CLÁUDIA LAITANO*
Algumas expressões têm a curiosa capacidade de evocar
ideias exatamente opostas à do seu sentido original. “Decência”, por
exemplo. Você ouve a palavra e imediatamente é atingido por uma
incontrolável avalanche de pensamentos indecorosos. “Político honesto”:
não importa o quanto você se esforce para lembrar de todos os homens
públicos de bem que você conhece, ao ouvir essa expressão é em uma
camarilha de pilantras da pior espécie que você vai pensar.
Outra ilustre representante dessa linhagem de palavras vira-casacas é “bons costumes”. Nada evoca menos um rol de comportamentos razoáveis do que essa expressão que recende ao perfume adocicado das viúvas rancorosas dos romances de época: falou em “bons costumes”, e eu lembro na hora de segredos de alcova e sacanagens reprimidas.
Imagino (espero) que a deputada estadual Myrian Rios não tenha pensado em nada disso ao redigir o projeto de lei, sancionado esta semana pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, que propõe a genérica “promoção da moral e dos bons costumes”. O problema com os “bons costumes” é precisamente este: a gente nunca sabe muito bem o que as pessoas têm em mente quando defendem a sua causa.
O que quer que sejam, uma coisa é certa: bons costumes mudam conforme a época, o lugar e a ocasião. Você pode achar que não fica bem uma moça desfilar sem a parte de cima do biquíni em Tramandaí – e é provável que a maioria das pessoas que frequentam aquela praia concorde com isso. Mas se você estiver na Praia da Galheta, em Floripa, ou na Praia do Pinho, em Camboriú, prepare-se para aceitar uma ideia um pouco diferente de figurino adequado para o local.
Jânio Quadros achou que poderia salvar o Brasil da decadência moral proibindo o biquíni em 1961. A ex-atriz, ex-mulher de Roberto Carlos e atual missionária talvez seja a favor da eliminação do sexo para fins recreativos (a deputada já anunciou que não transa há 10 anos) e da sunga branca na praia. Vai saber. Jânio e Myrian Rios têm em comum não apenas a sanha moralista, mas a excêntrica circunstância de terem sido eleitos – o que permitiu que seus delírios reformistas tomassem a dimensão de um assunto público.
Fascinada pela nostalgia de um passado idealizado e irrecuperável, a patrulha da moral e dos bons costumes ignora a complexidade do mundo e alimenta a ingênua fantasia de que é capaz de corrigir a sua rota – de volta para um lugar onde provavelmente nunca esteve.
Hábitos e práticas considerados adequados ou aceitáveis são, como todos os organismos vivos, produtos de adaptação, mutação e evolução. Algumas convicções a respeito da vida privada que passavam como verdade absoluta há pouco tempo hoje são questionadas, simplesmente porque mais e mais pessoas foram aprendendo a pensar de forma diferente.
Certas ideias e crenças vão se tornando, assim, tão anacrônicas quanto os dinossauros e os pássaros dodô – e não será surpreendente se acabarem tendo o mesmo final que eles.
Outra ilustre representante dessa linhagem de palavras vira-casacas é “bons costumes”. Nada evoca menos um rol de comportamentos razoáveis do que essa expressão que recende ao perfume adocicado das viúvas rancorosas dos romances de época: falou em “bons costumes”, e eu lembro na hora de segredos de alcova e sacanagens reprimidas.
Imagino (espero) que a deputada estadual Myrian Rios não tenha pensado em nada disso ao redigir o projeto de lei, sancionado esta semana pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, que propõe a genérica “promoção da moral e dos bons costumes”. O problema com os “bons costumes” é precisamente este: a gente nunca sabe muito bem o que as pessoas têm em mente quando defendem a sua causa.
O que quer que sejam, uma coisa é certa: bons costumes mudam conforme a época, o lugar e a ocasião. Você pode achar que não fica bem uma moça desfilar sem a parte de cima do biquíni em Tramandaí – e é provável que a maioria das pessoas que frequentam aquela praia concorde com isso. Mas se você estiver na Praia da Galheta, em Floripa, ou na Praia do Pinho, em Camboriú, prepare-se para aceitar uma ideia um pouco diferente de figurino adequado para o local.
Jânio Quadros achou que poderia salvar o Brasil da decadência moral proibindo o biquíni em 1961. A ex-atriz, ex-mulher de Roberto Carlos e atual missionária talvez seja a favor da eliminação do sexo para fins recreativos (a deputada já anunciou que não transa há 10 anos) e da sunga branca na praia. Vai saber. Jânio e Myrian Rios têm em comum não apenas a sanha moralista, mas a excêntrica circunstância de terem sido eleitos – o que permitiu que seus delírios reformistas tomassem a dimensão de um assunto público.
Fascinada pela nostalgia de um passado idealizado e irrecuperável, a patrulha da moral e dos bons costumes ignora a complexidade do mundo e alimenta a ingênua fantasia de que é capaz de corrigir a sua rota – de volta para um lugar onde provavelmente nunca esteve.
Hábitos e práticas considerados adequados ou aceitáveis são, como todos os organismos vivos, produtos de adaptação, mutação e evolução. Algumas convicções a respeito da vida privada que passavam como verdade absoluta há pouco tempo hoje são questionadas, simplesmente porque mais e mais pessoas foram aprendendo a pensar de forma diferente.
Certas ideias e crenças vão se tornando, assim, tão anacrônicas quanto os dinossauros e os pássaros dodô – e não será surpreendente se acabarem tendo o mesmo final que eles.
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* Escritora. Cronista da ZH
Fonte: ZH on line, 19/01/2013
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