sábado, 7 de julho de 2012

“Pode ser que a Apple até melhore”

 REGIS MCKENNA durante palestra no Grupo RBS, com painel ao fundo onde aparecem ele mesmo, mais jovem, com Steve Jobs em início de carreira

Regis McKenna - Especialista em marketing e tecnologia

Pioneiro na criação de estratégias de marketing para lançar produtos e projetar empresas na área de tecnologia, Regis McKenna chegou ao Vale do Silício antes mesmo da região receber essa alcunha. Por três décadas, McKenna ajudou jovens empreendedores a tirarem suas ideias dos laboratórios para transformá-las em sucesso de mercado.

Um desses talentos foi um rapaz de 21 anos chamado Steve Jobs, com quem McKenna começou a trabalhar no final dos anos 1970 e de quem se tornou amigo pessoal.

Desde então, participou da história da Apple, do amadurecimento de seu líder e da consolidação do Vale do Silício como polo de inovação.

McKenna esteve em Porto Alegre na última semana, falando durante um encontro de executivos do Grupo RBS. Confira os principais trechos da entrevista que o consultor concedeu a Zero Hora depois de conferir, curioso, como funciona a redação.

Zero Hora – O senhor ainda gosta de comprar gadgets como câmeras e celulares?
Regis McKenna – Tenho quatro ou cinco câmeras Nikon. Acabei de encomendar a 800E, o último modelo, e chegou lá em casa duas horas depois que eu saí, minha mulher me contou. Eu teria trazido comigo, deve ser uma supercâmera. Tenho cinco ou seis computadores. Minha mulher também tem os computadores dela.

ZH – O senhor atualiza os modelos?
McKenna – O último iPhone e o último iPad que eu tenho eu recebi de Steve Jobs. Ele costumava me mandar. Então, eu tinha os modelos atualizados.

ZH – O senhor costuma receber esses presentes de outras empresas também?
McKenna – Não, só do Steve.

ZH – O senhor sente saudades dele?

McKenna – Sim, muito. É difícil de acreditar que ele se foi. Ele era tão jovem e tão dinâmico. Eu falo com muitas outras pessoas que sentem o mesmo, que o telefone vai tocar a qualquer momento e vai ser uma chamada dele. Alguns amigos, hoje, ainda não conseguem falar sobre isso. É difícil para mim. Mas eu devo dizer que não sou uma pessoa que tem heróis.

ZH – E o senhor, não é um herói?!
McKenna – Não necessariamente. Eu sou uma de muitas pessoas do Vale (do Silício). Há muitas pessoas muito bem-sucedidas das quais você nunca ouviu falar, que foram realmente importantes e tornaram a Apple possível. Ano que vem, vai fazer 50 anos que estou no Vale do Silício. Trabalhando com marketing, conheci muitos fundadores de tecnologias chave e trabalhei com eles. Steve surgiu em um momento em que as tecnologias digitais de comunicação tinham chegado. Ele é o primeiro rockstar da era digital. E isso o torna único. Era um bom showman e excelente em aparições públicas. Era um evangelizador das tecnologias digitais.

ZH – Esse perfil que pensa sobre o futuro e também é um bom showman, como Steve, é raro?
McKenna – Sim, mas há outros. Um bom showman é o presidente da Oracle, Larry Ellison. Ele é excepcional. Houve pessoas, lá nos anos 1960, que reuniram mil engenheiros em suas palestras. Eram um pouco malucos, mas ótimos em prender a atenção.

ZH – Qual foi o grande legado de Steve Jobs como profissional?
McKenna – Ele acrescentou a palavra “pessoal” à computação (referência à expressão “computador pessoal”). Até então, você precisava ser engenheiro para usar um computador. Mesmo os computadores pequenos, para hobby, como eram chamados, não tinham teclados ou monitores. Não eram amigáveis. A visão dele foi usar o poder da tecnologia para criar uma interface mais humana. Na Apple, ele achava que poderia fazer isso em poucos anos. Na verdade, levou cerca de 30 anos. Não foi até meados dos anos 1990 que a tecnologia permitiu abrir mão de manuais, simplesmente tirar da caixa e usar sem nenhum conhecimento prévio. A revista Time escreveu que Steve Jobs criou a computação pessoal. Quando ele voltou para a Apple, a empresa estava a 90 dias da falência. E ele tomou conta da Apple sem autoridade: não tinha ações, não tinha cargo, a diretoria havia pedido que atuasse como consultor e ele recusava. Foi como se a gerência da época acordasse um dia e, de repente, ele estava no comando.

ZH – E qual foi a grande diferença entre os anos 1980, quando Steve Jobs deixou a empresa, e os anos 1990, quando ele retornou?
McKenna – Três coisas o transformaram: uma foi a Pixar (estúdio de animação que Jobs comprou ao sair da Apple em 1986). A Apple era um bando hackers e engenheiros. Eu brinco que não havia administração, havia um Woodstock, como se todos estivessem tocando suas próprias músicas. A Pixar era muito organizada, havia cientistas e engenheiros profissionais, e bons contadores de histórias. E John Lasseter, que era o produtor e diretor, estava lá desde o início. Steve aprendeu com eles. Ele tinha o que oferecer: era um grande negociador e atuou em acordos com a Disney. Ele impulsionou a Pixar a produzir longas-metragens de animação. Quando ele voltou para a Apple, pensava de maneira diferente sobre que tipo de gente deveria estar na equipe. A segunda coisa foi a NeXT (empresa criada por Jobs depois de sua saída da Apple em 1985, que se dedicou a criar um computador para educação). A empresa foi um fracasso, mas o software era brilhante. O que ele ganhou lá foi essa visão: o NeXT (computador) era grande e caro. Ele poderia continuar a perseguir a ideia de “uma pessoa, um computador”, mas não com o NeXT. Ele aprendeu o valor do software. E a terceira coisa que o transformou foi que ele se tornou marido e pai. Quando ele telefonava, conversava mais com minha mulher do que comigo. O assunto era família, as atividades dos filhos. Steve costumava vir à nossa casa quando a família estava sentada em volta da mesa da cozinha e todos conversavam. Ele gostava desse tipo de ambiente, e queria algo assim. A mulher de Steve, com certeza, teve um grande impacto sobre ele, assim como os filhos.

ZH – Como o senhor vê a Apple sem Jobs daqui para frente?
McKenna – Um dos grandes poderes de Steve era escolher boas equipes. Ele não inventou nada, e a maioria das ideias vinha de outras pessoas. Mas ele era capaz de impulsionar aquelas ideias, fazer você torná-las ainda melhores e ir além. Ele era capaz de ver coisas, formatar um modelo de como as coisas deveriam ser e daí forçar você até a excelência. Um exemplo é Tim Cook, o presidente agora. Quando Steve voltou à diretoria, a Apple fabricava a maioria de seus produtos. Eles não tinham logística. Tim Cook eliminou a fabricação própria e começou a terceirizar todos os componentes ao redor do mundo. E ele fez isso com um sistema de automação logística que provavelmente é o mais avançado do mundo. Ele construiu as lojas de varejo. Quando um iPad é lançado, é entregue para todos no mesmo dia. E as lojas recebem antes. Essa logística e essa coordenação, isso é trabalho do Tim Cook. Outro cara que chegou à Apple antes de Steve retornar é Jonathan Ive. Ele é o designer. Ele projetou todos os produtos da Apple que você vê hoje. O visual, as formas, tudo. Ele e Steve costumavam discutir as ideias, sim, mas ele é o cara criativo por trás de tudo. E há muitos outros. Então, não existe uma única pessoa, eles não têm a personalidade de Steve, não têm a articulação dele. E uma empresa sempre perde algo quando fica sem seu fundador. Não saberemos se isso é ou não uma coisa grave por alguns anos. E a última coisa que ele disse a Tim Cook foi: “Nunca se pergunte o que Steve Jobs faria”. Isso é muito sábio.

ZH – A Apple será capaz de manter essa equipe pelos próximos anos?
McKenna – Eu detesto dizer isso, mas de alguma maneira pode ser que a Apple até melhore. Quando há alguém no topo com uma direção, ele tem a sua visão. Vou dar um exemplo. Uma coisa que se pode dizer sobre Steve é que ele não era muito filantrópico. Ele planejava, mas dizia que faria isso depois. A empresa não participava em muitas atividades da comunidade. Três semanas depois que Steve morreu, Tim Cook anunciou que dobraria as doações feitas por funcionários até o teto de US$ 10 mil anuais por pessoa. Então, para algumas coisas, pode ser que melhore. Mas você ainda vai ter aquele líder dinâmico? Não, é mais ou menos como a morte de John Lennon. A música não tem mais aquela harmonia, mas você ainda tem música criativa.

 
"Os softwares serão a nova onda. 
A primeira tarefa foi  automatizar fábricas, máquinas. 
Agora estamos automatizando serviços"

ZH – Qual é a maior invenção da Apple?

McKenna – É difícil dizer. O Apple II foi o início da computação pessoal. O microchip do Apple II é do tamanho da unha do seu polegar. Há 4,5 mil transístores ali. O Mac atual tem 800 milhões em um espaço um pouquinho maior. O Mac hoje é mais barato do que o primeiro. A visão de Steve do computador pessoal foi completada com o iPhone, que é mais um computador do que um telefone. As aplicações são 90% do telefone. O iPad é só um iPhone grande, sem a função de telefone.

ZH – O que o senhor está vendo que pode se tornar a próxima revolução tecnológica?
McKenna – Eu invisto em empresas e tenho feito isso há muito tempo, mas não sou um investidor de risco. Steve Jobs me vendeu alguma de suas ações. Quando você está lá, você investe. É simplesmente uma coisa que ocorre com as pessoas no Vale do Silício. A próxima grande coisa não vai ser uma coisa. Google não era uma coisa, era um algoritmo, era um pedaço de software, uma fórmula matemática. Mais e mais estamos vendo os softwares se tornarem a nova onda. A primeira tarefa foi automatizar fábricas, máquinas. Agora estamos automatizando serviços. E ainda temos muito a desenvolver na área de criação de software para a indústria médica, de publicação, financeira. Por outro lado, no mundo médico, há muita coisa revolucionária vindo das pesquisas com genoma. Acabo de visitar uma empresa chamada Complete Genomics, onde estão mapeando o genoma humano. O genoma de Steve Jobs foi mapeado por US$ 200 mil. Você precisa fazer esse mapeamento por poucos milhares ou até menos de US$ 1 mil. Veremos algumas grandes rupturas nessa área nos próximos cinco anos. Há mais inovações em mais áreas hoje do que já houve em toda a história da humanidade. Seja energia, medicina, genoma. Os chips costumavam ser como um mapa de uma cidade. Agora estão sendo feitos em 3D, com os transistores tridimensionais. A Lei de Moore (segundo a qual o número de transistores que podem ser colocados em um chip dobra a cada 18 meses) está sendo expandida porque os chips não estão se espalhando como em um território, agora eles crescem em três dimensões.

ZH – O senhor está no Vale do Silício há 50 anos, mesmo antes de ser conhecido dessa forma. O que há de tão especial nesse lugar?
McKenna – A inovação tem vários segmentos. Tem a pesquisa de base, a pesquisa aplicada, o desenvolvimento, os processos. Há 10 anos, todo um novo segmento começou a se desenvolver, o de serviços. Há pequenas empresas de desenvolvimento que não fazem pesquisa básica. As grandes empresas e as universidades fazem pesquisa básica. E no Vale do Silício não há muros. Grandes empresas, pequenas empresas, grandes universidades, pequenas universidades podem trabalhar e de fato trabalham em conjunto. Então, há um tipo de troca fluida de informações, e tudo ocorre em 50 milhas quadradas.

ZH – Esse ambiente pode ser replicado?
McKenna – Não. Eu faço consultoria em países que tentam reproduzir esse ambiente e eles não têm tudo. O Vale do Silício é uma cultura, onde tudo é praticamente de graça. Você pode sentar com pessoas que vão passar duas horas conversando com você e isso não vai custar nada.

ZH –Além de ir para o Vale do Silício, o que o senhor recomendaria para um gaúcho que está planejando começar uma empresa de tecnologia?
McKenna – Não é uma experiência que possa ser reproduzida, porque são quase 60 anos de desenvolvimento. Nós acabamos de visitar a universidade (PUCRS) e aquele é um ambiente maravilhoso. Você tem universidade, negócios, governo, empresas consolidadas, startups. Você tem esse microcosmo e consegue sentir a energia. As pessoas que visitam o Vale do Silício dizem que você simplesmente consegue sentir a vibração, a energia. Você consegue sentir isso naquele grupo onde estávamos no Tecnopuc. E eu acho que aquele é um bom modelo, o melhor que eu já vi. Há muitos lugares tentando reproduzir o ambiente do Vale do Silício, mas esse foi o melhor modelo que eu vi. Nos últimos 10 anos, o número de empresas que abriram capital diminuiu. Não se tem visto o mesmo nível de retorno. Mais empresas têm sido adquiridas por grandes empresas. Então elas têm estratégias de saída, como chamam – eu não gosto dessa expressão. Steve Jobs se perguntava quem inventou essa expressão, já que as pessoas deveriam construir empresas e não estratégias para deixá-las. Mas eles precisam fazer isso porque os investidores exigem retorno de seu dinheiro. Essa é provavelmente a maior ameaça.

ZH – Em países como o Brasil, não há muitos investidores anjo ou de risco. Como se constrói um ambiente similar? É necessário que o governo invista ou traga pessoas de outros países?
McKenna – Acho que vocês precisam de mais modelos brasileiros de sucesso. A mídia teve um papel importante no desenvolvimento do Vale do Silício. Depois que descobriu o lugar, o que demorou um tempo, começou a encontrar pessoas interessantes, e suas histórias. Isso encorajou outras pessoas. O capital-anjo pode ser familiar. Muita gente começou negócios com dinheiro emprestado de parentes ou amigos. Anjos vêm em muitos disfarces. Capital de risco exige um percentual, que você prove tudo antecipadamente, enquanto um anjo é alguém que diz “eu gosto da sua ideia, aqui estão US$ 20 mil”. Existe uma entidade chamada Sillicon Valley Bank, é o banco para capital de risco. É um banco pequeno, mas muito bem-sucedido. Não atende no varejo e leva investidores pelo mundo para ver onde podem investir.

ZH – Qual conselho daria para um jovem empreendedor?
McKenna – Comece pequeno. A Apple começou pequena. Desenvolva o seu nicho. Tente fazer a primeira entrada no mercado ser bem-sucedida. Com isso, comece a construir seus relacionamentos e suas redes. O seu conselho de administração é mais importante porque eles são consultores. Steve Jobs, quando começou o negócio, ligou para Bill Hewlett, da Hewlett Packard. E ele atendeu. Ele fazia isso com outras pessoas. Ele ligava e perguntava: “Posso conversar com você?”. E ele disse que ninguém se negou a atendê-lo, mesmo quando era só um garoto. Para ele, a diferença entre as pessoas bem-sucedidas e as que não são é que as que não são não pedem, enquanto os primeiros pedem ajuda. Nem sempre ele ouvia, mas mesmo assim perguntava. É preciso sair e conversar.
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barbara.nickel@zerohora.com.br
Reportagem por BARBARA NICKEL E JAIME SILVA
Fonte: ZH on line, 07/06/2012

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