sábado, 26 de junho de 2010

‘Deus não crê no Vaticano’

 Teólogo espanhol José María Díez-Alegría (foto)
em uma entrevista concedida ao jornal espanhol El País, 13-04-2003.
O portal do jornal reproduziu a entrevista por ocasião de sua morte
nesta sexta-feira – dia 25 de junho.

Eis a entrevista. A tradução do Cepat.

Como um teólogo vê o que está acontecendo no Iraque?
A guerra não pode ser considerada um meio de política internacional em nenhum caso. Não existe guerra justa. Seria necessário criar organismos como as Nações Unidas, que ainda é muito imperfeito, e estabelecer normas jurídicas internacionais que limite a capacidade de armamento de cada país.

Esses organismos, como as Nações Unidas não importam muito a Bush, Blair ou Aznar.
Sim. Se passaram por cima da ONU é porque há uma potência com armamentos enormes que é os Estados Unidos.

Tem algo a dizer ao Papa?
O Papa dessa vez em seu “não à guerra” teve razão. O que não quer dizer que sempre tenha.

Quando lhe expulsaram dos jesuítas pelo seu livro Eu creio na esperança, os dominicanos não lhe procuraram?
Tenho boas amizades com os dominicanos. E às vezes convidaram-me para participar em alguns congressos seus.

Por que os jesuítas e os dominicanos são como o Real Madri e o Barcelona?
Nunca fui um fanático da Companhia de Jesus. E também acredito que existam dominicanos que não sejam fanáticos dos dominicanos.

Como vê a Igreja na Espanha?
Está em crise. Todas as nações de cristandade histórica chegaram a sê-lo porque não havia liberdade religiosa. E são Igrejas que estão doentes e que terão que resignar-se a diminuir em tamanho de fiéis e a dialogar com o resto da humanidade. Porque sem a Inquisição não teríamos chegado a ser tantos e porque agora nos manteríamos?

Por que Wojtyla se incomoda com o jesuítas e bajula tanto a Opus Dei?
Porque o conceito que tem de teologia, da moral e sobretudo da ética sexual é mais próxima da Opus Dei. Os jesuítas são mais pluriformes.

Você beatificaria e canonizaria Escrivá?
Eu não.

No Vaticano acreditam em Deus?
Bem, isso apenas Deus pode julgar. Eu acredito que há pessoas que sim. O Papa eu acredito que crê em Deus. Agora, com enorme respeito, suspeito que sua fé em alguns aspectos peca pelo fanatismo.

E Deus acredita no Vaticano?
Não. Deus não acredita no Vaticano.

O senhor nasceu na sucursal do Banco de Espanha em Gijón, nada lhe ‘pegou’?
Sabe que não. Meu pai era diretor e é preciso distinguir: era bancário, mas não banqueiro.

A partir dos anos 80, em que vivia em Vallecas, o compromisso social mudou?
A Teologia da Libertação continua em pé, porque isso é Evangelho. Mas há uma espécie de aceitação acrítica dessa forma de capitalismo fundado exclusivamente na ambição ilimitada que é preciso revisar.

Disse que a Igreja acabará admitindo o casamento dos padres e o sacerdócio das mulheres. O senhor vê isso para quando?
A coisa está difícil. Mas, nem o celibato obrigatório dos padres, nem a proibição de acesso à mulher ao sacerdócio vêm de Jesus. Começou depois.

Aznar (primeiro ministro espanhol, conservador) irá para o céu?
Bem, Aznar, como eu, se for ao céu terá que mudar muito, fazer uma operação de estética.

E Zapatero?
Creio que é mais fácil porque não tem o mau humor de Aznar.

Tem medo da morte?
Não. Tenho esperança de encontrar-me com Deus. Mas acredito que minha vida tem tido muito sentido como é, e a morte como puro descanso tampouco me importa.

E se não encontrar Deus?
Um jesuíta francês disse uma coisa muito bonita: Se a hora da morte demonstrar que não há outra vida, eu diria: Pois me honro de ter acreditado em Deus, porque se não existisse, deveria existir.
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Fonte: IHU online, 26/06/2010

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