domingo, 8 de novembro de 2009

O olho que tudo vê...

Rosa Maria Jaques
Entrevista

Desde os seis anos, ela tem o dom da clarividência.
Sua sensibilidade lhe trouxe muitas facilidades — e também
muito preconceito.
Hoje, seus poderes são estudados por acadêmicos e
respeitados por homens de negócio
Uma senhora o convida a entrar em casa e, tão logo você esteja acomodado no sofá da sala, começa a descascar sua vida, sem cerimônia. Fala o que você já fez, por onde já passou, o que pretende fazer. Se você não entende o recado sobre determinada pessoa, ela se levanta e faz os trejeitos do dito-cujo — esteja ele vivo ou morto. Chega até a comentar o que você pensa.

Essa é a rotina de trabalho de Rosa Maria Jaques, 60 anos. Porto-alegrense, mãe de três filhos e avó de três netos, ela conta que os fenômenos de vidência surgiram aos 6 anos, quando uma imagem religiosa tomou vida em sua frente. No início da década de 1990, Rosa foi objeto de uma tese de doutorado na Universidade de Brasília (UnB). Na ocasião, fez previsões para 20 pessoas, que seriam acompanhadas por um período de tempo. Foram comprovadas as previsões feitas para 19 delas, com margem de 90% de acerto — os pesquisadores perderam o contato com a vigésima e não tiveram como saber o resultado.

Há 30 anos, a capacidade transformou-se em profissão. De 10 anos para cá, ela diminuiu os atendimentos individuais para prestar consultoria a grandes empresas. Na semana passada, a paranormal voltou a Brasília — onde viveu por oito anos — para participar de novos estudos na UnB. Desta vez, para testar a capacidade de diagnosticar doenças em pacientes somente a partir do contato visual. Sobre esse novo desafio e outras coisas, ela conversou com a Revista.

Sua paranormalidade será avaliada mais uma vez pela academia.

Como surgiu esse estudo?
Foi inesperado. Estava em Portugal, no avião, e puxei papo com um português. Ele era psicólogo da faculdade de Coimbra. Desenvolvia um estudo em parceria com a Fundação Bial, que promove simpósios chamados Aquém e Além do Cérebro. Achei interessante e passei para o pessoal da UnB que coordena o processo. Eles querem avaliar como um paranormal pode detectar doenças. Na prática, vamos avaliar pacientes durante 10 minutos, sem nenhuma comunicação, para dar um diagnóstico. Durante dois anos, essas pessoas serão acompanhadas. Também vão avaliar a estrutura emocional do paranormal.

Você se vê como portadora de um dom ou de uma capacidade?
Na religião, é um dom; na ciência, uma capacidade. No espiritismo, mediunidade. São leituras racionais para que a pessoa entenda o que acontece, de acordo com um mecanismo social, cultural e religioso. Mas a sensibilidade está acima de tudo isso, independe da ciência e da religião. É parte do ser humano: ou você tem ou você não tem.

Como e quando tudo começou?
Com seis anos. Tinha em casa uma fotografia de Jesus Cristo com a coroa de espinhos. Num dia chuvoso, olhei para aquela imagem e aquele rosto saiu da foto, mexeu a cabeça, piscou os olhos e sorriu. Desde então, tornei-me vidente. Depois, passei a estudar Cristo e entendi que ele foi um grande paranormal: o maior vidente, o maior telepata, fez fenômenos, o maior sociólogo, o maior político. Tudo isso sem perder o contato consigo mesmo. Ele morreu para mostrar que era um homem como nós e para ensinar uma postura séria, fundamentada nos bons princípios.

Você é vidente o tempo inteiro?
Sim, 24 horas por dia. Com o tempo, o que mudou foi a minha segurança. A perseguição religiosa me fortaleceu. Nunca tive problemas com a ciência. Ela questiona, mas não condena. Fui perseguida pelos místicos, que, para mim, fantasiam com o lúdico. Isso é uma criação emocional, não da paranormalidade. Cada pessoa tem a sua energia e deve ter então um mecanismo próprio de entrar em contato com sua sensibilidade. Mas não: se uma pessoa tem uma experiência e as demais gostam, surge uma religião. Religiões não são criadas pelo cosmos, são criadas por pessoas. Não existe alguém que diga: o teu elemento é tal, o teu anjo da guarda é tal e a tua cor é tal, passando por cima do que cada um acha.

Com o tempo você se acostumou com isso?
Sempre estive acostumada. Na escola, todo mundo queria colar da vidente (risos). Na minha vida, isso sempre foi normal. Para mim, quem não é normal são vocês.

O que é um paranormal?
Não existem paranormais. Na verdade, somos uma mistura de razão, emoção e sensibilidade, que funcionam simultanemente. O problema é que só se usa a sensibilidade esporadicamente. “Puxa, eu sabia que isso ia acontecer”... Se você sente e não valoriza, você não é normal, pois não está valorizando algo seu. Para mim, é muito comum ser rotulada. Hoje, não me incomoda mais o preconceito. Meus filhos, quando eram mais novos, sofriam por serem “os filhos da bruxa”. Até que um dia eu fui a uma reunião e comecei: se ele é filho da bruxa, o seu é filho do pai que bate na mulher, e o seu é o filho do pai que usa droga. Trouxe à tona os problemas das pessoas. Eu podia ser uma vidente, mas não podia ser taxada negativamente. Dali em diante, não tive mais problemas na escola (risos).

A visão que as pessoas tinham de você a incomodava?
Por um bom tempo, usei a vidência sem piedade para me impor. Como sou telepata, captava o pensamento dos outros e, por mais que a pessoa estivesse me tratando bem, eu ia em suas feridas para comprovar o que via. Era agressiva, porque via que o que elas me diziam não era o que pensavam. Com o tempo, fui respeitando, entendendo que era uma falta de conhecimento. Passei a ser mais tolerante.

A vida do paranormal sofre com uma dupla problemática: primeiro, desperta medo; depois, é acusado de charlatanismo. Qual dos dois é pior?
Eu tenho uma capacidade, e não um poder. Usava minha vidência para me defender, e não para impor poder. E sobre o charlatanismo, há muitos charlatões, mas não porque são cartomantes e sim porque não usam a própria sensibilidade. Um bom tarólogo, que seja realmente intuitivo, vê as cartas apenas como uma ferramenta para expressar sua sensibilidade. Charlatão é aquele que faz um cursinho de uma semana para ganhar dinheiro. Ou, o que é pior: para manipular os outros, quando dizem: “Se sair daqui sem deixar um cheque de R$ 2 mil vai acontecer um acidente”.

Mas, quando se cobra uma consulta, há sempre a associação com uma forma fácil de ganhar dinheiro…
Concordo plenamente. Não há problemas com o dinheiro, somente com aquelas pessoas que não têm o potencial, mas fazem chantagens prevendo acidentes e pedindo dinheiro para resolver o problema. Isso é mais que charlatanismo, é um roubo. Primeiro, por vender uma sensibilidade que não tem, e roubo porque usa isso para arrancar o dinheiro do outro. Mas viver com limites, cobrando pela consulta, não há problema. É o que eu faço. Só não cobro trabalho, porque não acredito em trabalho. Em uma consulta, meu papel é passar informações para uma pessoa, para que ela busque se organizar e se defender do problema. Se o problema é espiritual, recomendo que a pessoa vá se cuidar, mas dentro da crença que já segue.

Quando você percebeu que essa sensibilidade podia ser um trabalho?
Há uns 30 anos. Quando eu morava em Cachoeirinha (RS), tinha fila na porta da minha casa. Aquilo começou a me incomodar, porque daí eu virei curandeira, enviada de Santo Antônio... Eu já tinha filhos, estava casada, e não podia me dedicar à vidência. Então, as pessoas começaram a trazer moedinhas para que pagasse uma empregada. Ganhava também galinha congelada, bolo… Daí, eu comecei a criar um pouco de ordem. Quando eu conheci o João (Tocchetto, consultor de marketing e marido há 14 anos), ele passou a formatar isso. Hoje, eu tenho uma empresa de consultoria e treinamento na área de recursos humanos, e, além disso, atendo as pessoas. Não gosto de criar dependência, de ter a mesma pessoa na minha casa todo mês.

Antes, você trabalhava com o quê?
Eu tentei trabalhar numa metalúrgica, como secretária dos presidentes. Mas, na sala de espera, as pessoas vinham conversar e vinham as vidências. As pessoas chegavam na chefia meio assustadas (risos). Daí me colocaram para trabalhar na fábrica. Eu passava o expediente organizando a vida das pessoas, dando recados, e esquecia o resto. Eles me chamaram e disseram: “Rosa, me desculpe, você é uma boa pessoa, mas não dá”. Fizeram todos os exames para tentar me aposentar, mas não encontraram doença nenhuma — nem psicológica nem psiquiátrica nem neurológica. Me demitiram e orientaram que eu procurasse uma religião. Dali em diante, me conscientizei que não podia mais trabalhar.

Qual a parte ruim de ser vidente?
Os oportunistas. Ninguém diz para mim: “Eu não posso pagar, você me atende?”. Porque eu sei quem pode e quem não pode. Uma vez, ligaram para o João, pedindo uma consulta. A pessoa dizia que tinha um filho deficiente. Eu disse a ele que não ia atender, pois era mentira. Como o João é pura emoção, insistiu e eu cedi. A mulher trouxe o menino deficiente, mas não queria saber nada sobre a criança. Buscava mesmo era informações sobre o namorado. Ficou a lição: quando eu digo não, é não. Também tem aqueles que vêm dizendo que são pessoas muito boas e que querem fazer caridade, mas que, para isso, querem os números da Mega-Sena. Eu já tive coisas de ver números e passar para as pessoas — e todas fizeram mau uso do prêmio. Hoje, eu não falo mais sobre isso.

Quem é o cliente mais chato?
Tem horas que as pessoas incomodam. A cobrança em cima de mim é grande. Se não atendo, as pessoas ficam bravas, xingam. Não entendem que eu sou um ser humano, que canso, tenho problemas e minha família.

A vidência lhe ajuda com seus próprios problemas?
E como! De pequenas a grandes coisas. Tenho todos os problemas que todo mundo tem. Só estou mais preparada para enfrentá-los. Acidentes de carro, doenças de filhos… É angustiante, em alguns casos. Mas, quando trabalhamos esse potencial, a gente trabalha junto a nossa estrutura emocional. Não temos as emoções tão frágeis, como os demais. Quando nos mostram o que vai acontecer, nos dão organização emocional para enfrentar.

E quem mostra isso a você?
Jesus Cristo, que apareceu na minha primeira vidência. Não é espírito, não é guia.

Tem coisas que você quer ver e não consegue?
Não é uma incapacidade de ver, e sim de interpretar, principalmente quando diz respeito a mim. Não tenho a clareza. Quando vim para cá, fui preparada para grandes mudanças. Mas não sei exatamente o que é.

Tem coisas que você não queria ver e vê?
A morte. A pessoa vem perguntar sobre a vida, os negócios… Eu olho para a pessoa e não tem nada. A pessoa vai morrer. Eu digo que não estou bem, arrumo uma desculpa. Ou abro o jogo e digo que há uma energia de morte. Eu respeito a morte profundamente, ela tem uma energia tão forte quanto a vida. E, muitas vezes, ela espera apenas um vacilo da gente. Há pouco tempo, virei para uma irmã e disse que meu cunhado ia morrer, mas que ela não deveria se culpar. Vinte dias depois, ele morreu com uma parada cardíaca. Ela sentiu culpa porque poderia ter levado ele ao médico. Aprendi a lidar com isso. Somente vejo, não provoco o mal. Não tenho medo da morte, mas a respeito muito por me relacionar tão intimamente com ela. Às vezes, sinto ela muito perto de mim e me assusto.

Você não dá entrevistas na televisão, não faz previsões de fim de ano, não alardeia tragédias. Por quê?
Porque uso minha vidência para ajudar, e não para assustar. Não tenho necessidade de me mostrar, e sim de mostrar meu trabalho para que as pessoas saibam que podem ser capazes de viver bem. Agora, se tenho a informação de um acidente, por exemplo, eu procuro uma pessoa capaz de receber essa informação. O contrário só serviria para encher meu ego. Além do mais, há uma margem de erro. É preciso saber respeitar. No caso das Torres Gêmeas (o atentado terrorista ao World Trade Center, em setembro 2001), eu soube quatro anos antes e falei para algumas pessoas. Há algumas previsões que vêm tanto tempo antes que parecem ter perdido o sentido. Eu escrevo, falo com algumas pessoas e, quando se comprovam, as pessoas lembram.

Você vive situações constrangedoras como vidente?
Se me constrangesse com casos de traição, por exemplo, eu ia viver constrangida (risos). Tive uma situação muito chata anos atrás, quando uma advogada do Sul veio à minha casa e pediu que eu matasse o marido dela. Isso me constrange e contraria. Outra vez, disse a uma mulher que ela se separaria do marido e ela fez um escândalo na sala de espera, disse que eu era uma farsa. Respondi que a minha margem de erro podia ter caído justamente nela. Três meses depois, ela me procurou. Não abri a porta. Ela falou que estava ali para pedir desculpas, pois o marido a tinha abandonado. Encerrei o assunto ali.

Alguém já pediu o dinheiro de volta?
Somente um. Ele não gostou do que eu lhe disse sobre o filho. As pessoas são assim: querem justificar os problemas, dizendo que tudo é espiritual. No caso, era psicológico, caso de má criação. Ele pediu o dinheiro de volta e eu dei na mesma hora. Já casei muita gente, separei muita gente, tirei gente do armário… As pessoas têm de ser o que querem ser. Minha proposta é: seja feliz, viva sua vida, não existe pecado. Só não vale prejudicar os outros.

Alguma situação a surpreendeu?
Já vi de tudo. Nora que tinha caso com o sogro, genro com a sogra, pai com filha, avô com neto… A única coisa mais estranha foi mãe com filho, que já vi duas vezes.

Acredita em reencarnação?
Não. Acredito em ancestralidade, e acho que minha paranormalidade é fruto da genética ancestral. Todo mundo quer ser a reencarnação da Rainha de Sabá. Já percebeu como ninguém é reencarnação de gente comum, de gente pobre?

Para onde vamos quando morremos?
Vamos vibrar de acordo com o que somos aqui. Não existe uma mudança radical. A Igreja Católica tem uma leitura coerente: céu, inferno e purgatório. Céu para aqueles que se sacrificaram, os verdadeiramente bons, mães que morrem em parto. Inferno é para quem não tem salvação, os Hitlers da vida. E o purgatório é para a gente normal, para a maioria: que um dia está bem, no outro fica bravo, fala mal do outro… Coisas que não têm nada de errado, mas que descompassam a energia. Sua essência vai em busca daqueles que estão na mesma vibração que você, assim como é aqui na Terra.
Em algum momento, já desejou passar uma semana sem vidência?
A minha vidência é minha respiração. Desejo passar uma semana sem pessoas, e não sem sensibilidade. Minhas previsões eu sei administrar, o problema é lidar com as pessoas. Eu prefiro trabalhar minha vidência com atendimentos corriqueiros do que deixá-la ir longe, para ver grandes tragédias ou coisas distantes de mim. Porque daí vem o compromisso. Já precisei viajar para fora do país porque me sinto no compromisso de passar um recado dado.
Reportagem de Valério Ayres, Revista - Correio Braziliense, 08/11/2009
http://www.correiobraziliense.com.br/impresso

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