui, inclusive o do Eduardo Coutinho [O Fim e o Princípio], são muito interessantes.

JU – O que o sr. poderia dizer sobre a tendência atual na produção de documentários?
Bill Nichols – Eu acho que essa produção é muito fluida. Os enfoques particulares são dominantes.  Você tem os filmes observacionais em largo grau. Produções como Jesus Camp e 12th and Dalaware, por exemplo, observam como as pessoas lidam com diferentes temas. Eles são similares a Don´t look back e, em alto grau, e muito diferentes de Green Wave e outros filmes.  Eu acho que os documentários são muito abertos e fluidos. Alguns são muito politizados e abordam temas sobre justiça social.

JU – No Brasil, a produção de documentários é vigorosa, mas há problemas para distribuir e exibir os filmes. Nos Estados Unidos existe a mesma dificuldade?
Bill Nichols – Não sei como está a situação neste ano em particular, mas nos últimos 10 ou 15 anos tem havido mais documentários em salas de cinema, como nunca antes. Esses filmes movimentaram milhões dólares. Muitos documentários nos Estados Unidos e em outros países são financiados com a ideia de que serão mostrados na televisão.  Assim, muitos são financiados pela HBO e outras emissoras. Alguns são produções de alta qualidade. Então, um dos melhores modos de exibir um filme é através da televisão. Mas, também existem as alternativas das salas de cinema, do DVD ou da Internet.

JU – Por falar em internet, como o sr. vê o uso de tecnologias como o telefone celular e a internet como recursos para se registrar e veicular um documentário, respectivamente?
Bill Nichols – O telefone celular agora é uma ferramenta para fazer filmes, assim como a câmera. E você pode ver como as pessoas têm usado esse recurso muito bem.  A internet não serve apenas para mostrar os filmes. Serve também para fazer filmes de novas formas, o que está relacionado com a interatividade com o espectador. Não tenho visto muito filmes com esse perfil, mas é claro que é bem diferente e envolve o espectador de novas formas.

JU – O sr. diz que o documentário não é uma reprodução, mas sim uma representação da realidade. Poderia explicar melhor essa diferença?
Bill Nichols – O principal ponto é que um documentário sempre representa uma perspectiva, um ponto de vista. Mostra como a verdade é vista pelo seu diretor. É o modo como o diretor tem de dividir conosco a sua visão de mundo.  O que a maioria das pessoas aceita como verdade fica aberto ao debate, o tempo todo. A ideia de que os documentários retratam a verdade é bem enganosa. Pensar assim é assumir que existe uma verdade objetiva. Entretanto, o que é considerado verdade normalmente mostra apenas certos níveis dos fatos. Por exemplo, esta mesa está aqui ou não? Nós podemos concordar que ela está aqui. Entretanto, eu gosto desta mesa? Eu a acho bonita? Seria melhor termos um sofá no lugar dela? Cabe ao diretor nos mostrar algo sobre esta sala e nos questionar sobre os nossos valores, credos, orientações. Esta é a verdade do diretor, é o que ele vê. Entretanto, isso pode não coincidir com o que pensamos.

JU – Em uma das suas conferências, o sr. falou sobre a importância da voz no cinema. A voz a que o senhor se refere, porém, é mais do que a presença de diálogos num filme, não?
Bill Nichols – O que eu estava tentando deixar claro é que a voz, o modo como estamos usando a palavra, não se refere apenas à palavra falada. A voz também está presente na forma como a câmera é utilizada, na edição, nas tomadas realizadas. Quando o diretor mostra pés andando ao redor de uma máquina, é como se ele dissesse “olhe, é assim que são os pés de milhares de pessoas, todos do mesmo jeito”. Ora, ele não disse realmente isso, ele mostrou. Então, a voz depende de como o diretor usa a técnica para expressar um ponto de vista particular. Assim, ele pode usar um discurso, uma imagem, uma música etc. A voz, portanto, não é só a palavra.

JU – Suas duas conferências na Unicamp contaram com bom público, que se mostrou bastante interativo. Como avaliou a experiência?
Bill Nichols – De fato, o público tinha muitas questões. Isso me fez sentir que o interesse pelo documentário aqui é maior que nos Estados Unidos. Fiquei impressionado. Acho que isso mostra como existe um grande interesse por filmes no Brasil neste momento, particularmente por documentários. Eu gostei de ter vindo, foi um grande prazer.
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Fotos: Antoninho Perri 
Edição de Imagens:  Everaldo Silva
Colaboraram Gabriela Villen e Everaldo Silva
Fonte: http://www.unicamp.br/unicamp/ju/546/um-dialogo-com-bill-nichols

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