Pe. Anderson Alves*
Três famosos ateus respondem
A pergunta que colocamos aqui deve ser bem entendida: não perguntamos
se os ateus são racionais, coisa que seria absurda; nem mesmo
perguntamos se os ateus são inferiores aos teístas, ou se a crença em
Deus “não necessariamente torna uma pessoa melhor”, como apareceu numa
recente pesquisa no Brasil[1]. O que questionamos agora é se o ateísmo,
enquanto sistema de pensamento seja coerente. Mais precisamente, nos
perguntamos se é sensato afirmar a não existência de Deus e
contemporaneamente o relativismo. Poderia ser verdade que não haja
nenhuma verdade e, ao mesmo tempo, ser verdade que Deus não existe?
Talvez
haja quem pense que a questão aqui proposta seja absurda. E pode vir à
mente do leitor a recordação do jovem Ivan, personagem de Irmãos Karamázov,
que defendia que se Deus e as religiões não existissem, tudo passaria a
estar permitido. Aquele personagem manifestava assim o desejo de uma
liberação: ao livrar-se da crença em Deus, o homem ficaria livre de todo
dogmatismo, tanto teórico, quanto moral. A negação de Deus traria o fim
da “lei natural” e do dever de amar o mundo e ao próximo. A mesma
liberação quis experimentar F. Nietzsche ao declarar a morte de Deus, ou
melhor, ao dizer que os homens o haviam assassinado. De modo que para
eles a negação ou “morte” de Deus não estaria fundamentada no
relativismo, mas seria a origem mesma do relativismo. A afirmação da não
existência de Deus seria uma escolha, algo indiscutível e impossível de
ser demonstrado a partir de verdades anteriores. E aceitá-lo seria
assumir a crença num novo dogma que faria desmoronar todos os demais
dogmas. O ateísmo fundaria assim o relativismo na moral e no
conhecimento humano.
Embora isso seja claro, é comum pensar que o relativismo funde o
ateísmo; que as pessoas que não aceitam Deus, fazem-no porque não querem
aceitar a existência da verdade, à qual deveriam se submeter. Isso é um
absurdo. O ateísmo parte de uma afirmação que tem valor de verdade
absoluta: Deus não existe. Se essa afirmação não fosse tomada pelos
ateus como verdade, eles simplesmente deixariam de ser ateus. O
relativismo para eles se dá somente nas “verdades” inferiores e todos
deveriam se submeter ao imperativo único da nova moral: é proibido
estabelecer regras morais.
O interessante é que F. Nietzsche e outros conhecidos filósofos ateus
reconheceram que afirmar o relativismo cognoscitivo e o ateísmo é em si
mesmo contraditório. O motivo seria que o relativismo implica a
afirmação da não existência de verdades absolutas; mas isso se funda,
por sua vez, numa verdade absoluta: a não existência de Deus.
Sendo assim, a afirmação da não existência de Deus implica a
afirmação da sua existência. Outros pensadores ateus que perceberam bem
as contradições do ateísmo contemporâneo foram M. Horkheimer e Th.
Adorno. De fato, eles diziam numa obra conjunta, A Dialética do Iluminismo,
citando a Nietzsche: «Percebemos “que também os não conhecedores de
hoje, nós, ateus e antimetafísicos, alimentamos ainda o nosso fogo no
incêndio de uma fé antiga dois milênios, aquela fé cristã que era já a
fé de Platão: ser Deus a verdade e a verdade divina”. Sendo assim, a
ciência cai na crítica feita à metafísica. A negação de Deus implica em
si uma contradição insuperável, enquanto nega o saber mesmo»[2].
Esses autores, ateus e relativistas, que se reconhecem como “não
conhecedores e antimetafísicos” alimentam a verdade de sua fé ateia
naquela cristã, já presente em Platão: a fé na existência da verdade
divina. De modo que só pode afirmar a não existência de Deus, quem
aceita que há uma verdade absoluta, divina. Em outras palavras, só pode
negar a Deus quem previamente o afirma. Por isso, o ateísmo, ao negar a
Deus e a verdade das coisas (que é sempre relativa ao sujeito que a
conhece e é progressiva), reinvindica para si mesmo o caráter absoluto,
próprio do mesmo Deus[3], estabelecendo assim um novo dogmatismo.
Portanto, o ateísmo não existe; nada mais é do que uma espécie de
idolatria que consiste no colocar-se a si mesmo e as próprias convicções
pessoais, por mais contraditórias que possam ser, no lugar de Deus, o
único que garante toda a verdade.
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* Pe. Anderson Alves, sacerdote da diocese de Petrópolis – Brasil. Doutorando em Filosofia na Pontificia Università della Santa Croce em Roma.
[1] Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/poder/1206138-tendencia-conservadora-e-forte-no-pais-diz-datafolha.shtml
[1] Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/poder/1206138-tendencia-conservadora-e-forte-no-pais-diz-datafolha.shtml
[2] Cfr. F. NIETZSCHE, La gaia scienza, Mondadori, Milano 1971, p. 197;
M. HORKHEIMER e Th.ADORNO, Dialettica dell’illuminismo, Einaudi, Torino 1966, p. 125.[
3] Para a elaboração do presente texto me foram úteis as reflexões presentes em: U. GALEAZZI, Il coraggio della ragione. Tommaso d’Aquino e l’odierno dibatitto filosofico, Armando, Roma 2012, pp. 22-38.
Fonte: ROMA, 15 de Janeiro de 2013 (Zenit.org)
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