Entrevista com Marc Augé
A
realidade em que vivemos é muitas vezes reduzida a um "emaranhado
indistinto e confuso de medos". Um emaranhado que ameaça nos paralisar e
nos impedir de viver, mas que Marc Augé tenta pacientemente desenrolar no seu novo livro, Les Nouvelles Peurs (Ed. Payot, 92 páginas).
A reportagem é de Fabio Gambaro, publicada no jornal La Repubblica, 28-01-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Para o antropólogo francês, que há anos se concentra nas análises das transformações e das contradições do mundo contemporâneo, os medos econômicos e as discriminações sociais, as violências políticas e os desvios tecnológicos, os cataclismos naturais e as ameaças criminosas acabam muitas vezes se sobrepondo e se confundindo, amplificando-se mutuamente, produzindo pânico e angústia nos indivíduos.
"Naturalmente, todos esses medos não estão diretamente relacionados uns com os outros, mas na vida cotidiana, muitas vezes, eles nos parecem exatamente isso", explica o autor de Um etnólogo no metrô, Não lugares e Où est passé l'avenir? [O que aconteceu com o futuro?].
"As mídias evocam, sem solução de continuidade, o risco de um cataclismo, um atentado terrorista, o aumento do desemprego e o massacre inexplicável de um louco. São realidades independentes, mas todas juntas, em um telejornal, ganham corpo. A justaposição cria um efeito de contaminação que as amplifica e as simplifica ao mesmo tempo, dando origem a um único medo global, difuso e indistinto. Consequentemente, quando evocamos uma delas, de fato, é como se evocássemos todas as outras, o que é indubitavelmente um elemento de novidade".
Eis a entrevista.
No passado, os medos eram mais isolados, definíveis e locais?
Provavelmente, sim. Nos séculos passados, não faltaram os grandes medos, mas que muitas vezes estavam ligados a fatores e a contextos bem específicos. Ou eram medos muito mais universais, como por exemplo o medo da morte. No passado, além disso, não se sabia nada do que acontecia longe de nós, enquanto hoje sabemos tudo o que acontece em todos os cantos do planeta. Se um louco mata crianças em uma escola norte-americana, somos imediatamente informados como se tivesse acontecido na nossa casa. Consequentemente, tememos pelos nossos filhos.
Em suma, tudo o que acontece longe diz respeito a nós e nos aterroriza como se fosse perto. O sistema de informação cria uma forma de medo nova, mais evasiva e mais abstrata. Portanto, mais difícil de combater. No entanto, o fato de ser mais abstrata não significa que não tenha efeitos concretos, produzindo nos indivíduos um terror paralisante. Como acontece com as novas inquietações planetárias, que são a dimensão obscura e ameaçadora da globalização. Dominadas pela ideia de que o que diz respeito a alguns acaba, mais cedo ou mais tarde, envolvendo todos os outros, as catástrofes nucleares, as epidemias, mas também o terrorismo ou as ameaças do sistema financeiro assumem os contornos quase apocalípticos.
A reportagem é de Fabio Gambaro, publicada no jornal La Repubblica, 28-01-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Para o antropólogo francês, que há anos se concentra nas análises das transformações e das contradições do mundo contemporâneo, os medos econômicos e as discriminações sociais, as violências políticas e os desvios tecnológicos, os cataclismos naturais e as ameaças criminosas acabam muitas vezes se sobrepondo e se confundindo, amplificando-se mutuamente, produzindo pânico e angústia nos indivíduos.
"Naturalmente, todos esses medos não estão diretamente relacionados uns com os outros, mas na vida cotidiana, muitas vezes, eles nos parecem exatamente isso", explica o autor de Um etnólogo no metrô, Não lugares e Où est passé l'avenir? [O que aconteceu com o futuro?].
"As mídias evocam, sem solução de continuidade, o risco de um cataclismo, um atentado terrorista, o aumento do desemprego e o massacre inexplicável de um louco. São realidades independentes, mas todas juntas, em um telejornal, ganham corpo. A justaposição cria um efeito de contaminação que as amplifica e as simplifica ao mesmo tempo, dando origem a um único medo global, difuso e indistinto. Consequentemente, quando evocamos uma delas, de fato, é como se evocássemos todas as outras, o que é indubitavelmente um elemento de novidade".
Eis a entrevista.
No passado, os medos eram mais isolados, definíveis e locais?
Provavelmente, sim. Nos séculos passados, não faltaram os grandes medos, mas que muitas vezes estavam ligados a fatores e a contextos bem específicos. Ou eram medos muito mais universais, como por exemplo o medo da morte. No passado, além disso, não se sabia nada do que acontecia longe de nós, enquanto hoje sabemos tudo o que acontece em todos os cantos do planeta. Se um louco mata crianças em uma escola norte-americana, somos imediatamente informados como se tivesse acontecido na nossa casa. Consequentemente, tememos pelos nossos filhos.
Em suma, tudo o que acontece longe diz respeito a nós e nos aterroriza como se fosse perto. O sistema de informação cria uma forma de medo nova, mais evasiva e mais abstrata. Portanto, mais difícil de combater. No entanto, o fato de ser mais abstrata não significa que não tenha efeitos concretos, produzindo nos indivíduos um terror paralisante. Como acontece com as novas inquietações planetárias, que são a dimensão obscura e ameaçadora da globalização. Dominadas pela ideia de que o que diz respeito a alguns acaba, mais cedo ou mais tarde, envolvendo todos os outros, as catástrofes nucleares, as epidemias, mas também o terrorismo ou as ameaças do sistema financeiro assumem os contornos quase apocalípticos.
"No
fundo, se nos séculos passados tinha-se
medo da morte, sobretudo,
hoje
tem-se mais medo da vida."
Esse emaranhado de medos heterogêneos é o pano de fundo permanente das nossas vidas?
Em certo sentido, sim. O medo desceu novamente sobre a terra e ao mesmo tempo se generalizou. Um sinal desse temor difuso é o sucesso de um livro como Indignai-vos!, de Stéphane Hessel. A indignação, de fato, é a forma sublime do medo. Nesse caso, as palavras de um velho sábio – uma figura bastante tradicional e, portanto, tranquilizadora – conseguem dar um conteúdo preciso em termos sociopolíticos aos medos indistintos de um grande número de pessoas. É por isso que o livro tem tanto sucesso. A nostalgia por certos valores do passado, que ganha forma nas páginas de Hessel, deve ser interpretada como um grito de revolta com relação ao presente. No fundo, se nos séculos passados tinha-se medo da morte, sobretudo, hoje tem-se mais medo da vida.
Por quê?
Os alertas econômicos, ecológicos e sanitários, mas também a violência ou o terrorismo estão aqui e agora. Geram uma angústia cotidiana e imediata que ocupa todo o nosso horizonte, impedindo-nos de nos projetarmos mais à frente. Na época clássica, justamente porque as pessoas tinham medo da morte, estoicismo e epicurismo tentavam elaborar reflexões capazes de nos consolar. Hoje, essas formas de consolação filosófica não funcionam mais. Muitos dos medos que nos assombram não são novos em si mesmos. Novo, porém, é o seu modo de fazer sistema e a sua percepção. No passado, uma vez que os medos eram percebidos como locais e concretos, tinha-se a impressão de poder fazer algo para preveni-los. Hoje, ao invés, quanto mais os medos se tornam um emaranhado inextrincável, mais tem-se a impressão de que é impossível intervir sobre as problemáticas que os alimentam. A sensação de impotência é um dos elementos constitutivos dos novos medos.
"Uma vez, sonhava-se em
derrubar o sistema;
hoje, espera-se apenas que ele
não desmorone
definitivamente
para não ser suas vítimas."
Isso vale, por exemplo, para a percepção da crise econômica. É isso?
Com efeito, diante da crise econômica, parece-nos que não há soluções eficazes. A crise é percebida como inevitável e irrefreável. Daí os medos do desemprego, do rebaixamento social e da pobreza, que, por outro lado, caminham lado a lado com o terror de um sistema que parece avançar de maneira inercial e fora de qualquer controle. No fundo, teme-se a incompetência e a inconsistência daqueles que deveriam governar o sistema. E, naturalmente, tudo isso implica um certo fatalismo, que produz batalhas apenas defensivas. Uma vez, sonhava-se em derrubar o sistema; hoje, espera-se apenas que ele não desmorone definitivamente para não ser suas vítimas.
Também há os medos produzidos pela ciência e pela tecnologia...
Tradicionalmente, os medos nascem da ignorância. Às vezes, porém, o conhecimento também pode nos angustiar, como ocorre às vezes com a inovação técnico-científica. Diversas descobertas da ciência nos dão medo, do nuclear à clonagem. Hoje, apesar do entusiasmo pelas novas tecnologias, o futuro parece prefigurar um mundo de incógnitas, razão pela qual preferimos não nos projetar demais em um futuro percebido mais como ameaça do que como esperança. Esse desaparecimento do amanhã como horizonte operável aumenta inevitavelmente a ansiedade no presente.
Há um modo para evitar esse conjunto de medos?
Mais do que as ameaças concretas, estamos paralisados pela superstição de que elas estão presentes na nossa vida todas ao mesmo tempo, misturadas e confusas. Portanto, é preciso sermos capaz de desenrolar o emaranhado, isolando-as e analisando-as singularmente. Só assim será possível desativá-las. Assim, é preciso uma atitude ativa. O medo global que foge do controle da razão, de fato, parece agir mais sobre aqueles que se colocam em uma posição de passividade diante da realidade. Quem age e intervém têm cada vez menos temor do que quem sofre passivamente.
"Esse desaparecimento do amanhã como
horizonte operável aumenta inevitavelmente
a ansiedade no presente."
Nesse sentido, a educação e a instrução podem nos ajudar. O conhecimento pode transformar a angústia em curiosidade, o que, a meu ver, é o primeiro passo para se livrar dela. Sem esquecer que, se é verdade que o medo produz regressão, ela também pode se tornar um fator de progresso, já que, uma vez superada a paralisia, ele nos leva a buscar soluções para seguir em frente.
Podemos nos acostumar com o medo e conviver com ele?
Isso ocorre frequentemente, pois o temor faz parte da nossa paisagem cotidiana, modificando as nossas vidas e os nossos comportamentos. Mas a vida deve continuar, por isso sempre acabamos nos adaptando. Mas é uma vida mutilada. Por isso, acredito que é sempre melhor tentar nos desfazer dos medos, desmontando os seus mecanismos. E esse é o motivo pelo qual escrevi esse livro.
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Fonte: IHU on line, 29/01/2013
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