Markus Brunnermeier*
"Não ser capaz de identificar uma bolha
não é uma desculpa para a falta de ação".
Brunnermeier, de 37 anos, recebeu
o prêmio Bernácer
dado a economistas revelação.
Pela primeira vez Brunnermeier vem ao Brasil nesta semana, a convite de Tomás Málaga, economista do Itaú, para participar do 8º Seminário de Economia da Febraban (Federação Brasileira dos Bancos), no dia 13, em São Paulo. Responde as perguntas feitas pelo Valor.
Valor: Quais as lições da crise?
Markus Brunnermeier: A crise financeira trouxe à tona inúmeros defeitos da atual arquitetura financeira. No que diz respeito à regulação bancária, foi um erro focar no risco de um banco isoladamente e ignorar os efeitos de contágio. Além disso, a regulação deveria ser imposta de forma contracíclica. Quando os mercados estão indo bem e o setor financeiro não se impõe restrições, a regulação deve ser restritiva. Quando os mercados estão se impondo constrangimentos de capital, a regulação poderia ser mais leniente.
Valor: Que outros erros foram cometidos pelos reguladores?
Brunnermeier: Não se deve focar o risco dos bancos principalmente no lado dos ativos, mas ignorar o lado do financiamento, da dívida do balanço. É importante considerar o risco de liquidez do financiamento. De acordo com estimativas, o sistema financeiro das sombras (ativos fora dos balanços dos bancos) financiou mais de US$ 6 trilhões em ativos com empréstimos de prazo médio de 7 dias. Isso levou a um risco excessivo de rolagem e de liquidez do financiamento dos bancos. Além disso, é importante ter certeza de que será permitido aos bancos falir e que a implementação disso reduza as situações nas quais uma agência reguladora criada para agir em defesa do público aja em favor de interesse comercial ou dos interesses da indústria que ela deveria regular.
Valor: Em 1998, na quebra do fundo de hedge Long Term Capital Management, houve a mesma situação de falta de liquidez repentina nos mercados. Por que isso se repetiu agora?
Brunnermeier: A crise do LTCM nos ensinou lições muito importantes, que em alguma extensão ção fizeram o universo dos fundos de hedge mais resistentes à crise. Os bancos se tornaram mais cuidadosos nos seus empréstimos aos fundos de hedge. No entanto, foi um erro não estender as lições aprendidas para o sistema bancário das sombras (ativos fora dos balanços dos bancos) e para os próprios bancos de investimentos e comerciais. Um problema com a liquidez é que ela é um conceito elusivo e nós apenas recentemente passamos a entendê-la um pouco melhor.
Valor: Quais são as relações entre falta de liquidez repentina e risco sistêmico?
Brunnermeier: A falta de liquidez e o risco sistêmico são primos próximos. Enquanto a pesquisa mais recente em risco sistêmico foca principalmente no efeito dominó explicando como a falência de um banco puxa a falência de outro banco, está hoje estabelecido que os efeitos de liquidez são de primeira importância no entendimento do risco sistêmico. Mesmo um banco que sobreviveu pode causar efeitos de contágio negativos em outros bancos. A desalavancagem e venda de ativos deprime os preços enquanto erode o balanço de outras instituições financeiras também. Esse efeito de contágio cresce quando o impacto sobre o preço é alto devido às condições de liquidez baixa do mercado. Quando essa baixa liquidez de mercado se soma à falta de liquidez para o financiamento da dívida dos bancos, inicia-se uma espiral que leva em última instância a uma falência sistêmica. É claro que elementos adicionais podem amplificar o risco sistêmico. Mecanismos opacos de negócios e risco de contraparte são os primeiros que vêm à mente.
Valor: Como evitar a falta de liquidez? E o risco sistêmico?
Brunnermeier: Se as instituições financeiras financiarem a compra de seus ativos mais no longo prazo não terão de refinanciar suas posições com tanta frequência. Isso estabilizaria o sistema. Simultaneamente, se as instituições financeiras se alavancarem menos e tiverem maior colchão de capital, o seu risco sistêmico poderia ser reduzido também.
Valor: Quais são suas conclusões principais sobre bolhas especulativas? Elas são inevitáveis?
Brunnermeier: Uma das principais lições é que políticas econômicas que permitem a criação de bolhas são muito perigosas. Simplesmente limpar o terreno após o estouro de uma bolha pode ser muito caro. Dessa forma, é necessário combater bolhas, especialmente bolhas de crédito, pois elas debilitam demais o sistema financeiro. Não ser capaz de identificar uma bolha como uma probabilidade número um não é uma desculpa para a falta de ação. Aproximadamente todas as medidas de política econômica têm de ser tomadas em um mundo de incerteza. Um exemplo clássico é a política monetária - nenhuma autoridade monetária pode prever a taxa de inflação exata em um ou dois anos. É necessário ainda ampliar os instrumentos para agir contra as bolhas. Elas geralmente persistem porque é muito difícil para um investidor agir contra ela de forma isolada ou sincronizar esse movimento com os demais. Dessa forma, a política de comunicação dos bancos centrais pode ser vista e usada como um instrumento político importante.
Valor: Raghuram Rajan, ex-economista chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), propõe um seguro para o capital dos bancos ou amortecedores com gatilhos quando o nível de capital estiver muito baixo. O senhor concorda?
Brunnermeier: Eu sou cético de que um esquema de seguro privado teria fundos suficientes para socorrer o sistema financeiro durante uma crise severa. A crise com as seguradoras de crédito chamadas de "monoline" nos Estados Unidos nos ensinou que o dinheiro do contribuinte é necessário durante uma crise severa. Dessa forma, o sistema deveria ser desenhado com o contribuinte comum em mente. Eu sou a favor de um esquema que permita aos bancos converter o seu débito em capital no caso de crise sistêmica. Em princípio isso iria estabilizar o sistema, mas somente se isso não for usado como um substituto para os requerimentos de capitais mais restritivos.
Valor: O senhor concorda que há bancos "grandes demais para falir"?
Brunnermeier: É verdade que a falência de uma instituição financeira muito grande poderia ter levado a economia mundial a um problema muito maior do que o que nós vimos. Os bancos deveriam ser forçados a se reestruturar para tornar sua falência possível.
Valor: O senhor acha que o governo deveria estabelecer limites no tamanho dos bancos?
Brunnermeier: Eu não sou um grande fã de colocar um limite simples de tamanho nos bancos. A principal seria reduzir a influência política dos bancos e dessa forma diminuir as situações nas quais uma agência reguladora criada para agir em defesa do público aja em favor desses bancos. No entanto, os limites de tamanho dos bancos não são suficientes para melhorar a estabilidade sistêmica, entre outros fatores por causa de interconexões que impõem um importante papel também. Um exemplo hipotético torna isso explícito. Separar um banco sistemicamente grande em dez outros idênticos clones não vai ajudar. Cada um dos clones pode ser pequeno, mas o problema deles é que eles são parte da horda. Eles vão falir exatamente ao mesmo tempo e o objetivo de tornar o sistema financeiro mais seguro não será atingido. É muito importante entender como os bancos similares são e como eles se movem conjuntamente. Qualquer futura regulação deveria prover incentivos para tornar os bancos mais heterogêneos. Nós sabemos que sistemas mais heterogêneos são tipicamente mais estáveis do que os homogêneos. Essa é outra razão pela qual eu proponho basear a futura regulação em medidas de contágio.
Valor: Como medir esse efeito contágio entre bancos?
Brunnermeier: No lugar do tradicional Var (Value at Risk), eu proponho o CoVar, que captura a contribuição de uma única instituição financeira para o risco sistêmico. Tobias Adrian e eu desenvolvemos um método de como a regulação poderia ser aplicada de forma contracíclica. Em vez de exigir capital de acordo com a exposição ao CoVar diretamente nós poderíamos criar um requerimento de capital de acordo com o tamanho do banco, descasamento de seus passivos e seus ativos, alavancagem, interconexão com outras instituições financeiras etc. O método CoVaR nos ajuda a determinar ainda quais variáveis nos ajudam a prever riscos de contágio. Ele cria um método objetivo sobre como dar um peso devido para diferentes fatores do risco sistêmico como implementar isso de forma contracíclica.
Valor: Como a regulação deveria funcionar entre países para evitar a arbitragem regulatória?
Brunnermeier: A coordenação internacional é essencial para evitar um investidor ou banco tente uma saída mais favorável às custas de outros. Organizações internacionais como o Fundo Monetário Internacional e o BIS (Banco de Compensações Internacionais, o banco central dos bancos centrais) deveriam ter um papel mais importante e focar na estabilidade financeira.
Valor: Qual sua principal discordância com o senhor Robert Lucas?
Brunnermeier: Por um longo tempo, a maioria dos modelos de macroeconomia não levaram em conta o setor financeiro. Isso só pode ser justificado se se considera que o setor financeiro e suas fricções em geral não importam muito para a macroeconomia. Essa presunção foi abalada pela crise atual. Assim, eu acho que é imperativo que para o futuro os modelos de macroeconomia considerem sim os impactos do setor financeiro.
Valor: Que tipos de informações os bancos e os investidores devem obter para minimizar seus riscos?
Brunnermeier: É essencial que os reguladores e os próprios bancos compreendam melhor que tipos de contágio eles podem causar uns nos outros por meio de falência, mas também por intermédio de efeitos de preço e de liquidez. No esquema atual, há inúmeros riscos escondidos nos bolsos. No mundo real todo mundo gostaria de saber as posições dos outros, mas manter sua própria exposição ao risco secreta. Forçar uma ampliação da transparência poderia trazer benefícios a todos.
Valor: Qual é o papel dos mercados emergentes no novo mundo?
Brunnermeier: Eu estou convencido de que a história irá julgar o crescimento das economias dos países emergentes na última década como um acontecimento de primeira importância. Com seu tamanho, os mercados emergentes ficaram muito mais importantes. Pense apenas nas reservas internacionais que os países emergentes detém hoje. Dessa forma, é natural que essas economias tenham mais voz. O fato de que o G-20 está se encontrando agora no lugar do G-8 reflete isso. É claro, outras instituições financeiras internacionais têm de ser reformadas. Isso é necessário não apenas por razões de justiça, mas também para assegurar que os países emergentes fiquem atentos e participem das resoluções de problemas com os quais o mundo tem de lidar.
*Jovem economista alemão. Professor da Universidade de Princeton (EUA)
Fonte:Valor Econômico, 10/11/2009 - Reportagem de Cristiane Perini Lucchesi.
Nenhum comentário:
Postar um comentário