(Crônica de Moacyr Scliar)
PREZADOS SENHORES,
Uns
amigos me falaram que os senhores estão para destruir 45 mil pares de
tênis falsificados com a marca Nike e que, para esse fim, uma máquina
especial já teria até sido adquirida.
A razão desta cartinha é um pedido. Um pedido muito urgente.
Antes
de mais nada, devo dizer aos senhores que nada tenho contra a
destruição de tênis, ou de bonecas Barbie, ou de qualquer coisa que
tenha sido pirateada. Afinal, a marca é dos senhores, e quem usa essa
marca indevidamente sabe que está correndo um risco. Destruam, portanto.
Com a máquina, sem a máquina, destruam. Destruir é um direito dos
senhores.
Mas, por favor, reservem um par, um único par desses tênis que serão destruídos para este que vos escreve.
Este
pedido é motivado por duas razões: em primeiro lugar, sou um grande
admirador da marca Nike, mesmo falsificada. Aliás, estive olhando os
tênis pirateados e devo confessar que não vi grande diferença deles para
os verdadeiros.
Em
segundo lugar, e isto é o mais importante, sou pobre, pobre e
ignorante. Quem está escrevendo esta carta para mim é um vizinho, homem
bondoso. Ele vai inclusive colocá-la no correio, porque eu não tenho
dinheiro para o selo. Nem dinheiro para selo, nem para qualquer outra
coisa: sou pobre como um rato. Mas a pobreza não impede de sonhar, e eu
sempre sonhei com um tênis Nike.
Os senhores não têm ideia de como isso será importante para mim.
Meus
amigos, por exemplo, vão me olhar de outra maneira se eu aparecer de
Nike. Eu direi, naturalmente, que foi presente (não quero que pensem que
andei roubando), mas sei que a admiração deles não diminuirá: afinal,
quem pode receber um Nike de presente pode receber muitas outras coisas.
Verão que não sou o coitado que pareço.
Uma
última ponderação: a mim não importa que o tênis seja falsificado, que
ele leve a marca Nike sem ser Nike. Porque, vejam, tudo em minha vida é
assim. Moro num barraco que não pode ser chamado de casa, mas, para
todos os efeitos, chamo-o de casa. Uso a camiseta de uma universidade
americana, com dizeres em inglês, que não entendo, mas nunca estive nem
sequer perto da universidade – é uma camiseta que encontrei no lixo. E
assim por diante.
Mandem-me,
por favor, um tênis. Pode ser tamanho grande, embora eu tenha pé
pequeno. Não me desagradaria nada fingir que tenho pé grande. Dá à
pessoa uma certa importância. E depois, quanto maior o tênis, mais
visível ele é.
E, como diz o meu vizinho aqui, visibilidade é tudo na vida.
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(SCLIAR, Moacyr. in: Folha de São Paulo, 14 de agosto de 2000)
Fonte: Luz e Calor (noreply@blogger.com) 12/01/2013
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