sexta-feira, 6 de novembro de 2009

"Obama está totalmente certo ao reavaliar a estratégia para o Afegnistão" diz especialista

O livro de Gordon Goldstein sobre as lições da Guerra do Vietnã é uma leitura obrigatória na Casa Branca de Obama. Em uma entrevista a "Spiegel Online", Goldstein explica por que Obama deveria refletir profunda e demoradamente antes de enviar mais tropas ao Afeganistão, e não se apressar a tomar decisões como aquelas das quais os políticos da era do Vietnã se arrependem.


Soldados americanos vigiam base militar ao sul do Afeganistão,
próximo à fronteira com o Paquistão


Spiegel: O presidente Barack Obama pediu aos integrantes da sua equipe de segurança nacional que lessem o seu livro, "Lessons in Disaster: McGeorge Bundy and the Path to War in Vietnam" ("Lições sobre Desastre: McGeorge Bundy e o Caminho Rumo à Guerra do Vietnã"), que analisa o trágico envolvimento dos Estados Unidos no sudeste asiático. Por que você acha que ele fez essa recomendação?
Goldstein: Não é incomum que presidentes norte-americanos debrucem-se sobre a história para que esta os guie quando eles se defrontam com problemas. Ao avaliar os riscos de uma guerra acidental na era nuclear, o presidente Kennedy exigiu que os seus principais assessores lessem o livro de Barbara Tuchman, "The Guns of August" ("As Armas de Agosto"), que diz respeito à sequência de acontecimentos que culminou com a Primeira Guerra Mundial. No caso do Afeganistão, os paralelos com o Vietnã são suficientemente substanciais para que se exija que essas lições sejam estudadas mais uma vez.

Spiegel: Uma das lições do seu livro é que assessores dão conselhos, mas são os presidentes que tomam decisões. Obama ainda não tomou uma decisão quanto ao envio de mais tropas ao Afeganistão e, na verdade, ele tem sido acusado de "hesitação" por não se decidir.
Goldstein: Este presidente está enfrentando uma situação tremendamente complexa e fluida no cenário de batalha no Afeganistão.
Ele se depara também com aquela que será a decisão da sua presidência que terá maiores consequência na área de relações exteriores. Obama tem toda a razão ao adotar a abordagem sistemática à qual deu início e analisar metodicamente todas as opções de que dispõe.

Spiegel: Mesmo assim, ele já anunciou os resultados de uma "revisão ampla" em março. Assim, muitos especialistas estão se perguntando por que a Casa Branca está reconsiderando novamente a sua estratégia.
Goldstein: Seis meses atrás, Obama nomeou um novo comandante de campo no Afeganistão e deu uma nova ênfase à implementação de uma estratégia de contra-insurgência. Desde então, porém, a situação do Afeganistão em termos de segurança interna se deteriorou. A adição de 21 mil soldados ao comando do general Stanley McChrystal no território afegão não teve um impacto visível em termos de pacificação do país.
Estamos sofrendo o maior número de baixas norte-americanas nos oito anos desta guerra. E milhares de soldados extras têm sido solicitados. Por esses motivos, o presidente está totalmente certo em reavaliar a estratégia e as suas perspectivas realistas de sucesso.

Spiegel: Duas das lições citadas por você são que o presidente tem que comandar os generais e que a política é a inimiga da estratégia.
Tendo em vista o debate público em andamento a respeito da estratégia para o Afeganistão, Obama ainda está seguindo esses preceitos?
Goldstein: Obama está no processo de comandar os generais; esse é o objetivo da sua revisão estratégica. Apesar das críticas referentes à duração e à abrangência disso, ele tem se mostrado indiferente a considerações de ordem política.

Spiegel: Mas outros não têm demonstrado indiferença. O general McChrystal manifestou-se de forma bastante pública ao exigir mais 40 mil soldados norte-americanos.
Goldstein: Não se sabe como esse memorando ao presidente sobre a sombria situação no Afeganistão foi parar no "Washington Post", e não sabemos se ele teve qualquer culpa nesse episódio. Mas eu fiquei surpreso ao ouvir McChrystal proferir discursos referentes a políticas governamentais em Londres, ao vê-lo no programa de televisão "60 Minutes" e ao ler relatos das suas recomendações privadas ao presidente.
Nenhuma dessas coisas é construtiva sob a perspectiva do comandante-em-chefe.

O general Stanley McChrystal,
principal comandante americano no Afeganistão,
está pressionando os aliados da Otan para que estes
contribuam com mais tropas para a guerra

Spiegel: Como historiador, você acredita que os generais norte-americanos estão tentando novamente intimidar um presidente novo, e bastante inexperiente, assim como fizeram quando John Fitzgerald Kennedy mudou-se para a Casa Branca?
Goldstein: No caso do presidente Kennedy, ele foi a vítima de certos conselhos notavelmente equivocados referentes à invasão da Baía dos Porcos, que foi planejada pela CIA. Mas ele também apoiou as forças armadas. Depois daquele fracasso, Kennedy decidiu que não seria mais "apavorado" pelos conselhos militares que recebia.

Spiegel: E Obama?
Goldstein: Ele não foi vítima de nenhum conselho comparavelmente ruim dos militares. Mas sempre há um processo de comunicação delicado entre o presidente e os seus generais quando esses dois conjuntos de protagonistas convergem para a sua primeira decisão - e particularmente em se tratando de uma decisão com tantas consequências quanto aquela que ele está ponderando neste momento.

Spiegel: O seu livro foca-se em protagonistas fundamentais nos debates sobre o Vietnã, os chamados "melhores e mais brilhantes". Se tivesse que escrever um livro sobre os debates a respeito do Afeganistão na Casa Branca de Obama, como você descreveria os protagonistas mais importantes?
Goldstein: Nós não sabemos exatamente qual é a posição do presidente, e pouco sabemos a respeito das posições dos outros protagonistas. Os dois indivíduos envolvidos neste debate cujos pontos de vista conhecemos melhor são o general McChrystal e o vice-presidente Joe Biden. McChrystal defende a contra-insurgência clássica e o objetivo militar de proteger o povo afegão de todas as ameaças. Para isso, segundo a doutrina oficial de contra-insurgência dos Estados Unidos, ele precisaria de uma força total norte-americana, aliada e afegã de mais de 600 mil soldados. E no outro extremo temos Biden, que defende uma missão contra-terrorista concentrada em um objetivo mais definido. Há uma tensão entre esses dois objetivos diferentes: a missão consiste em proteger o povo afegão e em confrontar o Taleban? Ou ela deveria continuar sendo uma operação contra-terrorista com foco bem definido, algo que poderia não exigir o envio de tantos soldados adicionais? É esta realmente a questão em relação à qual o presidente precisa tomar uma decisão.

Spiegel: A lição final do Vietnã, segundo o seu livro, é jamais utilizar meios militares na busca de objetivos indefinidos. Não é exatamente isto o que está acontecendo neste momento no Afeganistão?
Goldstein: Pela sua própria natureza, as missões clássicas de contra-insurgência são longas e exigem enormes recursos durante um grande período, e elas implicam em um grande número de baixas. Quando o governo Bush aplicou a sua estratégia de aumento de tropas no Iraque, o número de baixas aumentou. Se pegarmos esses números e os aplicarmos ao Afeganistão, perceberemos que haverá 50 mortes por mês. E, é claro, temos que formular duas perguntas: Até que ponto esta missão é realizável? Como definir uma vitória no Afeganistão se todas as outras potências históricas que tentaram impor ordem naquele país fracassaram?

Spiegel: As autoridades governamentais que se opõem a uma escalada da guerra no Afeganistão deveriam renunciar aos seus cargos se Obama promovesse tal escalada?
Goldstein: Os indivíduos tomam decisões de forma diferente. No governo Carter, o secretário de Estado Cyrus Vance renunciou por se opor totalmente a uma tentativa de libertar os reféns norte-americanos no Irã. Nos anos Bush, o então secretário de Estado Colin Powell não renunciou, apesar de ter sérias reservas em relação à iniciativa de se invadir o Iraque e a despeito das falsas provas que ele apresentou para persuadir o mundo de que a invasão era justificada. Será interessante ver se existe alguém no governo Obama que sentir-se-á compelido a agir.

Spiegel: As pessoas geralmente se arrependem mais tarde quando não renunciam?
Goldstein: Tive a oportunidade de discutir essas questões com dois dos principais arquitetos da Guerra do Vietnã, o ex-secretário de Defesa Robert McNamara e o ex-assessor de Segurança Nacional McGeorge Bundy. Nenhum dos dois se pronunciou contra a escalada da guerra por vários motivos. Mas, bem mais tarde, ambos chegaram à conclusão de que aquilo foi um erro e que a Guerra do Vietnã jamais deveria ter sido travada.
Reportagem de Gregor Peter Schmitz - Der Spiegel - 06/11/2009
Tradução: UOL

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