D. Jorge Ortiga*
1. Somos plasmados por Deus desde o princípio. Encontramo-nos diante da criação como acontecimento vivo da Palavra.
A Palavra de Deus é como uma seta luminosa que nos guia do início à transformação do criado, ao silêncio primordial, ao repouso e ao crescimento, à luz e à vida, ao desejo e à plenitude.
2. Entrar na quotidianidade é partilhar uma comunhão de vida com Deus porque ela é um dom que não possuo nem domino.
É viver da luminosidade intensa da Luz pascal que, nesta capela, «nos abraça e faz sentir salvos na luz», expressão, no plural das palavras, de um estudante norueguês.
A liturgia no seu todo
– palavra, gesto, espaço, tempo e ritmo – coloca-nos diante do acontecimento criativo da beleza divina
que atrai a sensibilidade humana.
Uma liturgia assim não se descreve, sente-se, vive-se e medita-se.
É diante da sinfonia simbólica do espaço e das linguagens que lemos nas entrelinhas o mistério profundo de Deus.
3. No Evangelho, Jesus perturba-se com a fé mercantil dos seus contemporâneos, e por isso pede-lhes:
«Não façais da Casa de meu Pai uma feira».
Entramos no processo de purificação dos corações. O átrio tem este efeito de preparar e acalmar o frenesim e o tumulto que trazemos connosco.
Jesus sabe disso. O silêncio primordial, que esteve na origem do chamamento do Povo de Israel,
estava a desaparecer.
Os ruídos mercantilistas à volta do Templo, que era o centro da fé dos seus antepassados, estavam a silenciar a presença de Deus.
Israel esqueceu-se novamente da sua Aliança.
Mais uma vez desvia-se do caminho e cai na tentação idolátrica que é transversal a todos os povos e a todos os tempos.
Jesus encontra-se na encruzilhada da história de um Povo que facilmente perde o solo da fé.
4. Pedro, testemunha qualificada de Jesus Cristo, fala da beleza do corpo rejeitado pelos homens.
Mais uma vez a vontade Deus não coincide com a dos homens.
«O escândalo, e ao mesmo tempo a ousadia do cristianismo, é que Deus se tenha feito homem.
Mas maior loucura seria se Deus estivesse longe» (J.A. Mourão).
O corpo de Cristo, a sua vida e ministério, é a verdadeira Árvore da Vida, cujas as raízes se encontram no coração de Deus, Seu Pai.
A promessa de Jesus: «destruí este templo, e em três dias Eu o levantarei!», cumpriu-se e foi presenciada por Pedro. Jesus fala da sua Ressurreição ao terceiro dia, de uma edificação interior,
que permanece para além das estruturas do espaço físico e do tempo.
«Pela sua morte e ressurreição, Cristo tornou-se o verdadeiro e perfeito templo da Nova Aliança
e congregou o povo que Deus tornou Seu» (Rito da Dedicação, Preliminar 1». Pedro afirma que aqueles que escutam a Palavra são o «templo vivo» onde Deus habita.
Em Cristo, Deus torna-se Palavra do corpo humano, «oração do corpo» (P. Beauchamp), que nos envolve total e solenemente nesta celebração.
5. A Beleza abre espaço para a presença do corpo, para a sua manifestação na celebração da fé. Uma presença celebrativa onde fazemos experiência da musicalidade divina, que nos é dada gratuitamente.
O homem não é apenas razão mas também sentimento e emoção. A linguagem simbólica envolve-nos nesse mistério profundo da habitação de Deus no corpo de Cristo, numa tensão forte entre o escândalo do corpo Crucificado e o esplendor do corpo Ressuscitado.
O mistério não é só aquilo que não é compreensível mas aquilo que é demasiado rico e belo para ser entendido. O caminho do mistério, da opção pelo não óbvio, abre-nos para a beleza do encontro pessoal com Aquele que está vivo. Um diálogo com a Alteridade, com o Deus amor, face a face, onde eu me coloco como «ouvinte» do silêncio das origens que acolhe e deseja ardentemente acreditar no amor apaixonado de Deus.
6. Cristo é a Árvore da Vida onde natureza e graça se unem para gerar vida nova, de homens reconciliados com as suas feridas interiores e dispostos a viver a alegria do «banquete nupcial».
É com este banquete que somos convidados a edificar a nossa vida em Cristo.
O corpo do Ressuscitado, «pedra angular que os construtores rejeitaram», é o símbolo de toda a fé cristã, sobre o qual está assente o memorial da fraternidade e o ambão da Palavra, pelo qual entoamos cânticos e salmos de alegria.
Autêntica «gramática da oração» (E. Bianchi) da espiritualidade cristã, o corpo do Ressuscitado é o bálsamo que nos liberta do túmulo da morte para uma vida feliz.
É assim que Neemias exorta o seu Povo: «Ide para vossas casas, comei uma boa refeição, tomai bebidas doces e reparti com aqueles que não têm nada preparado. Hoje é um dia consagrado a nosso Senhor; portanto, não vos entristeçais, porque a alegria do Senhor é a vossa fortaleza».
7. É neste sentido que consagramos hoje a capela Árvore da Vida. No meio da vida quotidiana da comunidade do Seminário, Deus coloca um autêntico «jardim pascal» sobre o «jardim do Éden».
De facto, como escreveu António Marujo, «esta capela pode ser um jardim, um bosque ou uma avalanche de metáforas. Desde logo, uma metáfora de luz. E um jogo de sombras, alusivo à criação do mundo».Por tudo isto, ela chama, interpela e convida cada um a entrar pela «Porta das Águas» para se tornar «ouvinte da Palavra» (K. Rahner). Um jardim pascal selado por uma seta que nos conduz à transparência plena do amor divino.
A intensidade da vida, desse quotidiano comum que se condivide nesta casa, converter-se-á num verdadeiro «umbral da oração» (E. de Luca) se professarmos a presença de Deus na circularidade e na diversidade de dons de cada um ao serviço da comunidade.
A capela Árvore da Vida ajudar-nos-á a ver, a escutar, a olhar, a sentir, a discernir e a respirar o bálsamo da presença transfiguradora do Ressuscitado.
A transparência da sua riqueza simbólica não nos pode deixar indiferentes à Palavra que vem ao nosso encontro para ser acolhida e vivida.
8. É com este empenho que a Igreja quer «animar os artistas a reapropriarem-se dos grandes símbolos,
das grandes narrações, os grandes temas, as grandes figuras» (G. Ravasi) segundo a narrativa contemporânea, porque como afirma o cardeal Gianfranco Ravasi, «não podemos continuar a ouvir Stockhausen como se ouve Mozart», pois se a sensibilidade é outra, o esforço de apropriação também terá de ser outro. Deus «faz-se» inteira e totalmente presente no ato criativo quando é o Senhor da vida a forma e conteúdo da mensagem.
9. Que S. João Maria Vianney, padroeiro dos párocos, a quem a capela é dedicada,seja pedagogo espiritual dos nossos diálogos de amigos com Jesus e entre irmãos.
Maria, Nova Eva e Mulher vestida de sol,nos ajude a caminhar sempre com Cristo e a testemunhá-lo sem medo em todos os momentos da existência.
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*Arcebispo Primaz de Braga
Homilia da Dedicação da capela e altar, 20.10.2011
Fotografias da Dedicação: Pedro E. Santos
© SNPC 31.10.11
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