PAULO SANT’ANA*
bilboquê
Pensei muito, durante as férias, que sou do tempo em que sutiã se chamava corpinho e chuteira se chamava botina.
Sou do tempo em que vestido de mulher se chamava costume e do tempo em que nenhum político no governo roubava.
Sou do tempo em que jogo de cartas era carteio. Sou do tempo do realejo passando poético pelas ruas, do anil Reckitt. Do tempo em que se vendiam no armazém de meio de quadra o fumo em rama, o solvente e o querosene.
Sou do tempo em que bodoque se chamava funda. Sou do tempo em que as donzelas se casavam virgens. Se uma delas se casasse sem o hímen, o recém-marido tinha o direito de dissolver na Justiça o casamento e devolver a moça para os pais dela. Meu Deus, a humilhação que sofria a pobrezinha, para o resto da vida!
-
Sou do tempo em que, meu Deus, se comiam canjica e mogango com leite.
Sou do tempo em que se usavam, para proteger ou enfeitar os sapatos masculinos, polainas, com tempo bom; galochas, quando chovia.
Sou do tempo em que se matava a cobra e se mostrava o pau. Era o tempo em que nado sem estilo se chamava mata-cobra.
Sou do tempo em que se disputava tudo com o par ou ímpar nos dedos da mão.
Sou do tempo em que armazém dentro de quartel se chamava cantina. Sou do tempo em que se tiravam nos bailes as senhoritas para dançar e, se elas se recusassem, isso era uma grave desfeita.
Sou do tempo do confete, da serpentina e do lança-perfume que mais se cheirava do que se lançava.
Sou do tempo da bolinha de inhaque e da bolinha de aço, que curiosamente se chamava de aça. No jogo da infância, esta última levava todas as de vidro pela frente.
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Sou do tempo do bilboquê, do ioiô, do bambolê, do jogo de casinha derrubada, ciranda-cirandinha, do tempo em que se provava aos pais ou aos delegados de polícia que não se estava embriagado fazendo um quatro ao cruzar as pernas.
Sou do tempo em que se fumava escondido, do tempo em que não se beijava a namorada e só se namorava com ela sentados os dois no sofá da sala da casa dela, mas para isso se providenciava (incrível!) uma pessoa como testemunha daquele namoro, chamada de chá de pera, que permanecia durante duas horas diante dos enamorados.
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Sou do tempo do bonde Teresópolis até a Pedreira, do bonde Partenon até a Rua Luiz de Camões, do bonde Petrópolis até a Rua João Abbott.
Sou do tempo das caneleiras, das joelheiras e das tubigeiras, que protegiam os tornozelos no futebol. Sou do tempo das imperdíveis matinês dos domingos, nos cinemas Brasil e Miramar.
Ah, que saudade desses tempos, brotam-me lágrimas nos olhos quando os rememoro.
E isso só prova que tanto era melhor viver naqueles tempos, o que talvez seja uma tolice definir, quanto que estou para lá de decrépito.
Sou do tempo em que vestido de mulher se chamava costume e do tempo em que nenhum político no governo roubava.
Sou do tempo em que jogo de cartas era carteio. Sou do tempo do realejo passando poético pelas ruas, do anil Reckitt. Do tempo em que se vendiam no armazém de meio de quadra o fumo em rama, o solvente e o querosene.
Sou do tempo em que bodoque se chamava funda. Sou do tempo em que as donzelas se casavam virgens. Se uma delas se casasse sem o hímen, o recém-marido tinha o direito de dissolver na Justiça o casamento e devolver a moça para os pais dela. Meu Deus, a humilhação que sofria a pobrezinha, para o resto da vida!
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Sou do tempo em que, meu Deus, se comiam canjica e mogango com leite.
Sou do tempo em que se usavam, para proteger ou enfeitar os sapatos masculinos, polainas, com tempo bom; galochas, quando chovia.
Sou do tempo em que se matava a cobra e se mostrava o pau. Era o tempo em que nado sem estilo se chamava mata-cobra.
Sou do tempo em que se disputava tudo com o par ou ímpar nos dedos da mão.
Sou do tempo em que armazém dentro de quartel se chamava cantina. Sou do tempo em que se tiravam nos bailes as senhoritas para dançar e, se elas se recusassem, isso era uma grave desfeita.
Sou do tempo do confete, da serpentina e do lança-perfume que mais se cheirava do que se lançava.
Sou do tempo da bolinha de inhaque e da bolinha de aço, que curiosamente se chamava de aça. No jogo da infância, esta última levava todas as de vidro pela frente.
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Sou do tempo do bilboquê, do ioiô, do bambolê, do jogo de casinha derrubada, ciranda-cirandinha, do tempo em que se provava aos pais ou aos delegados de polícia que não se estava embriagado fazendo um quatro ao cruzar as pernas.
Sou do tempo em que se fumava escondido, do tempo em que não se beijava a namorada e só se namorava com ela sentados os dois no sofá da sala da casa dela, mas para isso se providenciava (incrível!) uma pessoa como testemunha daquele namoro, chamada de chá de pera, que permanecia durante duas horas diante dos enamorados.
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Sou do tempo do bonde Teresópolis até a Pedreira, do bonde Partenon até a Rua Luiz de Camões, do bonde Petrópolis até a Rua João Abbott.
Sou do tempo das caneleiras, das joelheiras e das tubigeiras, que protegiam os tornozelos no futebol. Sou do tempo das imperdíveis matinês dos domingos, nos cinemas Brasil e Miramar.
Ah, que saudade desses tempos, brotam-me lágrimas nos olhos quando os rememoro.
E isso só prova que tanto era melhor viver naqueles tempos, o que talvez seja uma tolice definir, quanto que estou para lá de decrépito.
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* Jornalista. Escritor. Cronista da ZH
Fonte: ZH on line, 13/01/2013
Imagem da Internet: bilboquê.
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