quarta-feira, 30 de junho de 2010

''Esse caso é uma caricatura, uma paranoia anti-Bélgica''


Fantasmas vaticanos rondam os palácios de Bruxelas. Pierre Mertens (foto), jurista e escritor considerado por muitos como o intelectual independente mais importante da Bélgica, acredita nisso. Ele, antes mesmo de entrar na questão, enquanto pendem acusações e deplorações, usa um termo pesado para definir todo o episódio ocorrido na Bélgica: "é um caso de paranoia".

A reportagem é de Dario Fertilio, publicada no jornal Corriere della Sera, 29-06-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis a entrevista.

Pode parecer estranho, porque nessa história não faltam fatos: investigações de bispos, confisco de documentos, violação dos túmulos de prelados por parte de juízes em busca de provas ocultas com relação à pedofilia.
Mas essa simplificação dos fatos é paranoia, até se delinear um episódio à la Dan Brown no estilo 'Código da Vinci'. É paranoica a representação de um país como completamente laicizado, intolerante, anticlerical. Esses esquematismos se assemelham aos que atingem periodicamente a Itália, quando se quer fazer crer que a democracia está em perigo por causa de Berlusconi, ou que o país está por cair aos pedaços. Ou também quando se retratam de um certo modo a Áustria, os Estados Unidos, a Irlanda....

Deixando de lado a "paranoia", resta porém o porte do choque em curso entre o Estado belga e o Vaticano. São fatos indiscutíveis a deploração do Papa, a comparação do secretário de Estado entre o modo de agir na Bélgica e as perseguições soviéticas.
Porém, a intervenção de Joseph Ratzinger me pareceu sem equilíbrio e até patético. Aqui na Bélgica, os seus posicionamentos sempre foram discutidos com espírito crítico, mas tolerante, também aqueles mais discutíveis, por exemplo sobre a interrupção da gravidez, a contracepção etc. Até a intenção de beatificar Pio XII foi considerada sem preconceitos. Desta vez, porém, a sua reação não contribuiu para difundir uma boa imagem do Vaticano. E no entanto os belgas são sinceramente alérgicos aos extremismos.

E a Igreja belga?
Não diria que tenha se refugiado por trás do silêncio, pelo contrário, ela buscou a transparência. Com a qual, dentre outras coisas, tem tudo a ganhar.

Então, todo o episódio pode se liquidar simplesmente como um equívoco? Transformou-se um episódio normal em um drama?
Não, é preciso distinguir. Não se discute na Bélgica a separação dos poderes, naturalmente, e a autonomia da magistratura. A excepcionalidade do caso, ao invés, está aqui na iniciativa empreendida pelo juiz instrutor com relação a uma associação privada, a Igreja de Roma. Ora, conhece-se o porte das investigações, mas não o seu êxito: se as informações recolhidas se revelarem úteis para encontrar a verdade sobre alguns crimes, então não haverá nada a se dizer. Senão, será preciso preciso se desculpar pelo que ocorreu. Enfim: deixemos o julgamento para depois e, principalmente, evitemos a escalada verbal, que sempre chamam os fantasmas.

Mas não lhe impressiona a violação dos túmulos dos prelados?
Não. A expressão "violação dos túmulos" é uma caricatura. Foi feito um furo para introduzir uma câmera, não se violou nada. Nem se pode falar de uma falta de respeito pelas sepulturas.

Fica a imagem de um país, a Bélgica, traumatizado pelas acusações de pedofilia.
Isso é verdade. Há 20 anos, as pequenas Julie e Melissa, entre nós, foram martirizadas, e seguiu-se uma Marcha Branca para protestar contra a impotência das autoridades, incapazes de chegar aos responsáveis. Para não falar depois do caso Dutroux. Certamente, sobre esse ponto, nós, belgas, somos hipersensíveis, e como!

O senhor é considerado, justamente, o teórico da "belgitude". Em que consiste?
Na liberdade religiosa, certamente. Mas também, infelizmente, em uma certa separação entre o mundo da cultura e a "política politicante". Muitos foram em exílio para Amsterdã, Paris ou Nova York por causa disso. Agora, a ferida foi curada, mas o nosso país continua sendo afligido por um sistema e por uma classe política pletóricos. Representamos, em suma, o que há de melhor e de pior, uma metáfora da Europa.
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Fonte: IHU online, 30/06/2010

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