Alessandro Martins*
Em 2007 meu pai foi diagnosticado com câncer, basicamente em toda a parte, e em 2008 ele partia.
Até hoje fico impressionado com como ele enfrentou essa aventura de um ano.
Ele não teve uma vida especialmente marcante – embora certamente
tenha marcado quem o conheceu com seu carisma, correção e gentileza.
Era um bom homem e, apesar de ser um pouco explosivo e às vezes
perder a paciência mais consigo mesmo que com os outros, era muito
amável, sensível e, como eu, um manteiga derretida. Lembrava um pouco o
Pato Donald, embora tivesse a voz mais bonita e uma barba branca e
cerrada.
No proximidade da morte, não se arrependia de nada. Morreu sem medo e
até ria da situação. A gente às vezes acha que uma pessoa para morrer
em paz precisa ter realizado grandes coisas, mas acho que não é isso.
Morrer bem, talvez nada tenha a ver com dever cumprido.
Alguém disse, não lembro quem, que a filosofia é aprender a morrer. Então meu pai era um filósofo e eu nem sabia.
Sempre que eu penso no momento da minha morte, que como para todos
acontecerá amanhã ou depois, fico imaginando se terei a mesma
disposição, aceitação e coragem.
Quero dizer, meu pai sequer precisava fazer força para ter coragem
contra a morte. Simplesmente não precisava porque já não tinha medo.
Gostaria de fazer jus, quando chegar a hora, a todas essas coisas que
esse ano de luta me legaram. Não bastasse o que meu pai me ensinou em
vida, ele ensinou-me também na morte.
As coisas que eu aprendi com ele:
1. Ele não reclamava. Mesmo com toda a tortura do
tratamento, ele não demonstrava fraqueza, estava sempre contente e, se
havia graça, rindo. Bem, se todo o mundo vai morrer, mesmo, por que
reclamar tanto da vida? Sempre que vou reclamar de algo, procuro
lembrar: caraca, eu estou morrendo, não vale a pena.
2. Ele não tinha medo da morte. Apenas de sofrer, coisa mais natural. E, por ocasião da evolução da doença e do tratamento, não sofreu. O medo, suponho, antecipa os sofrimentos e sem o medo ele evitou-os ao máximo. Se você consegue olhar para a morte e dar um jeito de rir, acho, tudo fica mais fácil. Como não ter medo da morte? Não sei. Quando eu souber eu conto pra você.
3. Ele tinha gratidão. Mesmo sabendo que em breve não estaria vivo, mesmo com dor, mesmo limitado pela doença, não cansava de dizer que adorava a vida, estar vivo e demonstrava essa gratidão sempre que podia. Atualmente, eu considero a gratidão pela vida e por tudo uma forma superior de amor e venho, com todas as dificuldades que têm um reles mortal, tentando desenvolvê-la
4. Ele conseguiu se desapegar das coisas. Percebeu que nada disso aqui, na verdade, pertencia a ele e passou a não dar importância a ninharias. Sabe? Tudo passa. Não adianta ficar preso às coisas, às pessoas e mesmo às emoções. Essa é uma das lições mais difíceis de assimilar no dia a dia. Somos muito apegados. É uma questão de sobrevivência. Está em nosso DNA.
5. Ele acertou as contas com todo o mundo que foi possível e, com aqueles que não foi possível, bem com esses também não há com que se preocupar. Lembro de ter tido a oportunidade de dizer a ele, numa das idas à radioterapia, que sentia que ele não me devia nada e ele disse o mesmo de mim. Portanto, esteja sempre com as contas em dia com as outras pessoas, dentro do possível. Eu e meu pai tivemos um ano para fazer isso. Mas você nunca sabe quando uma pessoa querida irá partir. Acerte as contas agora (AGORA!) e, de preferência, de uma maneira positiva para os dois lados. Nem todo o mundo tem a sorte que as últimas palavras a seu pai sejam “eu te amo”. As minhas foram e as ouvi de volta.
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* Cronista.
Fonte: http://alessandromartins.me/coisas-que-aprendi-com-a-morte-de-meu-pai/
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