"Podemos pensar verdadeiramente que
encontramos a felicidade
por meio da negação do traço característico da condição humana?
Como Edoardo Boncinelli escreve:
'A infelicidade não é um acidente, é um destino'".
Umberto Galimberti*
Se eu sei que devo morrer, não entendo por que devo ser feliz. A diferença entre o homem e o animal está toda nessa consciência, pela qual a infelicidade é o elemento constitutivo da condição humana, que as religiões, tempos atrás, e as psicoterapias ou os achados farmacológicos, hoje, buscam narcotizar inutilmente.
Mas podemos pensar verdadeiramente que encontramos a felicidade por meio da negação do traço característico da condição humana? E, então, como Edoardo Boncinelli escreve oportunamente em "Perché siamo infelici" [Por que somos infelizes] (Ed. Einaudi, 184 páginas): "A infelicidade não é um acidente, é um destino".
Além de Boncinelli, que enfrenta o problema do ponto de vista genético, o livro hospeda as intervenções de eminentes psiquiatras e psicanalistas como Maurizio Andolfi, Vittorino Andreoli, Eugenio Borgna, Bruno Callieri e Paolo Crepet, que edita essa coleção de ensaios, cuja intenção é desmascarar os falsos remédios que todos os dias são propostos por todos os que tiram proveito da infelicidade difundida, para vender aquelas que Ésquilo já chamava de "esperanças cegas" (thuphlás elpídas).
Com a clareza do cientista que não se deixa encantar por esperanças cegas, Boncinelli nos adverte que a natureza nos gera para a continuidade da espécie e não pela felicidade do indivíduo. Mas para que os indivíduos não se desmotivem uma vez alcançada essa consciência, a natureza provê uma série de enganos, que são os desejos do indivíduo, os seus projetos, os seus investimentos, os seus entusiasmos, particularmente vívidos na idade juvenil, que é o período mais fecundo para a procriação.
"Resistiremos, de fato, até a idade reprodutiva – a meta que interessa à natureza – se não tivermos essa espécie de ilusão quando crianças, que não nos deixa ver perfeitamente as asperezas do mundo?", pergunta-se Boncinelli, que responde: "Estou certo que não. Temos uma fase transitória, mas longa, de menor lucidez, graças a Deus. Senão, estou convicto de que muitas pessoas abandonariam este mundo bem antes da morte natural".
A essa infelicidade de base, que podemos chamar de "biológica", acrescenta-se uma "cultural", determinada pelo fato de que o indivíduo promove desejos, projetos, investimentos que, escreve Boncinelli, são "uma mola na base de toda a civilização e de toda a evolução cultural, mas também uma pedra no sapato, um desconforto, um desconcerto, uma amplificação da infelicidade sobre toda a vida", porque os nossos desejos são quase sempre desproporcionais à nossa capacidade de realização, e a escolha entre o desejo e a sua realização é a fonte de uma nova infelicidade.
Sobre esse tema, retornam as belíssimas páginas de Eugenio Borgna, que, depois de ter examinado todas as formas patológicas de felicidade e infelicidade e os remédios farmacológicos que atenuam os sintomas, mas sem dar um horizonte de sentido, aprofunda radicalmente o olhar na condição trágica do homem que não pode viver sem uma produção de sentido, em vista da morte que é a implosão de todo sentido. Captada na sua dimensão abissal, essa infelicidade não é curável com os fármacos, mas é possível atenuá-la por meio de uma intensificação das relações interpessoais, das afetivas às de cuidado, recuperando aquele traço constitutivo da essência do homem, que a natureza prevê como "animal social".
Mas que tipo de sociedade é essa que nos circunda? Uma sociedade que nos enche de objetos para consumir, escreve Paolo Crepet, que estão no lugar de relações faltantes. Uma sociedade que mede a felicidade a partir do lucro, em vez da circulação dos sentimentos, até o ponto em que, sempre em nome do lucro, faz da infelicidade um negócio. De fato, escreve Crepet: "assistentes sociais, religiosos, psicólogos, psicoterapeutas, psiquiatras, filósofos, organizações de voluntariado, farmacologistas, até prostitutas veriam os seus ganhos se reduzir se, de repente ou por mágica, a maior parte dos infelizes cessassem de sê-lo". Sem falar depois do controle social que tira uma indiscutível vantagem da infelicidade: "porque é mais fácil controlar pessoas resignadas e impotentes do que pessoas vitais e ideativas".
Da infelicidade coletiva vivem também as religiões que "prometem uma felicidade post mortem'" garantindo, de tal modo, que se suporte a infelicidade sobre esta terra, até induzir a viver os momentos de felicidade com um sentido de culpa mal escondido, porque saborear a felicidade nesta terra poderia reduzir a fé no além. Mas, observa Crepet oportunamente, não menos insidiosa é a mensagem subentendida a toda forma de publicidade que, para nos convidar a consumir, diz-nos que "Life is now" (a vita é agora). E se a religião se alimenta de infelicidade, projetando a felicidade para um outro mundo, a cultura da nossa sociedade, concentrando-se sobre o presente, exclui que o futuro da vida individual e social possa ser melhor do que o atual.
Mas se essa é a condição humana, para viver não seria necessário frequentar e pelo menos em parte cortejar a nossa loucura? Essa é a mensagem do psiquiatra Vittorino Andreoli, segundo o qual: "Para viver é preciso estar fora da realidade, ser, portanto, como os loucos que a esqueceram, para poder suportar o fato de estar no mundo e de continuar sendo homens, homens sem sentido, porque, de fato, a condição humana não tem nenhum".
__________________________________*A análise é de Umberto Galimberti, filósofo, psicólogo e psicanalista italiano, professor da Universidade Ca' Foscari, de Veneza, em artigo para o jornal La Repubblica, 16-06-2010.
A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: IHU online, 20/06/2010
ao dolor da lagrima descubro a raiz da ingratidao de quao terrivel foi esse me destino entao..
ResponderExcluir