A boa educação básica é ponto central da
estratégia da indústria.
José Augusto Coelho Fernandes*
Nosso crescimento deverá ser sustentado e combinado com
redução da pobreza e da desigualdade
O artigo "Crescer melhor", publicado na edição de 15 de junho do Valor, página A11, faz referência ao documento "A indústria e o Brasil - Uma agenda para crescer mais e melhor", da Confederação Nacional da Indústria (CNI). O artigo elogia o leitmotiv "crescer mais e melhor", mas destaca que o documento seria muito melhor não tivesse tropeçado em duas questões cruciais: educação e sustentabilidade. E faz referências à obsessão pelo crescimento.
Há mais pontes que abismos entre as duas leituras. E as diferenças não estão, certamente, na importância da educação básica para uma estratégia de inovação ou nas oportunidades que se apresentam na agenda de mudança climática. Esses foram, aliás, temas-chave no debate travado com os candidatos à presidência da República, quando da apresentação do documento, na sede da CNI, em 25 de maio.
Gostaríamos de examinar com detalhe as referidas questões. Educação, sustentabilidade e crescimento são vitais na agenda de desenvolvimento do país. A qualidade da educação básica é chave para a estratégia industrial brasileira e para seu foco em inovação. Isso está claramente apresentado no documento da CNI, na seção "As forças do crescimento". O documento enfatiza também que a produtividade depende da inovação. E, para que isso ocorra, o investimento em educação deve ser priorizado. A incorporação de novas tecnologias ao processo produtivo requer uma força de trabalho apta a aprender e a desenvolver novas técnicas.
São necessários cientistas e engenheiros qualificados para inventar e ou adaptar produtos e processos produtivos. Não obstante, se não houver uma força de trabalho capacitada, isto é, gente educada, não haverá incorporação de inovação nas empresas. É por isso que a prioridade é a educação básica, porque é base do processo de formação de recursos humanos. Para aprender uma profissão e acompanhar mudanças tecnológicas é preciso que se tenha competência em leitura, matemática e em raciocínio lógico. A indústria brasileira não pode prescindir disso.
O artigo fez também referência à necessidade de educação científica desde o ensino básico. De acordo. Mas alcançar qualidade em português, matemática e raciocínio lógico é a principal prioridade. A boa formação é a base do preparo para a cidadania, o mercado de trabalho e a inovação. Não se produz trabalhadores qualificados ou cientistas sem educação básica de qualidade. A prioridade ao ataque a essas carências é a lição que nos passam as empresas inovadoras e os especialistas em educação.
A qualidade da educação básica é central para a estratégia industrial brasileira. A atenção ao tema não se esgota nesse documento. A CNI está realizando uma pesquisa Ibope, neste mês de junho, para investigar a percepção e valores da população em relação à qualidade da educação. Educação é questão crucial, que exige mobilização de todos para colocá-la na agenda dos governos e da sociedade. E sobre isso só temos a concordar. E devemos aproveitar este momento eleitoral para enfatizar essa prioridade.
A agenda da indústria trata ambiente e clima em capítulos distintos. Essa foi uma opção consciente na elaboração do documento. Mudança climática é por demais complexa para ficar restrita apenas à área ambiental. As implicações do tema para energia, regulação e estrutura industrial nos levaram a tratá-lo de forma interdisciplinar e retirá-lo da agenda ambiental, strictu sensu, a exemplo do que têm feito outras organizações, inclusive agências multilaterais.
A transição para a economia de baixo carbono é um dos cinco pilares da estratégia industrial no documento produzido pela CNI. Buscamos reforçar a importância de se ter visão específica sobre a questão. Privilegiamos mostrar que o Brasil não pode ter uma estratégia imobilista em direção a uma economia de baixo carbono, ancorada em uma matriz energética limpa, quando comparada à maior parte dos países industrializados.
A estratégia industrial brasileira para a economia deve ir além da matriz energética, sendo fundamental o desenvolvimento de uma agenda de captura de oportunidades nas áreas de bens de capital e de tecnologias. A agenda de mudanças climáticas introduz uma nova fronteira de investimentos em P&D&I, em âmbito global.
A política industrial e tecnológica do Brasil deve ter esse cenário como referência. O país terá que escolher quais competências precisará desenvolver para produzir novos bens ou inovações voltados para produção de baixo carbono. A CNI chamou a atenção sobre esses temas e como chegar lá.
Em "A indústria e o Brasil - Uma agenda para crescer mais e melhor" explicitamos nossa visão. Nosso crescimento deverá ser sustentado e combinado com redução da pobreza e da desigualdade, com preservação ambiental e garantia de diversificação e transformação da estrutura produtiva. Não desconhecemos que diferentes trajetórias de crescimento podem, como acentua o artigo, conduzir a diferentes resultados em termos de bem-estar. Mas insistimos que crescer faz diferença.
O Brasil deve dobrar a renda per capita a cada 15 anos. Isso pode ser feito com mais atenção à qualidade do crescimento. Crescer é importante para gerar os recursos para um crescimento sustentável e emancipador de pessoas. A falta de crescimento também gera efeitos morais danosos e reduz a própria capacidade de o país resolver os seus problemas. O documento produziu o que esperávamos: o debate sobre a melhor agenda para o desenvolvimento do país.
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*José Augusto Coelho Fernandes é diretor executivo da Confederação Nacional da Indústria (CNI)
Fonte: Valor Econômico online, 20/06/2010
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