sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Felicidade existe?

 CECÍLIO ELIAS NETTO*
 
E há, por acaso, definição para a felicidade? Foi o que perguntei a mim mesmo, silenciosamente, ao, repentinamente, me lembrar de quando um de meus filhos quis saber a definição. Sentimento, sensação, estado de espírito?

Felicidade é um bem tão pessoal que confesso não saber como defini-lo, aquele sentimento abstrato que se conhece mas que não se sabe explicá-lo. Um bem relativo ou absoluto? Acredito que absoluto em sua relatividade. Pois há momentos de felicidade plena, embora não se possa ser plenamente feliz em todos os momentos. Só sei que ela existe. E que é mais simples do que parece. E que está mais ao alcance das mãos do que se pensa.

Paradoxalmente, é preciso pedir tudo da vida e compreender que a totalidade das coisas se resume na simplicidade delas mesmas. A felicidade é tão estranha que pode se mostrar no momento da carência de um bem ou quando se vive a plenitude dele. Uma simples visão é capaz de transmitir a sensação de felicidade absoluta.

Assim como um aroma, até mesmo um som. E foi o que — naqueles anos já longínquos, mas de que não me esqueci — a adolescente me respondeu quando, chegando a minha vez, lhe perguntei sobre a felicidade. Ela, também, não soube defini-la mas me contou de alguns de seus momentos felizes. E eram todos pequeninos e simples, sem nada que arrebatasse ou levasse a uma explicação sentimental. Felicidade de ficar olhando o mistério de uma flor, os arabescos de um passarinho no ar, o ninho que surgiu sobre a janela do quarto, trazendo, ao alvorecer, melodias cristalinas de pipilares de avezinhas pequeninas; o trecho de um livro; a harmonia de uma música; a conversa descontraída com amigos e colegas; o sentir-se bem com a família; o levantar-se pela manhã e ver o translúcido do dia. Pelo que ela me narrou, o sinônimo de felicidade é paz.

Estar em paz com o mundo, uma conquista angustiante e pungente de cada dia quando, ao nosso lado, os convites são para a violência e o desamor, para o ódio e a discórdia. Hoje, começo a entender que , para ser feliz — momentos, instantes, períodos — é preciso parar em meio à caminhada. Descer do cavalo, olhar dos lados. Não caminhar com pressa e à velocidade das máquinas, nem aceitar as competições que machucam e que a nada conduzem. Ter tempo para amar, mas descobrindo o verdadeiro sentido do amor, que é desinteressado e despojado. O dar a mão ao inimigo, o aprender a gostar de quem não se gosta, o saber encontrar o sentido de oferecer e de pedir.

Sei lá. A própria filosofia parece ter-se desinteressado de discuti-la, influenciada, talvez, por um mundo mais mergulhado na amargura, frustrações e insatisfações. Em meu entender, felicidade é paz e nada mais que isso. Uma sensação de leveza que permite olhar o mundo e os homens com olhos de concórdia e de esperança, a certeza de que é bom viver e estar vivo. Por isso, pode haver paz nos barracos e amargura nos palácios. Pedir tudo à vida é um direito que todos temos e que devemos exercê-lo. Esse tudo, no entanto, não estará nunca na acumulação do supérfluo, que entristece e que angustia. Ter tudo é saber não ter. Ter tudo é convencer-se de que dons e os bens estão ao alcance das mãos e que basta esticá-las para serem colhidos. Ter tudo é ter o necessário. E, em especial, é saber perder.

Há pessoas que vivem momentos e épocas felizes e, no entanto, não o percebem. Talvez, por confundirem felicidade com bem-aventurança. Ou por não conseguirem alhear-se dos bombardeios e massacres do mercado. Desde a Antiguidade, antes e depois de Aristóteles — com divergências naturais e de praxe — a felicidade é um bem mais acessível ao homem sábio. Mas a sabedoria não basta nem mesmo para a felicidade do sábio. Ele pode estar feliz, sem, porém, jamais sê-lo totalmente.

A árvore da vida tem frutos maduros. O triste está em andarmos muito pelo chão, na corrida atrás do nada, sem olharmos, um pouco que seja, para o alto. Não adianta; não sei explicar o que é felicidade. Mas me basta saber que ela existe. Melhor ainda: que existe e que é possível. Basta que não a queiramos como uma totalidade, mas como migalhas de um bem supremo. Pois felicidade é parte do mistério. Bem supremo. Só peço que minha filha — hoje, mulher — não me pergunte como seria possível ser minimamente feliz em tempos tão amargos e materialistas. Nesse caso, eu recorreria, apenas, à sabedoria. Para, pelo menos, não se deixar engolir pela odiosidade e feiúra de uma época aterrorizante. Não há como vislumbrar, o Inefável não aparece sob o domínio do Nefando.
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* Jornalista. Escritor. Cronista do Correio Popular
Fonte: Correio Popular on line, 17/01/2013
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Um comentário:

  1. Ótimo texto...

    Concordo com a visão dele! E quando a encontramos, às vezes nem percebemos, e achamos que não passa de um ledo engano!!!

    Abçs... Guiotto.

    Apareça por lá...

    http://lendasdecaissa.blogspot.com.br/2013/01/seja-leal-para-consigo-mesmo-nao-altere.html

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