Lee Siegel*
NOVA JERSEY - Tenho ouvido um bocado ultimamente a
cantora de jazz Shirley Horn (foto), e uma das canções em particular,
Everything Must Change, me ficou gravada na memória.
Everything must change.
Nothing stays the same.
Everyone must change
No one stays the same.
(Em tradução literal,
"Tudo precisa mudar.
Nada fica como está.
Todos
precisam mudar.
Ninguém fica como é").
E isso foi antes da era digital.
Horn estava cantando, com sua mistura inconfundível de sensualidade e
tristeza, sobre as mudanças que ocorrem naturalmente, ao longo do
tempo, seja numa pessoa, seja num ambiente. Hoje em dia, porém, pode-se
observar a matéria mesma das relações humanas sendo transformada como
naqueles filmes com time-lapse que mostram flores desabrochando.
Um artigo recente no New York Times, intitulado O Fim da Corte?,
descreveu a extinção dos encontros amorosos. Estou me referindo aos
encontros clássicos - filme seguido de jantar - como algo que remonta,
de uma forma ou de outra, à Idade da Pedra (ritual xamanista seguido de
jantar). Aparentemente, essa convenção social imemorial já não existe.
Agora, os jovens se encontram via postagens no Facebook, mensagens
instantâneas, textos, tuítes ou e-mails, com frequência no último
minuto. E o resultado raramente é duas pessoas passando juntas alguns
momentos românticos. Quase sempre, uma é convidada para se juntar a um
grupo num bar, ou clube, ou cinema.
O resultado é o desaparecimento do que costumava ser um espaço de
tempo delicado e sutil em que duas pessoas ficavam se conhecendo. Mas,
como o artigo nos lembra, as pessoas hoje podem dispensar toda
informação pessoal introdutória, já que está tudo disponível no
Facebook. Sabendo, ou parecendo saber, tudo sobre a outra, duas pessoas
podem pular o desconfortável processo da intimidade e partir direto para
a farra.
Em outras palavras, ser social afugentou ser íntimo. Na era das redes
sociais, os jovens raramente se aproximam uns dos outros no nível
individual, exceto para fazer sexo, que é quase sempre tenso, inseguro,
neurótico e insatisfatório. Ao menos esta é a impressão que se tem de
incontáveis artigos como o do New York Times, bem como da série Girls da
HBO, que agora se tornou a ferramenta favorita para jornalistas
decifrarem os novos amigos sociais e culturais. Em Girls, o sexo lembra
uma observação de Kafka, feita em seus diários, de que fornicar está
apenas um passo acima dos tormentos do inferno.
Evidentemente, o artigo do Times se concentra somente na vida
americana e não leva em conta como os jovens constroem relações íntimas
em outras sociedades. No Sul da Europa e na América Latina, é rotineiro
adolescentes e jovens adultos se encontrarem e passaram tempo juntos em
grupos.
Isso talvez explique por que o Facebook, embora popular em todo o
mundo, não emplacou em culturas mais centradas em grupos com o frenesi
fanático que tem nos Estados Unidos. Em países altamente sociais, a rede
social é, por um lado, redundante. Por outro, a socialização oferecida
por sites como o Facebook não é absolutamente social, uma vez que
depende de indivíduos isolados se comunicando em suas telas com outros
indivíduos isolados. Em países centrados em comunidades, essas relações
abstratas, atomizadas, são inadequadas. Nos Estados Unidos radicalmente
individuais, por sua vez, o paradoxo de pessoas estarem juntas enquanto
estão sozinhas faz perfeito sentido. A solidão da rede social, a
submersão da intimidade em grupos - essas são maneiras para o americano
radicalmente individual preservar sua autonomia soberana.
O sexo em si, segundo um estudo após outro, passou por uma mudança
radical com os ritos da intimidade romântica. Algo como 80% da internet
consiste de pornografia, e cada vez mais pessoas, sobretudo homens,
ficam colados nos espetáculos de sexo que se desenrolam em suas telas. O
resultado é que uma quantidade crescente de homens está ficando
entediada com o sexo real. Isso alimentou a cultura do "ficar", que é
uma breve ocasião de sexo casual - um cruzamento entre espirrar e um
acidente de carro -, mais amiúde entre amigos do que entre estranhos.
Quando eu era mais jovem, fazer sexo com uma mulher era uma aspiração
permanente, e quando ocorria, era um acontecimento marcante da vida.
Agora, o sexo é incidental, um mero subproduto do todo poderoso e todo
importante processo social. Do histérico ao robótico.
Entretanto, sem ocasiões de intimidade entre duas pessoas, toda essa
socialização que os jovens praticam não é de fato nem um pouco social.
Eles estão antes sendo obrigados a ser sociais sem primeiro se tornarem
socializados. A exploração entre dois indivíduos da vida mental e
emocional um do outro é fundamental para sua evolução como pessoas
plenamente desenvolvidas. Não se pode entender um grupo, ou seu próprio
lugar no grupo, até se ter imaginado, ao menos provisoriamente, quem e o
que se é. Depois disso, a vida social se torna rica e complexa - além
de tolerável. Mas, nos Estados Unidos de hoje, o grupo social parece
mais uma maneira de adiar o amadurecimento do que um contexto para o
jovem expressar sua condição adulta. E, como o grupo social é
onipotente, o terror da pressão dos pares parece ainda pior do que era.
"Todos precisam mudar. Ninguém permanece o mesmo." Como parecem
singulares essas palavras. Hoje, toda a rápida mutação de formas sociais
parece evitar a maturidade, para que ninguém mude, e todos, pelo resto
de suas vidas, estejam apenas a um tuíte de distância, não diferentes
aos 75 do que eram aos 15 anos.
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Veja também:
Versão em inglês: The escape of the inner self
Versão em inglês: The escape of the inner self
* Jornalista e escritor americano.
Imagem da Internet
Fonte: Estadão on line, 20/01/2013
Fonte: Estadão on line, 20/01/2013
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