sexta-feira, 4 de maio de 2012

Em defesa de uma causa

Reuters 
Michelle Yeoh encontrou com Suu Kyi, que foi libertada da prisão em Mianmar durante o período das filmagens: admiração pela líder que enfrentou um regime militar
 
Michelle Yeoh teve o primeiro contato com Aung San Suu Kyi, ícone da democracia em Mianmar (ex-Birmânia), em 13 de novembro de 2010 - quando a ativista foi libertada da prisão domiciliar, após 15 anos de reclusão. A atriz nascida na Malásia já estava rodando o filme "Além da Liberdade'', cinebiografia sobre a líder da oposição ao regime militar de Mianmar. "Kim, o filho mais novo de Suu Kyi, acompanhava as filmagens e estava comigo no set, na Tailândia, quando o telefone dele tocou. Era a sua mãe. Ele disse: Estou com Michelle, a atriz de 'O Tigre e o Dragão' que vai interpretar você nas telas.'' As duas conversaram um pouco, mas não falaram sobre o filme - com estreia prevista no Brasil para julho. "Não houve necessidade. Na cabeça de uma mulher tão altruísta quanto ela, acredito que a última preocupação seria de que ângulo contaríamos a sua história nas telas.''
Sob a direção do francês Luc Besson, "Além da Liberdade'' resgata a história de amor entre Suu Kyi e o marido, o professor britânico Michael Aris (David Thewlis), da Universidade de Oxford. Ele morreu vítima de câncer em 1999, quando a mulher ainda estava em prisão domiciliar. "O fato de Suu Kyi ter renunciado ao marido e aos filhos, para atender um chamado do seu povo, não significa que ela tenha deixado de amá-los. E sim que os conterrâneos precisam muito mais dela'', disse Michelle, ao explicar a escolha da militante, Prêmio Nobel da Paz em 1991. "Abrir mão da família é um dos maiores sacrifícios que uma mulher pode fazer.''
Hoje com 66 anos, Suu Kyi nasceu em Rangum, filha de uma enfermeira e de um herói nacional - assassinado quando a menina tinha apenas dois anos. Ela frequentou as melhores escolas do seu país, completando os estudos na Índia e, posteriormente, na Inglaterra. Durante sua passagem por Oxford, onde cursou política, economia e filosofia, Suu Kyi conheceu Aris, com quem se casou em 1972 e teve dois filhos, Alexander e Kim. Ela só retornou à terra natal, em 1988, para ver a mãe, que estava morrendo, após sofrer um derrame. O que deveria ter sido apenas uma rápida visita mudou a sua vida. Naquele momento, o país assistia a uma revolta popular, da qual Suu Kyi em pouco tempo se tornou a líder, fundando a Liga Nacional pela Democracia. Ela foi detida em 1989 e, no ano seguinte, o seu partido venceu as eleições, mas foi impedido de assumir o poder por uma junta militar.
Leia, a seguir, a entrevista que Michelle concedeu ao Valor, por telefone, de Paris.

Valor: O público internacional conhece você mais por dramas de artes marciais, como "O Tigre e o Dragão'' (2000), ou superproduções de Hollywood, como "007 - O Amanhã Nunca Morre'' (1997). A ideia era mostrar seu potencial mais dramático?
Michelle Yeoh: Não foi um movimento calculado nesse sentido. Eu simplesmente procurava a história de uma mulher asiática que merecesse ser contada. Quando li nos jornais que havia um projeto para contar a vida de Suu Kyi nas telas, liguei imediatamente ao meu agente em Los Angeles e pedi que ele encontrasse os responsáveis. Quando ele localizou Rebecca Frayn, que escrevia o roteiro, comecei a minha luta para conseguir o papel. Participar de um projeto que defende a liberdade e os direitos humanos passou a ser mais importante do que o retorno que o filme poderia me dar.

Valor: Suu Kyi foi libertada durante as filmagens. O filme pode ter ajudado?
Michelle: Espero que sim. Só o anúncio que faríamos um filme sobre a vida de Suu Kyi já fez as pessoas se lembrarem do caso, justamente o que a junta militar que governava o país na época não queria que acontecesse. Naquele momento não havia mais notícias sobre Suu Kyi. Ela ficou mais de dez anos sem contato com o filho, Kim. Não havia qualquer comunicação com ela, seja por carta ou por telefone. Não tenho a pretensão de achar que nosso filme foi determinante nesse processo. Mas ele ajudou a despertar a consciência pública.

Valor: Onde estava quando recebeu a notícia de sua libertação?
Michelle: Nas filmagens. Curiosamente eu assistia ao noticiário de TV. Foi muito surreal. Enquanto a CNN levava ao ar a reportagem de Suu Kyi, mostrando-a acenando para o povo, do lado de fora de sua casa, Luc Besson entrou no meu trailer, sem saber de nada. Ele tomou um susto e disse: O que é isso na TV, alguém roubou material do meu filme?

Valor: Após a libertação, a senhora foi visitá-la em Mianmar. Como ela a recebeu?
Michelle: Eu preferiria tê-la encontrado antes do início das filmagens, mas isso não foi possível. Felizmente, um mês depois que ela havia sido libertada, nós marcamos um encontro e pude visitá-la em sua casa. Ela me recebeu com um abraço, o que me emocionou muito. Por ter mergulhado na vida de Suu Kyi por quatro anos, eu obviamente senti que já a conhecia. E pelo seu abraço, tive a sensação de que ela me conhecia também. Pena que o encontro foi rápido. Como nós estávamos terminando as filmagens, na Tailândia, tive apenas 24 horas em Mianmar. Voltei no dia seguinte para concluir o trabalho.

Valor: Qual foi a sua primeira impressão dela?
Michelle: Suu Kyi tem um semblante de quem já sofreu muito, mas, ao mesmo tempo, transmite uma leveza, mostrando-se sempre pronta para rir. Eu adorei a sua risada. Ela já me recebeu sorrindo, pedindo desculpa pela bagunça da casa, o que nem era verdade. Isso foi ótimo para me acalmar. A caminho de sua casa, fiquei muito nervosa. Eu me perguntava: e se ela me olhar e pensar 'é essa mulher que está me representando no cinema'? Tive medo de não estar à altura. Muitas pessoas dizem que nós não devemos conhecer os nossos heróis, já que na maioria das vezes acabamos nos decepcionado. Só que não foi o que aconteceu.

Valor: É verdade que a senhora foi deportada ao tentar entrar em Mianmar pela segunda vez?
Michelle: Sim. Eu tentei voltar meses depois, já que meu visto continuava válido. Queria muito ver melhor o país que durante tanto tempo fez parte da minha vida. Queria percorrer Mianmar de norte a sul. Quando desembarquei, no entanto, eles disseram muito educadamente que não me deixariam entrar. Eu aceitei, sem discutir, pois não queria armar confusão. E desde então o meu nome está na lista negra. Mas espero que as coisas mudem. Como há muitas reformas políticas em curso, tenho esperanças de voltar um dia.

Valor: À primeira vista, "Além da Liberdade'' não parece uma escolha óbvia na carreira de Luc Besson, mais conhecido por títulos de ação.
Michelle: Não vejo Luc necessariamente como diretor de ação. Um de meus filmes favoritos é "Imensidão Azul'' (1988), mais intimista. Eu não poderia ter sonhado com diretor melhor. Luc deu a autenticidade que o projeto precisava. A começar pelo elenco. Ele foi até um campo de refugiados birmaneses no norte da Tailândia e selecionou 200 deles. É por isso que a maioria dos atores do filme não é profissional. Mas eles são birmaneses, o que é muito mais importante nesse caso. Muitos perderam familiares e viram as atrocidades de perto. No set, era como se os refugiados estivessem regurgitando o que, de fato, aconteceu com eles.
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Reportagem Por Elaine Guerini | Para o Valor, de São Paulo
Fonte: Valor Econômico on line, 04/05/2012

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