quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Os ideais do Ocidente

DOMINIQUE MOÏSI*

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Nós, no Ocidente, devemos repensar a maneira como
nos relacionamos com os outros povos

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A QUEDA do Lehman Brothers, quase dois anos atrás, e o quase colapso do euro, mais recentemente, marcam um novo capítulo na história, que levará como título "o mundo pós-ocidental".

Para compreender o que significa viver em um mundo como esse, precisamos primeiro contemplar o mundo pré-ocidental, anterior à conquista da Índia pelo Reino Unido e ao início do declínio da China. Foi um período seguido por mais de dois séculos nos quais o Ocidente viveu ao lado de um "outro" que considerava inferior. E isso agora acabou.

Demógrafos preveem que os Estados Unidos e a Europa responderão por apenas 12% da população do planeta em 2050. Para resumir, o "outro" agora é nosso igual. Na verdade, é superior em muitos campos, de seu apetite pelo sucesso à sua confiança determinada no futuro.

Houve, é claro, outros períodos em que civilizações se encontraram em igualdade de condições.

Considere, por exemplo, a república de Veneza em seu relacionamento com os otomanos no século 16. Ou leia as memórias de viagem de Matteo Ricci, um jesuíta que percorreu o império chinês no século 16.

Ou pense sobre os britânicos na Índia, nos anos iniciais da Companhia das Índias Orientais, antes que esta explorasse a fraqueza do império Mughal para estabelecer o seu.

Em cada um desses casos, o respeito mútuo que existia entre as duas potências se baseava em uma mistura de empatia e curiosidade.

Mas foi esse senso de equilíbrio entre civilizações diferentes que desapareceu, primeiro com a ascensão do imperialismo europeu e depois com o início do século de predomínio norte-americano.

Agora, nós, no Ocidente, precisamos voltar a repensar a maneira pela qual nos relacionamos com os outros povos. Não podemos ignorar o fato de que a Ásia e o Ocidente vivem momentos diferentes de desenvolvimento. China e Índia podem estar agora desfrutando do momento de pico em seu crescimento acelerado, antes que problemas estruturais limitem sua ascensão.

A mudança no balanço do poder não deveria ser recebida com negação (ao modo norte-americano) ou com introspecção (ao modo europeu). Pois o momento que vivemos constitui não só um desafio considerável como uma oportunidade única para o mundo ocidental.

Nossas vantagens comparativas nesse novo mundo não são demográficas, militares, financeiras ou econômicas. Encontram-se no reino de ideias e ideais; na democracia, no Estado de Direito e no respeito aos direitos humanos.

Isso é afortunado, porque, pela primeira vez na história recente, uma nova potência mundial, a China, chegou a uma posição de destaque na política do planeta sem uma mensagem universal, e ao mesmo tempo negando claramente as responsabilidades universais que acompanham sua nova situação.

Em contraste, nossa mensagem universal pode servir como vantagem competitiva para o mundo ocidental. Para que isso aconteça, no entanto, nossa variante maculada de capitalismo tem de reconquistar a superioridade moral.

No final do século 18, o início da supremacia ocidental coincidiu com o Iluminismo, movimento baseado na ideia de progresso e emancipação dos seres humanos agrilhoados por preconceito, superstição e assertivas das religiões estabelecidas.

Hoje, esse modelo de excelência está mais visível na Escandinávia, onde o poder é modesto e honesto, as mulheres desempenham papel importante na sociedade, uma variedade humana de capitalismo é praticada e o respeito aos imigrantes é a norma.

Esse claramente não é o modelo seguido pelos Estados Unidos. E tampouco é o modelo de Nicolas Sarkozy ou Silvio Berlusconi.

Chegou o momento de perceber que estamos vivendo além de nossas posses em termos materiais, e muito abaixo de nossa capacidade em termos intelectuais e espirituais.

Por isso, as potências ocidentais precisam se reinventar, mas tendo em mente uma consideração: a de que, apesar de todos os temores surgidos com a ascensão da Ásia, seu futuro depende em última análise daquilo que trazem dentro de si.
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*DOMINIQUE MOÏSI é conselheiro do Instituto de Relações Internacionais da França. Este texto foi publicado originalmente no "Financial Times". Excepcionalmente, hoje, a coluna de ALEXANDRE HOHAGEN não é publicada.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
Fonte: Folha online, 05/08/2010

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