domingo, 20 de janeiro de 2013

São Sebastião

Carlos Heitor Cony*

 
Não faltou boa vontade: fiz força para pegar uma devoção a são Sebastião, padroeiro de minha cidade. Li o que podia sobre seu martírio -um dos soldados romanos que se converteu à nova seita vinda dos confins do império. 

Não há certeza sobre a maneira pela qual foi martirizado. Não era costume flechar os outros, como os peles-vermelhas que apareceram nos filmes de Hollywood, séculos depois. Apesar disso, a tradição consagrou as flechas em seu corpo quase nu -e algumas comunidades gays veneram o santo por esse motivo. A simbologia é grosseira, mas, vá lá, nem sempre os gays se esmeram na sofisticação. 

Sem devoção para com o santo, não tenho devoção pela data. Afinal, a cidade foi fundada em 1° de março de 1565, já havia um "Rio de Janeiro" nessas bandas quando portugueses e franceses brigaram pela sua posse no dia 20 de janeiro de 1567. O próprio Estácio de Sá foi ferido nessa batalha, morreria dias depois. 

Acho que o santo, de certa forma, combina com a cidade. Sebastião tinha tudo para dar certo, era um guerreiro a serviço do seu império, ouviu o canto da sereia do cristianismo, acreditou nele e por ele deixou-se matar. Estava longe de supor que, séculos depois, daria o seu nome a uma cidade cuja especialidade é também a de ouvir cantos de sereia. 

Sem chegar a desdenhá-lo, não encontro nele nada de especial para venerá-lo, nem cívica nem historicamente. Aliás, tenho um motivo relevante para não gostar dele. É quando chamam a minha cidade de Sebastianópolis. 

Já fui xingado e denegrido pela vida afora, e, para ser sincero, lixei-me. Agora, sofrer o risco de ser chamado de sebastianopolitano -essa afronta só com sangue poderá ser lavada. Meu consolo é que os baianos podem ser chamados de soteropolitanos. Se não é pior, pelo menos empata. 
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* Colunista da Folha 
Fonte: Folha on line, 20/01/2013
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