Marília Moschkovich
É hora de estimulá-los a vencer preconceitos
disseminados pela mídia e família, e a superar uma forma particular de
infantilidade
Cena um. Uma propaganda da Gilette
. Um homem branco,
franzino, procura sua lâmina de barbear e não encontra. Grita, do
banheiro, para a esposa: “Amor, cadê minha Gilette?”. A esposa responde
que é pra ele usar a outra, “amarelinha” (numa alusão à concorrente, da
marca Bic), que ela comprou. Quando ele vai pegar o aparelho na gaveta,
seu banheiro é invadido por estrelas nacionais do MMA, como Vitor
Belfort, que o lembram que coisa de macho mesmo é usar as lâminas da
marca Gilette. Ele dá uma olhada no banheiro e, para sua alegria,
encontra o aparelho no box do chuveiro, o que faz os lutadores irem
embora. Missão cumprida. Na saída da casa, eles se dirigem à esposa com a
frase: “também estamos de olho em você”.
Cena dois. Um print screen de um zé-ninguém na
internet, comentando num dos blogs feministas mais acessados da rede
. O Zé-Ninguém reivindica que o feminismo acabou com os
relacionamentos. O motivo? Por causa desse inferno de feminismo, a
namorada dele se recusa a fazer o mingau que sua mamãe havia feito pra
ele a vida toda. Quando foi que as mulheres ficaram tão rebeldes, meu
Deus? Pois é. Seguindo o bafafá que este comentário gerou, pipocaram em
minhas redes sociais dezenas de histórias de situações iguaizinhas, que
apenas substituíam o mingau de aveia por outros quitutes como leite com
chocolate aerado, pudim, e outros “pratos preferidos” de marmanjos
Brasil afora, que estas malditas feministas insistiram em não fazer.
Tudo culpa delas.
Essas duas situações recentes me lembraram de algo em
que já vinha reparando há tempos. Cada vez mais, nos círculos sociais
que frequento, me convenço de que o maior desafio do feminismo hoje não
somos nós, mulheres: são os homens.
Não sei há quanto tempo sou feminista. O feminismo veio com a minha
vida, numa família em que eu e meu irmãos fomos criados em condições
iguais; em que meus pais dividiam o trabalho doméstico e as tarefas de
cuidado com os filhos. O feminismo começa aí: no cotidiano. O feminismo
começa na maior ou menor disposição pra enfrentar uma pilha de louça
suja, ou na aceitação e na recusa em se delegar 100% das tarefas à
faxineira que vem uma vez por semana. O feminismo é a intolerância com a
roupa que precisa ser lavada, com o lixo que precisa ir pra fora. A
vontade de cozinhar. A fralda de cocô. O aleitamento de madrugada.
Praticamente todas as mulheres que conheço têm uma
espécie de espírito independente, protagonista. Enxergam questões que
precisam ser resolvidas e não esperam que alguém as resolva; tomam a
iniciativa. Isso vale pras tarefas que mencionei, mas vale também para
situações de trabalho, para relacionamentos, para o jogo de sedução,
para todas as esferas da vida. Não vejo o mesmo acontecer com a maioria
dos homens (embora haja exceções, claro, e sou feliz de dividir uma vida
com uma delas).
Os homens ainda parecem ter uma experiência de gênero
mais conservadora; é quase como se o feminismo tivesse até aqui
conseguido mudar muito as mulheres e quase nada os homens. Os homens, ao
contrário do que algumas companheira feministas defendem, não são
verdadeiros bananas. Em geral, eles são é muito pró-ativos,
independentes, protagonistas. O problema é que essa atitude toda costuma
ficar restrita à carreira, ao ambiente profissional. É como se eles se
transformassem ao chegarem em casa. Da porta pra dentro, grande parte
deles se comporta como a criança que já foram um dia.
Infelizmente não sei explicar de forma exata por que
isto acontece. Eu diria que depende dos modelos de gênero que a pessoa
teve. Isso significa que depende da forma como os papéis sociais eram
distribuídos na família, mas também em outros espaços. Me lembro, por
exemplo, do tanto de autonomia que ganhei participando do movimento
escoteiro quando criança e adolescente, que foi o mesmo para meus
colegas homens. Quando era preciso cozinhar, limpar os espaços, carregar
bambus pesados, etc. tive a sorte de estar num grupo escoteiro onde era
tudo muito igualitário. Igualitário até demais para algumas das minhas
amigas – que queriam mesmo era que alguém matasse a barata que tinha
entrado na barraca durante um acampamento, ao invés de enfrentarem o
medo. Por outro lado, quem matava as tais baratas muitas vezes eram
outras meninas. O negócio ali era criar uma vontade de independência em
todo mundo, de todos os gêneros, para todo tipo de tarefa.
Esta é a saída que eu vejo, hoje, para resolver esse
impasse que acaba pesando mais nas costas das mulheres (que, sendo
pró-ativas em tudo, acabam fazendo tudo mesmo): que as propagandas,
programas de tevê, novelas, filmes, familiares, irmãs, mães, pais, avós,
escolas, professores, babás, faxineiras, gerentes executivos, enfim,
que nós todos e todas, como sociedade, simplesmente nos recusemos a
tratar os homens como idiotas. Não é tão difícil assim. Basta tratar um
homem adulto como aquilo que ele é: um homem adulto.
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* Socióloga.
Imagem: Jean-Luc Godard, fotograma de Acossado
Fonte: http://www.outraspalavras.net/2013/01/28/e-se-o-feminismo-cuidar-dos-homens/
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