sexta-feira, 18 de junho de 2010

A nova idade dos faraós

Estudo publicado na revista Science
revisa as datas de início dos reinados egípcios.
Conclusão foi possível graças a análises feitas em documentos e plantas e
ajudará na compreensão de como ocorreu a expansão
do império do Nilo

Paloma Oliveto

Ezra Marcus/Divulgação
Papiro que compõe conjunto de documentos analisados pelos cientistas de Oxford

Anita Quiles/Divulgação
Pirâmide de Saqqara: túmulo do faraó Djoser

Ezra Marcus/Divulgação
Tigela de oferendas analisada na pesquisa

Bronk Ramsey/Divulgação
Acelerador de radiocarbono: crucial para o estudo

Durante séculos, estudiosos do Egito tentam reconstituir cronologicamente os reinados faraônicos, que dominaram o mundo mediterrâneo de 3 mil antes de Cristo até a conquista greco-romana, no século 4 da nossa era. O interesse pela datação começou cedo — em 3 a.C., o sacerdote e escriba Manethon escreveu a história egípcia, dividindo os períodos de reinos por dinastias. Posteriormente, o método de Manethon serviu de base para a formulação cronológica das dinastias, elaborada por historiadores modernos. Agora, uma equipe de pesquisadores internacionais concluiu que, em grande parte, o escriba estava certo, mas sugere a necessidade de algumas revisões.

Em um artigo publicado na edição de hoje da revista especializada Science, os pesquisadores explicam que a datação das dinastias do Egito é baseada em documentos escritos e em evidências arqueológicas, confrontadas com observações astronômicas. “São até hoje uma fonte de debate”, diz ao Correio o pesquisador Christopher Bronk Ramsey, da Universidade de Oxford, principal autor do estudo. Ele cita, como exemplo, a instabilidade do método que associa certos eventos históricos a acontecimentos astronômicos para situá-los na linha do tempo. “Muitos dos fenômenos celestiais e lunares relevantes se repetiram em intervalos regulares, dando margem a diferentes cronologias. Além disso, a datação correta depende do local onde foram observados, o que torna (a metodologia) mais incerta”, afirma o pesquisador no artigo. “Muito trabalho tem sido feito para sincronizar a cronologia do Egito com a de civilizações vizinhas, particularmente da Mesopotâmia, que tem um rico e detalhado registro histórico, além de datações baseadas em eventos astronômicos; porém, esse sincronismo preciso jamais foi alcançado e só é possível em relação ao fim do Novo Império.”

Para não haver mais dúvidas, a equipe usou medições de radiocarbono de 211 plantas conservadas em museus ao redor do globo. Os dados calibrados, ou seja, adaptados ao calendário atual, foram confrontados com informações históricas sobre os reinos, até que foi possível chegar a uma cronologia mais precisa. A nova tabela faz comparação com as datas contidas em obras editadas pelos historiadores Erik Hornung e Ian Shaw, renomados pesquisadores de Oxford. “Descobrimos que o Novo Império teve início entre 1570 a.C. e 1544 a.C., e que o reinado de Djoser, no Antigo Império, começou entre 2.691 a.C. e 2.625 a.C. Em ambos os casos, então, foi mais cedo do que as estimativas históricas que tínhamos até agora”, exemplifica Ramsey (veja quadro).

O pesquisador conta que as plantas foram garimpadas por uma das participantes do estudo, Joanne Rowland, em diversos museus. “As instituições foram muito prestativas fornecendo o material de que precisávamos, especialmente porque a exportação de amostras do Egito é algo proibido por lei”, conta Ramsey. “Ainda bem que só precisamos de amostras tão pequenas quanto um grão de trigo”, relata. Segundo ele, evitou-se analisar outros tipos de material, como peças de madeira e múmias, geralmente estudas em pesquisas arqueológicas, para se chegar o mais próximo possível das datas reais. Os objetos feitos com madeira, por exemplo, geram dúvidas cronológicas, pois a árvore cortada para a confecção da peça pode ser muito mais antiga. Já as múmias passaram longe da pesquisa devido à alta concentração de substâncias orgânicas, como restos de alimentos, que atrapalham o método de datação por conter carbono.

Margem de erro

As amostras fornecidas pelos museus tinham idades entre 2.650 a.C e 1.100 a.C. De acordo com Ramsey, para o Novo Império, a precisão da metodologia é de 24 anos; para o Médio Império, de 53 anos; e para o Antigo Império, de 76 anos. Considerando que se trata de períodos milenares, a datação obtida pela equipe de pesquisadores tem uma margem bastante pequena de erro. “Pela primeira vez, a metodologia de radiocarbono conseguiu ser precisa o suficiente para situar a história dos antigos egípcios em datas bastante específicas. Acredito que os acadêmicos e os cientistas ficarão felizes em saber que nossa pequena equipe de pesquisadores conseguiu corroborar um século de estudos históricos em apenas três anos”, diz.

Segundo ele, os resultados vão ajudar a compreender melhor os mecanismos de expansão do império egípcio e, consequentemente, incrementar o conhecimento cronológico de regiões que, de alguma forma, se relacionavam ao país africano. “O Egito e a Mesopotâmia são as duas únicas partes do antigo mundo do oeste que possuem registros escritos das eras do Bronze e do Ferro, e ambas estavam ligadas pelo comércio com várias regiões que se estendiam da Ásia Central ao oeste do Mediterrâneo. A cronologia é a chave para entender essas ligações”, diz o artigo.

"Pela primeira vez, a metodologia de radiocarbono conseguiu ser precisa o suficiente para situar a história dos antigos egípcios em datas bastante específicas”
Christopher Bronk Ramsey, pesquisador da Universidade de Oxford

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Fonte: Correio Braziliense online, 18/06/2010

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