Isaac Roitman*
A burka, também conhecida como burca ou burqua, é um traje usado pelas mulheres muçulmanas com o propósito de disfarçar o corpo inteiro. Nos últimos dias, a mídia destacou o tratamento recebido por uma estudante por usar minissaia em um ambiente escolar. O destaque da notícia inspira reflexões sobre o estado atual da educação no Brasil. A educação em nosso país parece se vestir com uma burka, com o propósito principal de esconder as suas imperfeições. A educação brasileira vem obtendo avanços quantitativos expressivos nos últimos anos, como a quase universalização do acesso ao ensino fundamental, o crescimento na oferta de vagas no ensino médio, inclusive o profissionalizante, e a criação de mecanismos de estímulo ao acesso ao ensino superior.
Não obstante, o reconhecido valor dessas conquistas, a educação brasileira continua a conviver com a falta de vagas em creches e pré-escolas e uma oferta insuficiente no ensino médio. Ao lado disso, um problema antigo permanece: o da qualidade. E em várias frentes: qualidade do ensino e da aprendizagem, da gestão escolar, da formação de professores, das políticas educacionais e a da retribuição salarial decente e competitiva ao corpo docente.
A situação da educação reflete a educação de nossas elites e os conflitos mal resolvidos de nossa sociedade. A denúncia da dívida social brasileira no campo da educação é farta de demonstração: 1. De cada 100 alunos que ingressam no ensino fundamental, somente 53 concluem os oito anos de estudos e 37 chegam ao final do ensino médio; 2. Os recentes resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) mostraram que, apesar da melhora de 2005 para 2007, os alunos ainda estavam num patamar inferior ao verificado em 1995 nas provas de português e matemática; 3. Os resultados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) mostram que os alunos brasileiros obtiveram em 2006 médias que os colocam na 48ª posição em leitura (entre 56 países), na 52ª em ciências e na 53ª em matemática (entre 57 países); 4. Um em cada cinco jovens entre 18 e 29 anos e que vivem na zona urbana abandonou a escola antes de completar o ensino fundamental, segundo trabalho feito pela Secretaria Geral da Presidência da República com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2006 (Pnad 2006), do IBGE.
Em que pese a necessidade de contextualização mais rigorosa para dar conta desses dados reais e dramáticos, esse conjunto de fatos manifesta resultados que são produtos de um processo que, ao final, prejudicam o desempenho intelectual do brasileiro, comprometem a cidadania e o futuro do país. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), cuja história demonstra ter estado sempre ao lado da democratização da educação brasileira, mais uma vez se posiciona perante esse quadro intolerável para a cidadania e para o progresso da ciência.
No momento em que se torna incontornável o enfrentamento dessa situação, a SBPC está lançando o movimento SBPC — Pacto pela educação, que tem os seguintes objetivos principais: 1. propor ações que visam resolver, no âmbito do sistema educacional brasileiro, tanto os problemas emergenciais, que exigem medidas especiais e de aplicação em curto prazo, quanto os problemas estruturais, cuja solução implica a existência de planejamento amplo e detalhado para médio e longo prazo; 2. que as ações propostas sejam utilizadas como subsídios para a definição e implantação de uma política de Estado dirigida à Educação, de modo, portanto, que essa política seja adotada pelo atual governo federal e que tenha continuidade pelos próximos governos; 3. que a educação brasileira, em todos os níveis, alcance padrão de excelência no prazo de 16 anos. Com isso, a educação passará a ser um facilitador e não um entrave para um projeto de desenvolvimento do país; 4. reforçar a aprovação da Lei de Responsabilidade Educacional e que, por ela, se dê consequência aos responsáveis por oferta irregular e/ou desqualificada capazes de garantir o direito a uma educação de qualidade para todos.
Para integrar o movimento e torná-lo robusto à altura de sua empreitada, a SBPC buscará a participação de vários setores da sociedade brasileira, com vistas a uma grande mobilização nacional em defesa da educação. Além de entidades do mundo acadêmico-educacional, como a Academia Brasileira de Ciências, sociedades científicas, universidades e outras instituições de ensino, serão feitas também articulações com outros segmentos da sociedade, tais como órgãos governamentais, entidades de representação estudantil, entidades de representação profissional, entidades de representação empresarial, associações e organizações sociais, e entidades nacionais e internacionais ligadas à educação. Oxalá, no futuro, a educação possa se libertar da burka e vestir uma minissaia que revele as virtudes de sua qualidade.
*Professor aposentado da Universidade de Brasília e coordenador do Grupo de Trabalho de Educação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)
http://www.correiobraziliense.com.br/impresso/ 12/11/2009
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