Michel Aires de Souza*
“Se
eu pudesse viver novamente a minha vida, na próxima trataria de cometer
mais erros. Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais. Seria mais
tolo ainda do que tenho sido; na verdade, bem poucas pessoas levariam a
sério. Seria menos higiênico. Correria mais riscos, viajaria mais,
contemplaria mais entardeceres, subiria mais montanhas, nadaria mais
rios. Iria a mais lugares onde nunca fui, tomaria mais sorvete e menos
lentilha, teria mais problemas reais e menos imaginários. Eu fui uma
dessas pessoas que viveu sensata e produtivamente cada minuto da vida.
Claro que tive momentos de alegria. Mas, se pudesse voltar a viver,
trataria de ter somente bons momentos. Porque, se não sabem, disso é
feito a vida: só de momentos – não percas o agora. Eu era um desses que
nunca ia a parte alguma sem um termômetro, uma bolsa de água quente, um
guarda-chuva e um pára-quedas; se voltasse a viver, viajaria mais
leve. Se eu pudesse voltar a viver, começaria a andar descalço no começo
da primavera a continuaria assim até o fim do outono. Daria mais voltas
na minha rua, contemplaria mais amanheceres e brincaria com mais
crianças, se tivesse outra vez uma vida pela frente. Mas, já viram,
tenho 85 anos e sei que estou morrendo”.
Este é um poema da escritora americana Nadine Stair, falsamente
atribuído a Jorge Luiz Borges, escritor Argentino. Mas isso não importa,
o mais importante é que ele é uma promessa de felicidade e nos faz
refletir muito sobre nossas vidas. O poema retrata os arrependimentos
de quem está à beira da morte. É o mesmo assunto do livro, “The top five
regrets of the dying” (Os cinco maiores arrependimentos de pacientes
terminais). A autora Bronnie Ware, é uma enfermeira australiana, que
depois de muitos anos de trabalho com doentes terminais, relatou em seu
livro quais são os cinco maiores arrependimentos que os seres humanos
têm antes de morrer. Gostaria de fazer uma breve reflexão sobre esses
arrependimentos procurando entender as razões que levam os homens a se
auto-enganarem durante a vida.
O primeiro arrependimento dos doentes terminais é “não terem tido a coragem de viver a vida que quiseram, mas sim a vida que os outros esperavam deles”.
Na grande parte de suas vidas os homens vivem de forma irrefletida, são
incapazes de viver uma vida autêntica, segundo suas escolhas. Aceitam
sua existência como uma imposição do destino. Não vislumbram uma vida
diferente dá que levaram. Vivem conforme os preceitos e os valores de
sua sociedade. Ter uma profissão, casar, ter filhos, vencer na vida e na
profissão, ganhar dinheiro e prestígio são as ilusões que os motivam.
Quando se dão conta que perderam as energias e estão próximos da morte,
começam a refletir sobre suas escolhas. Percebem que grande parte de
seus sonhos e desejos não foram realizados, e culpam a si mesmos por
causa das decisões que tomaram ou deixaram de tomar. Schopenhauer
compreendeu muito bem esse estado de inconsciência. Segundo o filósofo,
“assim como um regato corre sem ímpetos, enquanto não encontra
obstáculos, do mesmo modo na natureza humana (...), a vida corre
inconsciente e descuidosa, quando coisa alguma se lhe opõe à vontade.
(...) Tudo o que se ergue em frente da nossa vontade, tudo o que a
contraria ou lhe resiste, isto é, tudo que há de desagradável e de
doloroso, sentimo-lo ato contínuo e muito nitidamente. Não atentamos na
saúde geral do nosso corpo, mas notamos o ponto ligeiro onde o sapato
nos molesta” (Schopenhauer, D.M.). Ou seja, é somente na doença que os
indivíduos prestam atenção à vida. Quando tudo vai bem não percebem a
existência passar. Quando estão ativos e com saúde não refletem sobre as
suas vidas, sobre o sentido e significado que ela tem para eles. Só a
percebem quando estão gravemente doentes ou correm risco de vida.
“Enquanto possuímos saúde, juventude e liberdade não temos consciência
deles, e só os apreciamos depois de havermos perdido” (idem, Ibidem).
Além de perceberem que viveram de forma inconsciente, ao refletirem
sobre suas vidas, os doentes terminais perceberam que sempre estiveram
preocupados com a opinião alheia, sendo guiados por toda forma de
preconceito. Viveram conforme os outros desejavam e não como deveriam
viver. Foram auto sugestionados. Foram incapazes de refletirem sobre
suas ações e seus verdadeiros desejos. Ficaram com medo de magoar ou
medo de expor seus sentimentos. Por causa disso, tiveram sua
interioridade cindida, uma vez que desejavam levar uma vida diferente dá
que levaram, contudo sempre agiram de acordo com o que os outros
esperavam. Viveram num eterno dilema interior, numa eterna angústia. O
que lhes faltava era reflexão e coragem. Foram incapazes de se
autoexaminarem e se decidirem com autodeterminação. A falta de sentido
de suas vidas provém da incapacidade de se autoconhecerem e de agirem
como seres pensantes e autônomos. Ao não perscrutarem e analisarem sua
existência e seu mundo interior, tornaram-se incapazes de dirigirem
suas próprias vidas.
O segundo arrependimento descrito pelos doentes é “terem trabalhado muito durante a vida”.
Gostariam de ter curtido mais os filhos e o casamento. A grande parte
da existência dos homens é vivida no trabalho. Parece um destino
inexorável. Hoje com progresso técnico e científico já não é mais
necessário que se trabalhe tanto, mas essa assertiva não é levado em
consideração. O que podemos observar é que os homens trabalham tanto
como na época da revolução industrial. A busca desenfreada pelo
dinheiro, o consumismo exacerbado, a busca da diferenciação simbólica
tem incentivado os indivíduos trabalharem cada vez mais. No trabalho os
homens perdem uma grande parte de sua existência, se alienam de suas
vidas e de si mesmos, assim como perdem a noção da representação do
tempo. O problema do trabalho é a grande quantidade de tempo que os
indivíduos passam trabalhando. Os antigos gregos se referiam ao tempo
de duas formas: o tempo cronológico, quantitativo, sequencial,
existencial, eles chamavam Khronos (o tempo dos homens). Já o tempo
eterno, qualitativo, de algo especial, do momento oportuno, do instante
singular, eles denominavam Kairós (o tempo dos deuses). O tempo
cronológico, do trabalho, da labuta, tornou-se parte do ser humano. Isso
significa que o tempo do Khronos foi interiorizado de tal modo que se
tornou uma dimensão da natureza humana. O tempo de trabalho foi
supervalorizado, já o tempo dos momentos especiais perdeu valor. O homem
moderno praticamente abandonou o tempo de Kairos. O tempo de Kairós são
os momentos que brincamos com nossos filhos, que estamos com os amigos,
que lemos, refletimos, contemplamos a natureza ou que fazemos algo que
gostamos. São esses momentos especiais que ficam eternizados em nossa
memória. São esses momentos que desvalorizamos por causa do trabalho.
O terceiro arrependimento dos doentes terminais foi “não terem tido a coragem de expressarem seus sentimentos”
A enfermeira Bronnie Ware relatou em seu livro que muitas pessoas
suprimiram seus sentimentos para ficar em paz com os outros. Como
resultado, se acomodaram em uma existência medíocre e nunca se tornaram
quem eles realmente eram capazes de ser. Muitos desenvolveram doenças
relacionadas à amargura e ressentimento que carregavam. Segundo o
filósofo alemão Nietzsche, o ressentimento é característico de homens
sem forças para reagir diante dos problemas e dos imprevistos da vida e
que não conseguem digerir sentimentos nocivos produzidos por sua
incapacidade de realizar uma reação. São homens incapazes de vingança
das ofensas recebidas, que remoem dentro de si impressões negativas. O
grande conselho do filósofo é não calar. Responder as ofensas, expressar
os sentimentos, afirmar a vontade, encarar a vida com toda sua fealdade
é um grande sinal de saúde. “Aos que silenciam falta-lhes quase sempre
finura e cortesia do coração; silenciar é uma objeção, engolir as
coisas produz necessariamente mau caráter – estraga inclusive o
estômago. Todos os calados são dispépticos” (Nietzsche, 2008, p.27).
O quarto maior arrependimento é “não terem ficado mais em contato com os amigos como gostariam”.
Segundo a enfermeira Bronnie Ware, muitas vezes os pacientes não
compreendem verdadeiramente os benefícios dos velhos amigos até estarem
no leito de morte. Diz ela que eles estavam tão envolvidos com suas
vidas que deixaram para trás muitas amizades valiosas. Arrependeram-se
de não terem dedicado tempo e esforços aos amigos. É somente no final
que percebem que tudo o que resta é o amor e os relacionamentos. Todos
sentem falta dos amigos na hora da morte. É natural esse sentimento, uma
vez que a amizade surge de uma grande afeição, afinidade e conhecimento
mútuos. A amizade produz a cumplicidade, a lealdade, o altruísmo e a
benevolência. Ela deixa marcas indeléveis no espírito humano. Contudo,
nos dias de hoje os homens não se encontram mais rodeados por outros
homens, mas por objetos. Afinal, vivemos na sociedade do consumo. As
relações sociais já não são tanto com seus semelhantes, mas com as
coisas. Os homens se dedicam com muito mais afinco ao consumo e a busca
da riqueza do que com a amizade. Sócrates no século V a.C. já havia
notado que a grande preocupação que motivava os homens de sua época era o
corpo, a beleza e a riqueza. Isso não mudou de lá para cá. Os homens
vivem em permanente catarse, estão permanentemente iludidos, sempre em
busca de satisfazer algum desses desejos. Esse é um dos maiores erros na
busca da felicidade.
O quinto e último arrependimento se refere à felicidade, os pacientes no leito de morte “gostariam de terem se permitido ser mais felizes”.
Segundo a enfermeira esse arrependimento é muito comum. Muitos só
percebem no final da vida que a felicidade é uma escolha. Elas ficaram
presas a antigos hábitos e padrões. O conforto familiar transbordou em
suas emoções, como em suas vidas. O medo de mudança fez com que
fingissem para os outros e para si mesmos que estavam contentes. Mas no
fundo queriam rir de verdade e fazer novamente coisas bobas na vida. Por
isso não foram plenamente felizes. A felicidade é a satisfação de uma
falta, uma carência, um desejo. Mas ela só se realiza na ação. Essa ação
muitas vezes deve se fundar na superação de um conflito, de um dilema,
de uma frustração, de um sofrimento. O importante é que esses obstáculos
sejam superados, mesmo que seja na dor. É nessa busca reflexiva onde a
ação é norteadora que renascemos e podemos nos fundar como seres plenos
de alegria. “Fundar-se é escolher e construir por si próprio os
princípios de sua própria existência; o ato de fundação é o ato da
autonomia e vale porque é um gozo, o gozo criador da liberdade. Essa
liberdade, nova e segunda em relação à liberdade confusa da
espontaneidade, é a um só tempo criação e ruptura. Ela inaugura um novo
desejo e regozija-se por isso mesmo de uma nova existência, em que o
sujeito renasce e dá início a si mesmo” (Misahi, 1999, 46). Ou seja,
devemos ser plenamente sujeitos de nossa felicidade. Não sujeitos
abstratos, mas sujeitos conscientes de nossa busca rumo à satisfação
plena de nossos desejos. Devemos seguir o conselho da enfermeira Bronnie
Ware, “A vida é uma escolha. É a sua vida. Escolha conscientemente,
escolha sabiamente, escolha honestamente. Escolha a felicidade”.
Bibliografia
MISHAHI,
Robert. A felicidade é nosso único objetivo. In: Le Nouvel Observateur,
Café Philo. Rio de Janeiro: Zahar, 1999, p.43-47.
NIETZSCHE, Friedrich. W. Ecce Homo. Trad. Paulo César Souza. São Paulo: Companhia da Letras, 2008.
SCHOPENHAUER, Arthur. Dores do Mundo. Disponível em < http://pt.scribd.com/doc/58683158/Arthur-Schopenhauer-Dores-Do-Mundo> acesso em Janeiro de 2013.
WARE, Bronnie. Regrets of the Dying. (Official Site). Disponível em < http://www.inspirationandchai.com/Regrets-of-the-Dying.html> acesso em Janeiro de 2013.
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*Professor.
Fonte: http://filosofonet.wordpress.com/2013/01/22/os-cinco-maiores-arrependimentos-no-leito-de-morte-uma-reflexao-sobre-a-felicidade/
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