domingo, 20 de janeiro de 2013

O ser íntimo em fuga

Lee Siegel*
 
NOVA JERSEY - Tenho ouvido um bocado ultimamente a cantora de jazz Shirley Horn (foto), e uma das canções em particular, Everything Must Change, me ficou gravada na memória.

Everything must change.

Nothing stays the same.

Everyone must change

No one stays the same.

(Em tradução literal, 
"Tudo precisa mudar. 
Nada fica como está. 
Todos precisam mudar. 
Ninguém fica como é"). 

E isso foi antes da era digital.

Horn estava cantando, com sua mistura inconfundível de sensualidade e tristeza, sobre as mudanças que ocorrem naturalmente, ao longo do tempo, seja numa pessoa, seja num ambiente. Hoje em dia, porém, pode-se observar a matéria mesma das relações humanas sendo transformada como naqueles filmes com time-lapse que mostram flores desabrochando.

Um artigo recente no New York Times, intitulado O Fim da Corte?, descreveu a extinção dos encontros amorosos. Estou me referindo aos encontros clássicos - filme seguido de jantar - como algo que remonta, de uma forma ou de outra, à Idade da Pedra (ritual xamanista seguido de jantar). Aparentemente, essa convenção social imemorial já não existe. Agora, os jovens se encontram via postagens no Facebook, mensagens instantâneas, textos, tuítes ou e-mails, com frequência no último minuto. E o resultado raramente é duas pessoas passando juntas alguns momentos românticos. Quase sempre, uma é convidada para se juntar a um grupo num bar, ou clube, ou cinema.

O resultado é o desaparecimento do que costumava ser um espaço de tempo delicado e sutil em que duas pessoas ficavam se conhecendo. Mas, como o artigo nos lembra, as pessoas hoje podem dispensar toda informação pessoal introdutória, já que está tudo disponível no Facebook. Sabendo, ou parecendo saber, tudo sobre a outra, duas pessoas podem pular o desconfortável processo da intimidade e partir direto para a farra.

Em outras palavras, ser social afugentou ser íntimo. Na era das redes sociais, os jovens raramente se aproximam uns dos outros no nível individual, exceto para fazer sexo, que é quase sempre tenso, inseguro, neurótico e insatisfatório. Ao menos esta é a impressão que se tem de incontáveis artigos como o do New York Times, bem como da série Girls da HBO, que agora se tornou a ferramenta favorita para jornalistas decifrarem os novos amigos sociais e culturais. Em Girls, o sexo lembra uma observação de Kafka, feita em seus diários, de que fornicar está apenas um passo acima dos tormentos do inferno. 

Evidentemente, o artigo do Times se concentra somente na vida americana e não leva em conta como os jovens constroem relações íntimas em outras sociedades. No Sul da Europa e na América Latina, é rotineiro adolescentes e jovens adultos se encontrarem e passaram tempo juntos em grupos.

Isso talvez explique por que o Facebook, embora popular em todo o mundo, não emplacou em culturas mais centradas em grupos com o frenesi fanático que tem nos Estados Unidos. Em países altamente sociais, a rede social é, por um lado, redundante. Por outro, a socialização oferecida por sites como o Facebook não é absolutamente social, uma vez que depende de indivíduos isolados se comunicando em suas telas com outros indivíduos isolados. Em países centrados em comunidades, essas relações abstratas, atomizadas, são inadequadas. Nos Estados Unidos radicalmente individuais, por sua vez, o paradoxo de pessoas estarem juntas enquanto estão sozinhas faz perfeito sentido. A solidão da rede social, a submersão da intimidade em grupos - essas são maneiras para o americano radicalmente individual preservar sua autonomia soberana.

O sexo em si, segundo um estudo após outro, passou por uma mudança radical com os ritos da intimidade romântica. Algo como 80% da internet consiste de pornografia, e cada vez mais pessoas, sobretudo homens, ficam colados nos espetáculos de sexo que se desenrolam em suas telas. O resultado é que uma quantidade crescente de homens está ficando entediada com o sexo real. Isso alimentou a cultura do "ficar", que é uma breve ocasião de sexo casual - um cruzamento entre espirrar e um acidente de carro -, mais amiúde entre amigos do que entre estranhos. Quando eu era mais jovem, fazer sexo com uma mulher era uma aspiração permanente, e quando ocorria, era um acontecimento marcante da vida. Agora, o sexo é incidental, um mero subproduto do todo poderoso e todo importante processo social. Do histérico ao robótico.

Entretanto, sem ocasiões de intimidade entre duas pessoas, toda essa socialização que os jovens praticam não é de fato nem um pouco social. Eles estão antes sendo obrigados a ser sociais sem primeiro se tornarem socializados. A exploração entre dois indivíduos da vida mental e emocional um do outro é fundamental para sua evolução como pessoas plenamente desenvolvidas. Não se pode entender um grupo, ou seu próprio lugar no grupo, até se ter imaginado, ao menos provisoriamente, quem e o que se é. Depois disso, a vida social se torna rica e complexa - além de tolerável. Mas, nos Estados Unidos de hoje, o grupo social parece mais uma maneira de adiar o amadurecimento do que um contexto para o jovem expressar sua condição adulta. E, como o grupo social é onipotente, o terror da pressão dos pares parece ainda pior do que era.

"Todos precisam mudar. Ninguém permanece o mesmo." Como parecem singulares essas palavras. Hoje, toda a rápida mutação de formas sociais parece evitar a maturidade, para que ninguém mude, e todos, pelo resto de suas vidas, estejam apenas a um tuíte de distância, não diferentes aos 75 do que eram aos 15 anos.
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* Jornalista e escritor americano.
Imagem da Internet 
Fonte: Estadão on line, 20/01/2013 

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