Se não resolvem os problemas, as megapesquisas globais ajudam a compreendê-los
Paulo Nogueira, de Londres
Pesquisas comparativas feitas em escala global têm o mérito milionário de ajudar você a enxergar e a entender melhor o mundo. Dois estudos recentes enquadram-se perfeitamente nessa premissa. O primeiro, chamado Global Peace Index (GPI), aferiu, com base em 23 indicadores que vão de índices de criminalidade ao grau de respeito pelos direitos humanos, a qualidade de vida em 149 países. O GPI foi criado pelo empreendedor australiano Steve Killelea, mune-se de dados fornecidos por um painel planetário de especialistas e tem a parceria do prestigioso Departamento de Inteligência da revista inglesa The Economist. O segundo estudo, que se debruça na maneira como o mundo olha os Estados Unidos, é uma obra do Pew, um centro apartidário de pesquisas baseado em Washington.
Quem olha para a lista do GPI fica com dificuldade para entender o resistente grau de popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O Brasil ocupa apenas a 83a colocação entre os quase 150 países analisados. Está uma posição à frente dos Estados Unidos, mas é preciso considerar que os americanos vivem circunstâncias excepcionais. São o alvo predileto dos terroristas islâmicos e estão em guerra no Afeganistão e no Iraque. Como a segurança dos cidadãos tem peso forte no GPI, a beligerância joga os Estados Unidos para baixo. Os vizinhos brasileiros não estão em situação muito melhor, com a notável exceção do Chile, o número 28.
Não há surpresa na última posição: o Iraque. Nem, a rigor, na primeira: a Nova Zelândia. Uma ilha com pouco menos de 4,5 milhões de habitantes na Oceania, a Nova Zelândia se sai consistentemente bem em comparações internacionais. É uma referência em tópicos como educação, liberdade econômica e transparência. Também não surpreende o destaque, pelas mesmas razões, dos países escandinavos. Dinamarca, Suécia, Noruega, Finlândia e Islândia estão entre os dez primeiros. É uma região peculiar, um caso raríssimo em que as virtudes capitalistas se mesclaram, sem se turvar ou desfigurar, com ideais igualitários.
O lugar do Brasil é embaraçoso para dois políticos que vivem trocando cotoveladas por disputarem o papel de modernizador do país: Lula e seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso. Somadas as duas gestões, são 16 anos de poder, um tempo suficiente para o Brasil figurar melhor numa lista como a do GPI. De uma forma difusa, os brasileiros parecem ter consciência disso. Num levantamento do Pew sobre o grau de satisfação dos cidadãos com os caminhos trilhados por seu governo, os brasileiros apareceram sem vestígios de entusiasmo. Apenas 50% se declararam satisfeitos. Na China, a taxa de satisfação é de 87%. Mais uma vez os Estados Unidos estão mal colocados. Só 30% dos americanos acham que seu país está na direção certa.
A mais nova pesquisa do Pew mostra que essa opinião interna dos americanos pode também viajar. No Oriente Médio, a rejeição aos Estados Unidos aumentou mesmo depois que Barack Obama assumiu a Presidência com uma retórica inovadora. A exceção é a Indonésia, onde Obama viveu alguns anos na juventude. Apenas 8% dos paquistaneses aprovam Obama. O Paquistão, um dos refúgios prediletos de extremistas islâmicos, tem sido bombardeado por mísseis americanos numa quantidade ainda maior do que na era Bush. Calcula-se que para cada líder apanhado pelos mísses haja 50 civis mortos. O colunista David Sirota, do Seattle Times, recentemente tocou nisso. “Nós não gostamos de tratar esse assunto como assassinato em massa, mas a guerra não declarada dos Estados Unidos ao Paquistão está se tornando isso.”
Os maiores países do Ocidente, segundo a pesquisa, continuam a confiar no sucesso de Obama. Nove em cada dez alemães o aprovam, para ficar num caso. Mas, em casa, Obama perdeu parte da aura em menos de dois anos de Casa Branca. Entre os eleitores democratas, a taxa de muita confiança em Obama caiu, em um ano, de 74% para 56%. Os eleitores republicanos, que no início se dividiam na questão da confiança no novo presidente, ficaram mais críticos também. Só um terço deles continua a ter uma alta expectativa nas decisões do governo, mostra a pesquisa do Pew. Levantamentos globais como este e o do GPI não resolvem em si os problemas do mundo, é verdade – mas ajudam a compreendê-los.
MODELO
Vista de Auckland, a capital da Nova Zelândia.
O país da Oceania está no topo do índice de paz global, que pontua 23 indicadores
___________________________Fonte: Revista ÉPOCA online, 18/06/2010
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