quinta-feira, 24 de junho de 2010

Os militares e a política

Mauro Santayana*


Ao demitir, ontem, o general Stanley McChrystal do comando das tropas norte-americanas no Afeganistão, o presidente Obama venceu o primeiro

grande teste de autoridade em seu governo. A los militares, disse o presidente argentino Arturo Illia – “o se les manda, o se les obedece”. Obama mandou. Mandou, como Truman, em abril de 1951, demitiu o general MacArthur, velho herói da Guerra na Ásia, responsável pela democratização manu militari do Japão, por desobediência às diretrizes políticas estratégicas da Casa Branca no caso da Guerra da Coreia.

O argumento de Truman foi definitivo: a Constituição estabelece que os militares têm que se subordinar ao comando civil. Se não demitisse MacArthur, estaria faltando ao juramento que fizera, de sustentá-la e defendê-la. O general McChrystal, com toda a sua importância, se encontra a anos-luz da personalidade de MacArthur.

São difíceis as relações entre militares e o poder civil, em todos os tempos e em todas as latitudes. Já se tornou lugar-comum lembrar o aviso de Clemenceau de que a guerra é assunto muito grave para ser confiado aos militares. Mas há momentos em que o homem de Estado se vê obrigado a suportar militares petulantes. Nas discussões de ontem sobre o caso McChrystal, a historiadora Doris Kearis lembrou a desfeita sofrida por Lincoln, em 1862. Percebendo que o general McClellan, comandante das tropas da União contra os confederados, não estava atuando de acordo com suas diretrizes, resolveu visitar o chefe militar em sua residência, em companhia de dois auxiliares, para uma conversa amistosa. O general não estava, e os visitantes esperaram mais de uma hora. McClellan chegou, viu-os, passou por eles sem os cumprimentar, subiu as escadas, e mandou avisar que já se recolhera ao leito. O grande presidente engoliu a ofensa: não lhe convinha demitir logo o insolente militar, porque não tinha como substituí-lo no comando. Esperou dois anos para fazê-lo. McClellan estava sendo eficiente na luta, e chegou a ser chamado de Little Napoleon. Quando começou a esmorecer, foi facilmente substituído.

Os militares, pela própria natureza de sua formação, de seu trabalho e de sua posição na sociedade, sentem-se diferentes da população em geral. Em grande parte – e este é o caso do general McChrystal – são filhos de militares, passam a infância em companhia de crianças da mesma origem e se acostumam, desde cedo, a viver separados da sociedade civil.

O general George Marshall foi tido como o exemplo de discrição, de tal maneira que, segundo seus contemporâneos, evitava rir das anedotas de Roosevelt, para não demonstrar intimidade com o presidente. Nunca revelou os conselhos que, como o militar de mais alta posição nos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial, dava ao chefe de Estado. Mas nem todos agem assim.

No caso do Brasil, as vicissitudes de nossa formação trouxeram os problemas conhecidos. Ainda em 1826, Bernardo Pereira de Vasconcelos advertiu contra a decisão de Pedro I de mandar o Exército reprimir os revoltosos da Confederação do Equador, dando às comissões militares o poder de condená-los e os executar. Abriu-se o precedente para tudo o que veio depois.

O presidente Obama encarregou o general Petraeus de acumular o comando das operações do Afeganistão com as suas responsabilidades atuais, mas falta saber o que os Estados Unidos farão para sair de uma guerra já perdida – como perdida se encontra a do Iraque.
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*Jornalista
Fonte -  JB online, 23/06/2010

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