sábado, 26 de junho de 2010

Gêneros e carências

JOAQUIM ZAILTON BUENO MOTTA*

A equivalência dos sexos segue evoluindo e aproximando homens e mulheres, mesmo que às vezes seja algo imposto ou impostado. A política moralmente correta não tolera, por exemplo, manifestações racistas, e solicita também atitudes antissexistas.

De todo modo, os gêneros não podem se distinguir por valores culturais tendenciosos ou rançosos. As distinções essenciais e profundas são as naturais.

A natureza providenciou diferenças suficientes para que se caracterizem muito bem as escolhas e vocações de cada gênero, no âmbito do perfil feminino e do masculino.

Os hormônios fazem as caracterizações biológicas, as vestimentas apresentam as aparências objetivas, enquanto a subjetividade permeia as variadas interpretações. Esse conjunto complexo permite que encontremos na sociedade atual diversas possibilidades, desde uma pessoa bem comum até um raro travesti fetichista.

Por exemplo, começamos por alguém que tenha sexo biológico feminino, reconhece-se uma mulher, traja-se com roupas de linhas indiscutivelmente femininas, compara-se e compete com as homorrivais mais evidenciadas no universo feminino e deseja pessoa do sexo masculino, e vamos até aquele que tem sexo masculino, reconhece-se como homem, na maior parte do tempo usa trajes masculinos clássicos, mas compete com homens e mulheres, tem desejo bissexual e, em certas ocasiões, veste-se esmerada e prazerosamente como mulher.

Alguns traços psicológicos do perfil de mulher promovem um charme feminino nos homens, aproximando-os da ternura com crianças e das tarefas domésticas tradicionalmente femininas. E no sentido inverso, também há uma equivalência que faz emanar um charme masculino nas mulheres.

No entanto, há distinções entre os gêneros que causam dissabores e conflitos, especialmente quanto às maneiras de entender os sentimentos e os vínculos. Os mais comuns desentendimentos são os das reações femininas às ações masculinas fora do namoro ou casamento e as reações masculinas às queixas femininas.

A moça descobriu que o namorado transou com uma mulher que conheceu na internet. Os e-mails revelaram duas visitas ao motel, e que a outra era casada. O rapaz garantiu que foram experiências de diversão erótica sem importância afetiva, mas a namorada sentiu-se imensamente traída.

Uma mulher casada há 15 anos ouviu uma conversa do marido com um amigo — este expressava que a cervejada semanal incluía um show de strip-tease e relações com prostitutas. Ela se mostrou indignada, sofrendo com a dúvida em perdoá-lo ou não, e ele perguntava: “mas me perdoar do quê? Eu não a traí, a outra não vale nada, por que tenho que pedir perdão?”

Um moço solteiro de 31 anos começou a encontrar-se com uma viúva de 28. Desde que perdeu o marido em acidente de moto, há pouco mais de um ano, era a primeira vez que ela saía com um homem. Falando sobre as carências da viuvez, ele entendeu que ela queria muito sexo. Cada vez que havia uma relação sexual (e eram muitas), ela repetia sentir-se carente. Ele chegou a tomar remédios para a ereção a fim de reforçar a performance. Ela curtia o sexo, mas o vazio prosseguia. Ele demorou 3 meses e mais de 50 relações sexuais para entender que ela falava de uma carência afetiva.

O homem oferecer sexo para a mulher que comenta suas carências é um dos mais corriqueiros equívocos das relações heterossexuais. Assim também é a inquietação sobre o que significa uma falta que pudesse induzir a procura de terceiros. O cônjuge se preocupa sobre o que ele carece para não ser traído, mas em muitas ocasiões erra de foco.

O grande motivo desses erros é mesmo a limitação amorosa. A grande maioria quer garantias de ser bem amado e pouco se questiona se é capaz de amar. Aqueles que amam mais e melhor conversam sobre as divergências e fruem das convergências.
__________________________________________
*Joaquim Zailton Bueno Motta é psiquiatra e sexólogo.
Fonte: Correio Popular online, 26/06/2010

Nenhum comentário:

Postar um comentário