Maria Clara Lucchetti Bingemer*
Aron Swarz
O escritor francês Gilbert Cesbron afirmava que sempre morremos
espantados, pasmos de que a única coisa que é certa de acontecer na
vida de todos os seres humanos finalmente tenha acontecido
conosco. Também o filósofo Jean-Paul Sartre dizia: “Morre-se sempre
muito cedo. Ou muito tarde. E, no entanto, aí está. O traço está
passado... Você não é nada além de sua vida”.
Espantados ou
conscientes, o fato é que essa que ceifa a todos e todas, mais cedo ou
mais tarde, choca muito mais quando chega prematuramente em vidas jovens
que teriam tanto para dar e receber. A morte na juventude, provocada
tanto pela violência nossa de cada dia e que atinge números
assustadores, banalizou-se e deixou de indignar-nos. Acostumamo-nos,
infelizmente, a assistir bocejando ao noticiário sobre balas perdidas e
achadas em corpos de crianças, jovens homens e mulheres, adolescentes
etc.
No entanto, quando a morte não é por violência ou por
acidente ou tantas outras forças destrutivas, que acabam com a vida de
tantos jovens, a nós choca mais. E deixa amargo sabor na boca, sentindo
que nosso mundo ficou mais pobre, mais velho, menos criativo, sem
brilhantes pessoas que ainda estavam em uma idade cheia de futuro. A
semana que passou foi marcada por duas destas mortes precoces.
No
dia 10 amanheci com a notícia da morte da filha de uma colega. Tinha a
mesma idade de minha filha mais velha. Linda por dentro e por fora,
possuía uma inteligência comparável a seu encanto pessoal. Era doutora
em astronomia e apaixonada pelos segredos do universo em que vivia.
Quando
descobriu a leucemia que a vitimou, lutou com toda a dignidade dos
nobres e grandes. Em lugar de ficar se lamentando, ergueu a cabeça e foi
estudar filosofia. Era amada por professores e colegas. No meio de seu
doloroso e incansável itinerário em busca da cura, encontrou o amor e
casou-se. O marido, apaixonado, fazia tudo para enchê-la de carinho e
acompanhá-la em todos os momentos. Assim como os pais, irmãos, amigos.
Partiu serena depois de ter esgotado todos os recursos para buscar a
vida. Não consigo esquecer seu rosto, a expressão dos seus olhos. Nem a
mensagem que postou no Facebook no último dia do ano sobre o ponto azul
do universo, cheia de desejos de paz. Estou ainda espantada com essa
morte, que acontece na ordem invertida, fora de tempo e lugar.
Hoje
leio a notícia da morte por suicídio, no último dia 11, do brilhante
jovem estadunidense Aron Swarz. As circunstâncias são tão estranhas
quanto fora do comum era esse jovem de 26 anos, mente privilegiada, que
aos 14 já inventava e criava programas na internet e era um apaixonado
pela luta pela democratização do conhecimento.
O RSS, de
coautoria de Swartz aos 14 anos, é um recurso desenvolvido em linguagem
XML, que permite aos responsáveis por sites e blogs divulgarem notícias
ou novidades. O Reddit é um site de notícias baseado no compartilhamento
social de conteúdo. Seu erro foi ousar dentro do santuário do
conhecimento, o MIT (Massachussets Institute of Technology) em Harvard,
EUA.
Ao disponibilizar publicamente vários artigos acadêmicos,
foi acusado de violar a propriedade intelectual, moral e não sei quantas
mais propriedades em uma sociedade tão ciosa das mesmas. Foi
processado, devendo pagar pesadas multas, e poderia ser preso por mais
de 35 anos em caso de condenação. Aron não aguentou a pressão e
enforcou-se em seu apartamento. Era conhecido por ser um ativista da
internet e defensor ardente da liberdade na rede. Em 2010, criou o
DemandProgress.org, uma campanha online contra os projetos de lei
americanos Sopa e Pipa, considerados pelos críticos uma forma de
controle e censura na internet.
A morte de Aron traz à baila
toda uma discussão sobre a liberdade ou a falta dela na assim chamada
sociedade do conhecimento. Os círculos mais sofisticados da
inteligência norte-americana (destacando-se o MIT) levantaram-se em
tributo a esse militante-programador-hacker, comenta a mídia.
Eticamente, Aron Swarz colocou-se contra a mercantilização de
conhecimento público. Ou seja, contra o fato de se ter de pagar para
conseguir acesso ao conhecimento gerado com dinheiro público.
Quando
se trata de conhecimento, a privatização do que foi ou deveria ser
público parece tornar-se questão de vida ou morte, comentam muitos
jornalistas e ativistas da internet. E nós concordamos. O que desejo
registrar aqui é quanto a morte desses dois brilhantes jovens
desorganiza o nosso cotidiano pensado em termos meramente cronológicos.
Essas duas pessoas, embora vivendo menos do que a média de vida em seus
países e classe social, deixaram sua marca no planeta e na humanidade
mais do que muitos centenários que vivem pela metade ou ainda estão
esperando para fazer as escolhas definitivas. Que o testemunho de ambos
possa iluminar-nos hoje e sempre.
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* Maria Clara Lucchetti Bingemer, professora
do Departamento de Teologia da PUC-Rio, é autora de 'Um rosto para
Deus' (Ed. Paulus) entre outros livros, como o recente 'Crônicas de cá e
de lá' (editora Subiaco). - Encomendas diretamente à escritora pelo e-mail –agape@puc-rio.br
Fonte: http://www.jb.com.br/sociedade-aberta/noticias/2013/01/17/morte-antes-do-tempo/
Imagem da Internet
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