Renato Nunes Bittencourt*
RIO - Zygmunt Bauman, em Capitalismo parasitário, lega para a sociedade contemporânea mais uma contribuição intelectual para a compreensão dos dispositivos degradantes da atual conjuntura ideológica do dito “mundo líquido”, caracterizado pela perda dos referenciais da modernidade. No ensaio são retomadas questões persistentes de obras anteriores, sem que, no entanto, a pertinência de se pensar esses problemas tenha perdido sentido, pois continuamos atrelados a um mecanismo civilizatório que gera sobre a existência cada vez mais traços de medo, de insegurança pública, assim como a sensação angustiante do vazio existencial.
Diante de uma lógica social movida pela vertiginosa rotatividade de bens de consumo, o indivíduo pós-moderno necessita adequar-se continuamente a novos padrões de gosto, criados continuamente pelo sistema ideológico da moda, que impõe sua “moral secularizada” sobre a coletividade social. Conforme Bauman destaca com grande perspicácia, esse mecanismo da rotatividade de bens materiais se infiltrou também nas relações pessoais. Lidamos com seres humanos como se fossem coisas descartáveis, tanto no âmbito do mercado de trabalho como nas práticas amorosas.
Trabalho líquido, amor líquido, existência líquida. Afinal, vivendo em uma realidade cada vez mais fluida e desprovida de sentido e da possibilidade de se alcançar satisfatórios níveis de felicidade, despersonalizados pela adequação doentia a um sistema de trabalho que suprime a singularidade individual, o homem pós-moderno se encontra existencialmente solitário diante da grande dança das cadeiras da vida.
Bauman é um dos principais intelectuais contemporâneos a problematizar filosoficamente a questão do medo nas disposições afetivas e nas configurações simbólicas, e um dos pontos mais importantes de Capitalismo parasitário consiste na análise de que a estrutura econômica vigente depende incondicionalmente da manutenção do medo público em suas diversas ramificações. Desse modo, a atmosfera de insegurança na qual vivemos é um poderoso instrumento para que o sistema capitalista possa controlar a subjetividade humana e enriquecer através de sua fragilidade.
Relação fetichista
O fenômeno do consumismo também se agrega a essa esfera, criando-se contínuas novas demandas para aquisição de bens como uma espécie de válvula de escape diante dos desgostos cotidianos da existência. O ato de consumir alivia ansiedades e, a partir de uma relação fetichista, o indivíduo acredita que a aquisição de dado produto lhe proporcionará o bem-estar esperado, percebendo então o engodo desse processo, pois, para que possa manter o seu equilíbrio psíquico, devem ocorrer cada vez mais novas aquisições, e esse sistema de compra e satisfação imediata dos desejos atua no âmago humano como um narcótico simbólico. O homem pós-moderno mostrado por Bauman é uma espécie de avatar de Tântalo, pois nunca consegue alcançar a felicidade prometida pelo sistema publicitário no ato de consumo de bens materiais.
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*Doutor em filosofia pela UFRJ
Fonte: Jornal do Brasil online - 25/06/2010
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