"Nestes 18 anos, fui 22 vezes em visita ao arcebispado.
Em uma ocasião, fui acompanhado por 20 vítimas de abusos sexuais
cometidos por homens da Igreja.
Nada. Nunca me escutaram, nunca fizeram nada.
Sempre protegeram os padres.
Diziam: 'Não existem provas, rezaremos por vocês'.
E depois nos faziam ir embora".
Rik Devillé (foto) tem o ar manso, mas pronuncia palavras pesadas como pedras. Aos seus 65 anos, passou 30 cuidando das almas da igreja de Dom Bosco, em Buizingen, nos arredores do Ring, no sul de Bruxelas. O cruzados dos antipedófilos está aposentado há poucos meses, mas ainda não deixou a paróquia.
Desde 1992, ele recolhe os testemunhos de quem defende ter sofrido violências por parte de padres, tendo acumulado mais de 300 nos arquivos da sua associação Direitos e Liberdade na Igreja. Foi ele, no início de junho, que transmitiu os documentos à procuradoria da capital belga, medida que desencadeou as investigações de Mechelen (Malines). "Foi uma coisa boa", comenta. "Já era hora de que a justiça procurasse os culpados".
Eis a entrevista.
A Igreja belga havia instituído a Comissão Adriaenssens. Não bastava?
O problema era a sua ligação com o arcebispado, a ausência de um componente laico em seu interior de uma conexão com a magistratura. Eu sempre desejei que fosse formada uma comissão verdadeiramente independente, um órgão cujo objetivo fosse o de ajudar a justiça a fazer o seu percurso. Esse deve ser o caminho. Não cabe à Igreja estabelecer quem violou a lei e como deve ser punido.
O senhor acredita que a Bélgica é um caso especial ou que a chaga dos abusos sexuais na sacristia é um mal comum?
Isso acontece em todo o lugar, acredite-me. A Bélgica acreditava ser a exceção, porque nenhum caso jamais havia saído à tona. Porém, ainda em 1994, havia recolhido 82 denúncias. As vítimas queriam ser ouvidas pela Igreja, queria romper a maldição. Foi inútil, pelo menos até agora.
O senhor relatou ter se aproximado também de Godfried Danneels, o ex-primaz belga. Ele diz que não se lembra do senhor.
Eu falei com ele sobre os meus dossiês em duas ocasiões, na primeira metade dos anos 90. Eu lhe indiquei o problema e não sei o que ele fez depois. Em uma ocasião, porém, lembro que o cardeal ficou com raiva. Disse que esse não era o meu trabalho, que eu devia ficar de fora.
O senhor acredita que ele estava escondendo alguma coisa?
Os bispos têm uma longa história em suas costas quanto a silêncios e omissões. Protegem os culpados e não as vítimas.
Como os belgas reagiram? São um povo muito católico...
Eles eram, uma vez. A partir dos anos 60, a Igreja Católica tornou-se sempre menos democrática, e os fiéis se afastaram. Se olharmos para o passado, é um poder que está apodrecendo. Não se fala mais do progresso, de pôr fim ao celibato ou de ordenar mulheres ao sacerdócio.
O senhor acha que haveria uma solução também para reconsolidar as relações com as pessoas?
Certamente não sozinha. A Igreja não deve voltar à Idade Média, mas confiar-se de modo mais concreto à letra do Evangelho, cuidar dos pobres e dos fracos, renunciar à ostentação do poder terreno. Senão, só poderá ir lentamente rumo ao seu fim.
Pergunta minha: E no BRASIL, os nossos prelados será que estão imunes destes procedimentos de "empurrar com a barriga" os fatos que chegam até eles? Há casos...
_______________________________________A reportagem é de Marco Zatterin, publicada no jornal La Stampa, 27-06-2010. A tradução é de Moisés Sbardelottto.
Fonte: IHU online, 28/06/2010
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