domingo, 8 de novembro de 2009

Os ATEUS também têm seu deus.

Gianni Vattimo*

 "As Igrejas,
e em primeiro lugar a Igreja católica,
pensaram que deveriam pregar o deus de Jesus Cristo
como se esse deus fosse
demonstrável",
diz Vattimo.

Por que tanto interesse em demonstrar que Deus não existe? É uma pergunta que, certamente, gente como [Christopher] Hitchens refutaria, ou pelo menos dariam por resolvida imediatamente, dizendo que a verdade merece ser conhecida além ou aquém de qualquer interesse. No entanto, isso por si só torna suspeito seu enfoque. Como ensinou Nietzsche, quem fala da verdade como um valor supremo mostra que ainda acredita em um deus último. Mas então, se não pode, e não deveria, invocar o amor pela verdade, por que Hitchens se preocupa tanto com a demonstração da não existência de Deus? Principalmente tendo em conta que, como observam muitos semicrentes, se Deus não existe, a verdade é que faz sentir muito discretamente a sua presença.
Podemos aventurar uma hipótese, que vale não apenas para Hitchens, mas também para todos os numerosos ateus militantes que compartilham seu mesmo programa. Querem demonstrar que Deus não existe porque "perturba", ou melhor: porque constitui um limite para a nossa liberdade. É por isso que tem sentido opôr Nietzsche ao ateísmo racionalista de Hitchens e outros semelhantes. Submeter-se à verdade é realmente melhor, para a nossa liberdade, do que se submeter a Deus? Se tomarmos, por exemplo, o jusnaturalismo [direito natural] na ética e na filosofia do direito, submeter-se à lei (direitos e deveres) "natural" é realmente melhor do que submeter-se a Deus?
Os ateus racionalistas deveriam ser mais coerentes. Teriam que adotar o lema que servia de título para um texto anárquico de muito tempo atrás, de Hans Peter Duerr (se não me engano): "Ni dieu ni mètre" – nem deus, nem metro. Nem deus, nem ordem racional do mundo que devem ser respeitados; ou também: nem deus, nem verdade científica assumida como base para uma conduta racional. Em suma, a ordem objetiva que a "razão" descobriria na realidade, e que estaria ao alcance da razão de "todos", é tão pouco libertadora, e pior talvez, quanto o deus da tradição. Naturalmente, o deus cuja não existência se demonstra segundo Hitchens é o deus da nossa tradição – uma entidade pessoal que teria criado o mundo e o homem, e com o qual o homem pode se pôr em comunicação para conhecer sua vontade, seus propósitos, seu eventual plano de salvação. Podemos dizer o deus cristão? Se é assim, e creio que é assim, considerar esse deus como um obstáculo à liberdade e à responsabilidade do homem tem pouco sentido; ou, pelo menos, fundamenta-se em um erro, pois de quem querem nos livrar é do deus-poder que quer nos impôr sua autoridade por meio de todo o tipo de exigências e proibições. Nisso, posso estar mais de acordo com Hitchens do que com um crente.
Para os crentes, pelo contrário, justamente para salvar a própria fé, principalmente neste momento da história em que o multiculturalismo nos fez conhecer tantas experiências religiosas diferentes, é decisivo separar deus de toda disciplina clerical, de toda pretensão de poder de imposição sobre a livre eleição do homem. Do ponto de vista do interesse pela liberdade, em troca, se deveria reconhecer que a ideia de um deus pessoal que nos comunica sua vontade e seus propósitos é muito mais aceitável do que a de uma ordem objetiva que, certamente, como em Spinoza, nos convida a "não chorar nem gozar, mas só entender" a necessidade lógica de tudo. Não precisamente um grande avanço para a liberdade que se tentava salvar.
É verdade que só temos notícias desse deus por meio de textos mitológicos, nunca o descobrimos em uma experiência sensível ou mediante um procedimento científico ordenado. Não é um "fenômeno", diria Kant; ou, como Bonhoeffer escreve mais claramente, "um deus que existe (como uma coisa, um objeto de possível experiência) não existe". E, no entanto, todos temos o sentimento, sim, como uma impressão de fundo da qual não podemos nos libertar de que a nossa existência se tornou possível, em seus aspectos afetivos, de avaliação, de escolhas morais, só por essa herança mitológica, em cujo interior, por outra parte, amadureceu também a mentalidade científica da qual Hitchens quer ser defensor.
O deus cuja não existência é demonstrada (sem perturbar-nos em absoluto) por Hitchens é o que, pelo contrário, pareceu tão frequentemente demonstrável (de Santo Anselmo a Descartes) aos filósofos. Se esse deus existisse, adeus, liberdade, estamos de acordo. Mas é justamente o "deus dos filósofos" que Pascal já considerava pouco crível. As Igrejas, e em primeiro lugar a Igreja católica, pensaram que deveriam pregar o deus de Jesus Cristo como se esse deus fosse "demonstrável"; e cometeram esse erro por puros motivos de poder – o Deus que a razão "demonstra" parece portador de uma autoridade mais absoluta e universal (pensemos em como a Igreja insiste no fato de que, "por natureza", o casamento "naturalmente" heterossexual é indissolúvel, e assim pode proibir o divórcio também aos não crentes. E assim sucessivamente). O deus em que os crentes continuam acreditando não tem nada a ver com o deus, inexistente, de Hitchens. Seu livro pode, em troca, ajudar a todos a liquidar a sempre ressurgente tentação de identificar a palavra divina com alguma autoridade despótica, chame-se ela Igreja ou "ciência".
*Filósofo italiano.
O artigo foi publicado na Revista Ñ, do jornal Clarín, 07-11-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto. Postado no IHU/Unisinos, 08/11/2009

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