quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Leonardo Boff ante a Conferência sobre o Clima (Copenhague)

 ‘A Terra não aguenta mais"

* Três crises em uma: a de sustentabilidade, a social e a do clima;
* O drama da eco-miopia;
* O atual caos é criativo e generativo;
* Somente a sociedade civil internacional pode salvar o planeta.

Entrevista com Leonardo Boff
A crise ambiental aparece no primeiro plano midiático anterior à Conferência do Clima, de Copenhague, Dinamarca, a realizar-se em 13 de dezembro próximo. As perspectivas não são otimistas por falta de um consenso prévio para alcançar um acordo definitivo. "Apesar dos prognósticos sombrios, tenho confiança de que a esperança vencerá o medo e que a vida é mais forte do que a morte", assegura o teólogo brasileiro Leonardo Boff, ao iniciar esta entrevista exclusiva, durante sua recente visita a Suíça.
Boff, um dos pais fundadores da teologia da libertação, recebeu no dia 7 de novembro, o Doutorado Honoris Causa da Universidade de Neuchâtel. Anteriormente, na mesma semana, animou um debate público organizado pelas ONGs de cooperação solidária E-CHANGER, e Misión de Belém Immensee, na Casa de Solidariedade Romero (RomeroHaus), em Luzerna, do qual participaram 200 pessoas.
P: Todo mundo fala da problemática ecológica vivida pelo planeta. Você foi um dos primeiros, nos anos 80, a alertar sobre esse tema. Qual é sua análise da atual situação meio ambiental?
Leonardo Boff: Há muitos indicadores científicos que apontam para o surgimento de uma tragédia ecológica e humanitária. Nada essencial mudou desde a redação da Carta da Terra, em 2003, que elaboramos um grupo de personalidades do mundo inteiro. Dizíamos nesse maravilhoso documento: "Estamos em um momento crítico da Terra no qual a humanidade deve escolher seu futuro. E a eleição é esta: ou se promove uma aliança global para cuidar aos outros e à Terra ou arriscamos nossa destruição e a devastação da diversidade da vida".

"Consome-se mais do que a Terra suporta"

P: Uma afirmação cortante que não aceita termos médios. Como se sustenta?
Boff: Na atual confluência de três crises estruturais. A crise devido à falta de sustentabilidade do planeta Terra; a crise social mundial; e a crise de aquecimento crescente.

P: Você pode exemplificar essa afirmação?
Boff: Em âmbito social, quase a metade da humanidade vive hoje abaixo do nível de miséria. As cifras são são aterradoras. 20% mais ricos consomem 82,49% de toda a riqueza da Terra e 20% mais pobres têm que se contentar com um minúsculo 1,6%.
Quanto ao aquecimento da Terra, a FAO (Organização da ONU para a Alimentação), já advertiu que nos próximos anos haverá entre 150 e 200 milhões de refugiados climáticos. As previsões mais dramáticas falam de um aumento, em 2035, de 4ºC. E especula-se para o final do século um aumento de 7ºC. Se isso realmente acontecer, nenhum tipo de vida hoje conhecido poderá sobreviver. Quanto à crise de sustentabilidade, dou um exemplo ilustrativo: a humanidade está consumindo 30% a mais da capacidade de reposição. Isto é, 30% a mais do que a própria Terra pode repor.

P: No entanto, esta tendência consumista do planeta não é nova...
Boff: Não. Porém, o que é novo são os níveis acelerados desse deterioro. Segundo estudos dignos de todo crédito, em 1961, precisávamos da metade da Terra para dar resposta às demandas humanas. Em 1981, acontecia um empate, isto é, já necessitávamos da Terra inteira. Em 1995, superamos os 30%. A Terra está dando sinais inequívocos de que já não aguenta mais.

"Em alguns anos, serão necessárias duas Terras"


P: Com perspectivas futuras todavia mais preocupantes?
Boff: Se o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) mundial se mantém entre 2-3% ao ano, como está previsto, em 2050 necessitaríamos de dois planetas Terra para dar resposta ao consumo, o que é impossível porque contamos com somente uma.

P: Isso nos obriga a começar a pensar em outro paradigma de civilização?
Boff: De fato! Não podemos produzir como vimos fazendo até agora. O atual modelo de produção, o capitalista, parte do falso pressuposto de que a Terra é como um grande baú do qual se pode tirar, indefinidamente, recursos para obter benefícios, com o mínimo investimento possível, em tempo mais curto. Hoje, fica claro que a Terra é um planeta pequeno, velho e limitado, que não suporta uma exploração ilimitada. Temos que orientar-nos para outra forma de produção e assumir hábitos de consumo distintos. Produzir para responder às necessidades humanas em harmonia com a Terra, respeitando seus limites, com um sentido de igualdade e de solidariedade com as gerações futuras. Esse é o novo paradigma de civilização.

Copenhague: a influência do poder econômico

P: Voltando ao aqui e agora... Em poucas semanas se realiza em Copenhague a Conferência sobre o Clima. Há perspectivas de um acordo?
Boff: Há uma premissa chave. Devemos fazer todo o possível para estabilizar o clima, evitando que o aquecimento da terra seja maior do que 2-3 graus e que a vida possa continuar. Ao compreender que esse aquecimento já implicaria em devastação da biodiversidade e o holocausto de milhões de pessoas, cujos territórios não serão mais habitáveis, especialmente na África e no sudeste asiático. Preocupa-me nesse cenário a irresponsabilidade de muitos governos, especialmente dos países ricos, que não querem estabelecer metas consistentes para a redução das emissões de gases de efeito estufa e salvar o clima. Uma verdadeira eco-miopia!

P: Isso provem de uma falta de vontade política para chegar a acordos?
Boff: Sobretudo, de um conflito de interesses. As grandes empresas, por exemplo as petroleiras, não querem mudar porque perderiam seus enormes lucros atuais. Temos que entender a interdependência do poder político com o econômico. O grande poder é o econômico. O político é uma derivação do econômico. Os Estados, em muitos casos, não representam os interesses dos povos, mas dos grandes atores econômicos.

P: Em caso de um fracasso em Copenhague, qual seria o cenário posterior ante a grave situação climática?
Boff: Em minha opinião, se acontece uma frustração política, isso pode significar um enorme desafio para a sociedade civil. Para que se mobilize, pressione e promova as mudanças que sempre vem de baixo. Confio nisso: a razão, a prudência, a sabedoria virá da sociedade civil. Em relação ao clima, ela será também o principal sujeito histórico. Nenhuma mudança real vem de cima, mas de baixo. E, apesar do difícil do presente, tenho a confiança de que não se trate de uma tragédia que acabará mal, mas de uma crise que purifica e que nos permita dar um salto na direção de um futuro melhor.

P: Com um programa comum para salvar a Terra?
Boff: Impulsionando uma biocivilização que deverá promover quatro eixos essenciais. O uso sustentável, responsável e solidário dos limitados recursos e serviços da natureza. O controle democrático das relações sociais, especialmente sobre os mercados e os capitais especulativos. Um ethos mínimo mundial que deve nascer do intercâmbio multicultural, enfatizando na compaixão, na cooperação e na responsabilidade universal. E a espiritualidade como dimensão antropológica e não como um monopólio das religiões. Deve desenvolver-se como expressão de uma consciência que se sente parte de um Todo maior, que percebe uma Energia poderosa e que representa o sentido supremo de tudo.

*Sergio Ferrari, desde a ONU/Genebra, Suiça.
Tradução ADITAL, 10/11/2009
Colaboração de imprensa de E-CHANGER, ONG suíça de cooperação solidaria

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Vida de compromisso

Leonardo Boff nasceu em Concórdia, em 14 de dezembro de 1938, no Estado brasileiro de Santa Catarina. Em dezembro de 2008 cumpriu 70 anos.
Nessa ocasião, na Suíça foi publicado o livro "Leonardo Boff: advogado dos pobres", em homenagem a seu trabalho pastoral e de acompanhamento dos movimentos populares e sociais da América Latina. E em reconhecimento à sua produção literária. Escreveu, até o momento, 82 livros, muitos deles traduzidos para dezenas de idiomas.
Nos anos 70, foi um dos padres fundadores da Teologia da Libertação, o que lhe valeu uma sanção por parte do vaticano, em 1985. Diante de uma nova ameaça de sanção, Boff renunciou a suas atividades sacerdotais, em 1992 e se autoproclamou leigo.
Além do Doutorado Honoris causa que recebe em novembro deste ano da Universidade de Neuchâtel, obteve igual título honorífico, entre outras, das Universidades de Lund (Suécia); Londres (Grã-Bretanha); Turim (Itália) e São Leopoldo (Brasil).
Em dezembro de 2001, recebeu o Prêmio Nobel Alternativo da Paz por sua colaboração à luta pela defesa do clima e seu compromisso social.
Atualmente, continua sua produção teológica, com um particular ênfase na temática ecológica.
É assessor do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem terra (MST) e das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) do Brasil.
* Colaborador de Adital na Suiça. Colaboração E-CHANGER, ONG miembro da Plataforma Comunica-CH

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