Daniel Rittner*
Soa até estranho, mas ouve-se com frequência em Buenos Aires, sempre textualmente e da boca de argentinos com vivência no exterior, as seguintes barbaridades. Que os políticos brasileiros pensam na construção do país a longo prazo, enquanto "los nuestros" pensam só na próxima eleição. Que os empresários brasileiros, progressistas, vendem dez para ganhar um, enquanto "los nuestros", atrasados, vendem um para ganhar dez. No mês passado, uma rádio importante de Rosario debatia se o Brasil já havia deixado de ser uma potência emergente e entrado no clube dos ricos.
Exageros à parte, o Brasil desperta um sentimento de admiração e respeito cada vez maior nos argentinos. Há uma tendência, inclusive, de sobredimensionar o êxito brasileiro na consolidação das instituições e em fazer a economia crescer com uma inflação relativamente controlada, o que na Argentina não acontece. É um fenômeno potencializado pela rapidez com que o Brasil se recuperou da crise internacional e pelo recente desempenho chinês do Produto Interno Bruto. Mas é, igualmente, um fenômeno que já vinha se desenhando nos últimos anos.
Em 2006, o pesquisador argentino Alejandro Grimson, da Universidade Nacional de San Martín, fez uma experiência interessante. Reuniu, na Argentina e no Brasil, nove grupos distintos para identificar o olhar de uma nacionalidade sobre a outra. Cada grupo, composto por quatro a oito pessoas, discutia sobre o assunto por duas horas e representava um segmento: jornalistas, intelectuais, artistas, executivos, políticos, funcionários públicos, juízes, militares e educadores. Sua conclusão: "Enquanto no Brasil prevalece um olhar positivo sobre seu próprio país, não isenta de frustrações, e uma visão marcadamente crítica e sarcástica dos argentinos, prevalece na Argentina uma ampla frustração nacional, complementada por uma visão positiva e de sucesso dos seus vizinhos".
"Enquanto na Argentina o Mercosul é considerado o caminho-chave para a inserção no mundo", acrescenta Grismon, "no Brasil há um consenso menor e enfatiza-se a conveniência de diversificar as opções internacionais". Ao mesmo tempo em que enaltece o Brasil, a Argentina se enxerga cada vez menos importante para o vizinho do norte. "Fomos saindo do radar de atenção do Brasil. Há seis ou sete anos, os assuntos relacionados à Argentina eram tratados normalmente por ministros de Estado. Agora, estão nas mãos de funcionários de segundo escalão e só sobem para o nível ministerial quando há alguma ameaça de crise", diz Dante Sica, ex-secretário de Indústria e diretor da consultoria Abeceb.
Para Félix Peña, ex-subsecretário de Comércio Exterior e diretor do Instituto de Comércio Internacional da Fundação Standard Bank, o Brasil deve evitar que a diversificação de seus interesses se reverta em soberba e desprezo pelo Mercosul. "Dizer que a Argentina atrapalha o Brasil é uma atitude que gera ressentimentos desnecessários", alerta.
"Hoje, na Argentina,
fazer ponderações sobre a prosperidade do Brasil
é quase tão malvisto
quanto dizer que Pelé
foi melhor do que Maradona."
Os argentinos nunca admitem, mas turbinar as conquistas recentes do Brasil é também uma forma calculada de criticar os rumos de seu próprio país, sem parecer chato ou pessimista. Fugir do entusiasmo com os vizinhos é algo que poucos formadores de opinião argentinos têm coragem de fazer atualmente. Um deles é o economista Ricardo Arriazu, ex-assessor do Fundo Monetário Internacional, que fez de tudo, em um debate na semana passada, durante o encontro anual da influente Associação Cristã de Dirigentes de Empresas, para convencer cerca de 200 executivos e empresários de que "o Brasil é um blefe". "É um país com déficit em contas correntes, superávit comercial em erosão, taxa de investimento inferior à da Argentina, crescimento econômico médio desde 1980 mais baixo do que o nosso, com escassez de mão de obra qualificada e cujo PIB em dólares só cresceu tanto por causa da valorização do real."
"Isso, sim!", complementou Arriazu, tentando contemporizar. "A força da moeda brasileira fez com que nossas empresas ficassem baratas para serem compradas por eles." Após sua apresentação, o moderador abriu o debate para perguntas dos empresários. "E então, como fazemos para ficarmos mais parecidos com o Brasil?", questionou um deles. Hoje, na Argentina, fazer ponderações sobre a prosperidade do Brasil é quase tão malvisto quanto dizer que Pelé foi melhor do que Maradona.
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*Daniel Rittner é correspondente em Buenos Aires
*Daniel Rittner é correspondente em Buenos Aires
E-mail: daniel.rittner@valor.com.br
Fonte: Valor Econômico online, 17/06/2010
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