Fernando Reinach*
A necessidade de bisbilhotar a vida alheia parece estar codificada no genoma da espécie humana. Não é para menos que o ato de fofocar ocupa grande parte de nossas vidas e programas de televisão em que pessoas são encarceradas e monitoradas por câmeras e microfones fazem tanto sucesso. Mas alguns cientistas levam esse prazer ao ápice, dedicando suas vidas ao ato de observar o comportamento dos animais.
Jane Goodall passou 45 anos observando chimpanzés em um parque na Tanzânia e é responsável por muito do que sabemos sobre a organização social e os hábitos desses animais. Edward Wilson passou parte da vida observando colônias de formigas. Esses bisbilhoteiros do século 20 não dispunham de tecnologia sofisticada e eram incapazes de acompanhar o comportamento de muitos indivíduos simultaneamente.
Agora cientistas ingleses documentaram durante dois anos a vida de uma comunidade de grilos. Descobriram quem brigou com quem, quem fez sexo com quem, quando, onde e quantas vezes. Esses dados foram cruzados com testes de paternidade que determinaram qual era o pai e a mãe de cada grilo.
Os Gryllus campestris não voam e vivem em campos gramados. Cada animal se esconde em um buraco. Como o buraco é pequeno, só cabe um grilo. Por isso, tanto as brigas quanto os atos de amor ocorrem na entrada dos buracos, à vista de toda a comunidade. No início do verão, os adultos acasalam e põem seus ovos. As ninfas nascem, passam o inverno no subsolo e emergem no verão seguinte como adultos. Para observar o comportamento da comunidade, ao nascer, cada adulto era capturado e marcado com um pequeno adesivo com um número. Sobre o campo onde vivia a comunidade foram colocadas 64 câmeras de vídeo ligadas a sensores de movimento. Cada vez que era detectado movimento, as câmaras, capazes de filmar tanto de noite quanto de dia, disparavam. Dessa maneira, os quase 200 grilos foram filmados continuamente.
Os vídeos foram analisados e, como era possível identificar cada grilo pelo seu número nas costas, foi possível saber tudo o que cada grilo fez durante o ano. Ao final do ano, todos os grilos foram capturados e seu DNA, extraído. O mesmo foi feito com todos os grilos que nasceram no ano seguinte.
Comparando o DNA da geração dos pais com o DNA de cada filho, foi possível saber quem era o pai e a mãe de cada recém-nascido. Cruzando esses dados com os atos sexuais filmados durante o ano, foi possível mapear a vida sexual de cada grilo e o número de filhos produzidos por cada casal.
A quantidade de dados obtida é enorme, mas aqui vai um sumário das descobertas. Como esperado, quanto maior o numero de atos sexuais em que um grilo participa, maior o número de filhos na geração seguinte. O interessante é que a maioria dos machos e das fêmeas, apesar de promíscuos, não deixaram descendentes, ou porque os ovos foram devorados ou porque os recém-nascidos morreram. Um número pequeno de machos e fêmeas foi responsável pela nova geração. Eles produziram, cada um, no máximo dez filhotes.
Outra descoberta é que a variabilidade do sucesso em procriar é maior entre os machos. A descoberta realmente surpreendente é que os machos que venciam as brigas não foram os que produziram mais filhos. O que acontece enquanto dois machos brigam é que um terceiro namora a fêmea disputada.
Esse é talvez o primeiro estudo em que todos os atos comportamentais de todos os membros de uma população foram analisados e comparados com o sucesso reprodutivo de cada membro do grupo. Não seria delicioso se uma grande emissora utilizasse essa tecnologia para produzir um programa de televisão com centenas de pessoas isoladas em uma ilha?
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*BIÓLOGO
MAIS INFORMAÇÕES: NATURAL AND SEXUAL SELECTION IN A WILD INSECT POPULATION. SCIENCE, VOL. 328
Fonte: Estadão online, 23/06/2010
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