sábado, 26 de junho de 2010

A hora das meninas

Thomaz Wood Jr.*

O mundo corporativo sempre foi dominado por meninos,
alguns deles infantes terríveis.
No entanto, se as tendências econômicas e sociais atuais persistirem,
seu reinado pode estar próximo do fim

O número de julho e agosto da revista The Atlantic é dedicado à ascensão feminina (e à queda masculina) na sociedade e no trabalho. No editorial, James Bennet dá o tom: registra que, nas últimas décadas, a maioria das instituições públicas e privadas falhou. Exemplos não faltam: as fraudes corporativas, o débâcle das instituições financeiras, os casos de pedofilia na Igreja Católica e a virtual falência das grandes montadoras norte-americanas. E todos esses fracassos foram, essencialmente, fracassos de organizações lideradas por meninos. Então, talvez seja mesmo o caso de dar espaço às meninas e ver como elas caminham por trilhas nas quais os meninos vêm atolando o pé na lama.

Em 2009, a Islândia, falida graças a práticas financeiras temerárias, elegeu Johanna Sigurdardottir, a primeira chefe de Estado do mundo declaradamente lésbica. A nova líder orientou sua bem-sucedida campanha contra a elite masculina que havia destruído o sistema bancário do país, e prometeu pôr um fim à “era da testosterona”. Marcou assim uma transição: da celebração do risco à valorização de uma gestão mais cuidadosa e equilibrada.

Hanna Rosin, na matéria de capa da Atlantic, sob o título- “O fim dos homens”, revela sinais irrefutáveis da ascensão feminina. No inínio de 2010, as meninas tornaram-se pela primeira vez maioria na força de trabalho dos Estados Unidos. Na terra de Michelle Obama, a maior parte dos gestores também já pertence ao sexo feminino. E o amanhã lhes sorri: entre graduandos no ensino superior, a relação entre meninas e meninos já é de três para dois, ou seja, um futuro com melhores empregos e melhores salários para elas.

A Coreia do Sul é caso notável de mudança no papel feminino. Durante séculos, o país asiático desenvolveu uma estrutura social rigidamente patriarcal: um verdadeiro apartheid de gênero. Mulheres que não conseguiam gerar meninos (leia-se, herdeiros) eram tratadas como servas domésticas. As mudanças econômicas e sociais ocorridas a partir da década de 1970 colocaram a antiga ordem em xeque. Primeiro, as mulheres entraram no mercado de trabalho, trocando o campo pela cidade. Depois, migraram das fábricas para os serviços e daí para as ocupações profissionais. As leis acompanharam a evolução econômica, estabelecendo novos direitos para as mulheres. Fenômeno similar vem ocorrendo em outros países que passam por rápida industrialização, como a China e a Índia.

No Brasil, os setores da saúde e da educação têm há muito tempo forte contingente feminino em postos profissionais e de direção. Algumas empresas ainda cultivam, de forma explícita ou implícita, uma cultura machista, mas o futuro não lhes sorri. Os cursos- de graduação em Administração das escolas de elite comumente têm classes com números similares de meninos e meninas. E não faltam professores (e professoras) a apontar as meninas como melhores estudantes. Elas mostram-se frequentemente mais maduras, sérias e focadas que seus pares masculinos.

Em seu artigo, Rosin pergunta: “E se a economia moderna, pós-industrial, for simplesmente mais adequada às mulheres do que aos homens?” A força física e a agressividade conferiram notável vantagem aos homens quando a caça, o pastoreio e a agricultura eram atividades dominantes. Esses traços continuaram a privilegiá-los nas primeiras etapas da industrialização. Hoje, entretanto, com o avanço da automação e a transição das economias para serviços, tais características cederam espaço a outras, como a sensibilidade, a habilidade de relacionamento e a capacidade de comunicação.

A economia contemporânea, argumenta Rosin, está se tornando indiferente a alguns atributos masculinos tradicionais. O topo da pirâmide ainda é dominado por meninos. Porém, a base já começa a sentir os ventos transformadores. Nas periferias do Brasil e de outros países, muitas mulheres empreendedoras, atuando em serviços, já obtêm renda superior à de seus companheiros. Enquanto isso, a educação exerce seu papel de catalisadora da mobilidade social; e as meninas, mais sábias, estão aproveitando melhor a direção do vento.

O que nos reserva o futuro? Teremos novos matriarcados, com uma legião de “meninas alfa” detendo maior poder econômico e tomando decisões, a emular os terríveis infantes que dominaram até agora a cena? Ou seremos mais afortunados e teremos a emergência de um novo estilo de gestão e condução das organizações, menos agressivo e mais equilibrado? Aguardemos as respostas... nos próximos capítulos.
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*Thomaz Wood Jr. é professor da FGV-EAESP e sócio da Matrix/Consultoria e Desenvolvimento Empresarial. Ele é atualmente editor da RAE-Revista de Administração de Empresas. Thomaz Wood Jr. é colaborador da revista CartaCapital desde 1996. Atualmente, é responsável pela coluna “Gestão". Fonte: Carta Capital online, 26/06/2010

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