quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Saída do inferno da droga



Ex-executivo de multinacional trocou a vida de luxo
pela internação permanente em uma clínica de reabilitação
e agora se prepara para tentar ajudar parente próximo
que se tornou dependente de crack

Anos 90: Marco era diretor executivo de uma grande multinacional, com salário alto, mulher, filhos, viagens pelo mundo, o respeito dos colegas, enfim, uma vida dos sonhos. Mas em sua rotina diária, ao longo de 20 anos, havia também muitas carreiras de cocaína. Uma década depois, ele estava sem emprego, dinheiro e família. O uísque foi substituído por cachaça barata e a droga, que antes chegava de táxi ao escritório, tinha que ser comprada dentro de favelas. Hoje com 51 anos, o economista tem na ponta do lápis o cálculo de quanto gastou com o vício por 30 anos: R$ 700 mil.
Marco optou por ficar mais tempo em uma clínica de reabilitação, mesmo já tendo recebido alta, depois de 30 anos de vício em cocaína.Desde fevereiro, quando foi levado pela família para um centro de recuperação, em Maricá, o mesmo homem que antes usava ternos de grife hoje passa o dia de camiseta, short e chinelo, serve cafezinho para os visitantes e ganha R$ 25 por semana. Três meses depois do início do processo de reabilitação, Marco já podia comemorar o sucesso do tratamento, mas a sensação de superação foi substituída por medo e impotência. O economista descobriu que um parente próximo se viciou em crack. “Tenho medo que ele morra aos poucos, porque ninguém fica dependente do crack por 30 anos, como eu fui da cocaína”, afirma.


FORTALECIMENTO

Mais velho dos internos do Projeto Livres — um centro de recuperação criado por quatro jovens que um dia se envolveram com drogas e hoje ajudam as pessoas a mudar de vida —, Marco já poderia ter voltado para casa. Ele chegou até a receber alta, mas preferiu ficar mais tempo. “Acho que ainda não estou preparado. Tenho medo. Quero me fortalecer, aceitar meus limites de dependente químico e me preparar para ajudar meu parente”, diz.
Mesmo após ter passado bem pela primeira fase do tratamento, Marco teve a certeza que não estava pronto. “Para alguém que usou drogas por 30 anos, é muito mais difícil estender a mão. Ainda mais porque a droga dele pode matá-lo daqui a pouco. Fiquei desesperado quando percebi que, de alguma forma, contribuí para isso”, admite. “Também era viciado em trabalho. A droga me deixou de fora de momentos de família imprescindíveis”.
O psiquiatra Jairo Werner, que trabalha com dependentes químicos, acredita que, apesar de a ausência dos pais afetar na educação dos filhos e nas relações de família, a principal questão que leva os jovens para o caminho da droga é outra. “Vivemos numa época em que as pessoas não desenvolvem autocontrole, disciplina, foco. Não há limites porque os pais não os educam para isso. Eles estão mal preparados, não sabem como formar seus filhos”, adverte.


‘Playboy’ de Niterói preso no Alemão

Filho de psicóloga e sociólogo, Pedro Victorino, 25 anos, era só mais um típico menino de classe média de Niterói usuário de drogas, quando foi preso, aos 16, no Complexo do Alemão, com quase um quilo de drogas. “Eu já não era mais um playboy que gostava de ‘dar um dois’ (fumar maconha), mas era quem fornecia para os viciados de Icaraí. Atravessava, no mínimo, um quilo de cocaína, por semana, para revender”, conta Pedro.
Fernando e Mara Victorino, os pais, que desconfiavam do uso de drogas, souberam, então, que o filho estava preso. “Pensei que fosse brincadeira dele, que saiu de casa, dizendo que iria jogar futebol na praia, mas não era”, lembra o pai. Oito anos se passaram até que, na terça-feira, depois de uma reunião com parentes de outros dependentes químicos, Fernando reconheceu sua parcela de culpa: “Só agora admito que fui uma pai ausente demais. Democratizei muito as relações na minha família. Deveria ter imposto limites para depois dar liberdade. Esse foi nosso maior erro”.

Do vício para a criação de centro de tratamento

Depois de ser internado, sofrer recaída e temer voltar para um ambiente propício às drogas, Pedro Victorino conseguiu abandonar do vício e criou o Projeto Livres, ao lado de Carlos Henrique Rosa, 32, dependente químico que se livrou do crack, depois de virar mendigo, e mais dois amigos.
Conselheiro de outros dependentes químicos, ele agora estuda Psicologia. Seus pais também ajudam meninos e homens como ex-executivo Marco a fazer o caminho de volta das drogas.
“A dependência química é uma doença progressiva, incurável e fatal, que só vai conseguir ser atenuada se cada membro da família, os codependentes, procurarem ajuda antes ou durante o tratamento do dependente. Do contrário, será impossível tirá-lo do vício”, frisa Pedro.
De sua experiência, ele diz ter tirado uma lição. “Os pais não dão dinheiro, mas compram roupa, emprestam o carro, não incentivam a trabalhar ou estudar, e acham que estão ajudando. Essa é a pior maneira de sustentar o vício do filho. É preciso fazer do tratamento uma moeda de troca, porque não adianta deixar de dar dinheiro, mas continuar dando boa vida”.

Projeto não exclui quem não tem condições de pagar

Considerado um dos principais centros de referência no tratamento de dependentes químicos, o Projeto Livre (Proliv), localizado em um sítio no município de Maricá, a 70 quilômetros do Centro do Rio, recebe tanto quem pode como quem não tem condições de pagar. O importante é estar determinado a lutar contra o vício.
“Sabemos que o tratamento em uma clínica particular custa muito caro. Muitas vezes tiramos na mensalidade de um dependente com melhores condições financeiras, as compras que vão alimentar a família de um operário que precisou largar o emprego para se internar aqui. Por isso, as ajudas são bem vindas. O que não aceitamos é de deixar de ajudar alguém”, afirma Pedro.
Na rotina diária dos internos do Proliv, a disciplina é o item principal. Tem hora para dormir, acordar, almoçar, estudar e, principalmente, repensar os malefícios do vício. Na cabeceira, o livro ‘Só por Hoje: Meditações diárias para um adicto em recuperação’.

Programa do Ministério Público ajuda dependentes

Bem orientados, os pais de Pedro Victorino buscaram ajuda na Justiça. O rapaz foi um dos primeiros beneficiados pelo programa Justiça Terapêutica, que permite que pessoas em conflito com a lei, desde que tenham cometido delitos de menor potencial ofensivo ligados à droga, cumpram a pena ou medida socioeducativa em centros de recuperação, onde podem tratar a doença.
Pedro, na época com 16 anos, chegou a ser levado para o Centro de Recuperação de Menores Infratores Padre Severino, na Ilha do Governador. Quando os pais buscaram ajuda no Ministério Público, ele acabou transferido. “Foi o que salvou meu filho. Ele não tinha opção. Era se tratar ou se tratar, e foi o que aconteceu. Caso contrário, ele, com certeza, não estaria vivo hoje”, destaca Mara Victorino.
No caso de Pedro, a família já desconfiava que ele usava drogas, mas a ‘ficha caiu’ no dia da prisão. Segundo o psiquiatra Jairo Werner, os filhos dão sinais de que estão envolvidos com drogas, basta prestar atenção no comportamento deles, principalmente se for o crack.
“O dependente de crack apresenta mudanças de comportamento gritantes. Rapidamente, fica sem condições de estudar ou trabalhar. Começa a gastar muito dinheiro. Muitas vezes não consome tudo o que compra, mas, como precisa ter a droga por perto, acaba gastando muito”, explica.
Especialistas alertam ainda para queimaduras nos dedos, nariz e boca, como sinais característicos dos usuários de crack, porque os materiais utilizados na confecção dos cachimbos não os protegem do calor, e a cocaína presente na droga é um anestésico local, fazendo com que não sintam dor durante o uso.
Reportagem de AMANDA PINHEIRO
Fonte: O DIA online. 02/11/2009

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