Carlos Heitor Cony*
Não faltou boa vontade: fiz força para pegar uma
devoção a são Sebastião, padroeiro de minha cidade. Li o que podia
sobre seu martírio -um dos soldados romanos que se converteu à nova
seita vinda dos confins do império.
Não há certeza sobre a maneira pela qual foi martirizado. Não era
costume flechar os outros, como os peles-vermelhas que apareceram nos
filmes de Hollywood, séculos depois. Apesar disso, a tradição consagrou
as flechas em seu corpo quase nu -e algumas comunidades gays veneram o
santo por esse motivo. A simbologia é grosseira, mas, vá lá, nem sempre
os gays se esmeram na sofisticação.
Sem devoção para com o santo, não tenho devoção pela data. Afinal, a
cidade foi fundada em 1° de março de 1565, já havia um "Rio de Janeiro"
nessas bandas quando portugueses e franceses brigaram pela sua posse no
dia 20 de janeiro de 1567. O próprio Estácio de Sá foi ferido nessa batalha, morreria dias depois.
Acho que o santo, de certa forma, combina com a cidade. Sebastião tinha
tudo para dar certo, era um guerreiro a serviço do seu império, ouviu o
canto da sereia do cristianismo, acreditou nele e por ele deixou-se
matar. Estava longe de supor que, séculos depois, daria o seu nome a uma
cidade cuja especialidade é também a de ouvir cantos de sereia.
Sem chegar a desdenhá-lo, não encontro nele nada de especial para
venerá-lo, nem cívica nem historicamente. Aliás, tenho um motivo
relevante para não gostar dele. É quando chamam a minha cidade de
Sebastianópolis.
Já fui xingado e denegrido pela vida afora, e, para ser sincero,
lixei-me. Agora, sofrer o risco de ser chamado de sebastianopolitano
-essa afronta só com sangue poderá ser lavada. Meu consolo é que os
baianos podem ser chamados de soteropolitanos. Se não é pior, pelo menos
empata.
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* Colunista da Folha
Fonte: Folha on line, 20/01/2013
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