“Uma paisagem poderá ser bela,
graciosa, sublime, insignificante ou feia, porém jamais risível. Riremos
de um animal, mas porque teremos surpreendido nele uma atitude de homem
ou certa expressão humana.” O filósofo Henri Bergson escreveu isso em
1899 e a transposição desse trecho na prova de redação do vestibular da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), ontem, provocou o
óbvio: risos. Candidatos foram convidados a refletir sobre o papel e os
limites do humor.
Os candidatos a uma das vagas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) riram porque, durante a prova de redação do vestibular, foram convidados a refletir sobre o papel e os limites do humor na sociedade e, invariavelmente, tiveram de revirar a caixola em busca de exemplos engraçados. Também encontraram no tema uma luz sorridente de tranquilidade, não uma paisagem. Não houve nada como o assustador Adamastor, da prova do ano passado. Como repórter, caí na gargalhada ao ouvir de Carlos Henrique Iotti, responsável pelo cartum desta página, que poderia escrever cartunista ou vigarista para identificá-lo nesta reportagem. Devido ao politicamente correto, implícito na discussão proposta pela universidade, preferi cartunista.
Ao saber do debate, o psicanalista Abrão Slavutzky, que acaba de finalizar o livro O Humor é uma Coisa Séria, previsto para ser lançado no segundo semestre, afirmou que o tema é difícil. Simplesmente porque não é fácil definir o conceito de humor. O riso é apenas parte dele. O teor rebelde, questionador e crítico é o que, para Slavutzky, pode incomodar todos os poderes. O psicanalista lembrou ainda uma definição de Freud de que o humor seria um dom precioso e raro:
– O humor é uma síntese de duas verdades: a trágica e a cômica, e assim constrói uma terceira verdade. Revela, dessa maneira, os paradoxos da existência: com um olho sorri, e do outro cai uma lágrima. Ele ridiculariza a idealização, é irreverente. Não tem tema proibido.
Acostumado a parodiar muitas notícias em seu site, Junior Maicá, o editor de O Bairrista, acredita que existem, sim, temas proibidos:
– Algo sobre preconceito racial, por exemplo, não faria. Certos assuntos não são engraçados – sentencia.
O cartunista Iotti, que, brincando, lamentou ao telefone ter de revelar o nome completo à imprensa – Carlos Henrique –, acredita que fazer humor com alguém em situação de vulnerabilidade “é como chutar um cara caído no chão”. Talvez esteja aí o tal limite que a universidade alerta em sua proposta:
“Considerando a popularidade atual do humor, manifestado nas mais diversas formas, em diferentes meios de comunicação, e as reações da sociedade a essas manifestações, redija uma dissertação sobre o papel e os limites do humor na sociedade”.
Nem Maicá nem Iotti disseram já ter sofrido devido aos limites impostos pelo politicamente correto ao humor. Mas, no Brasil e no mundo afora (confira os casos ao lado), muita gente já se encrencou por aquilo que, quando eu era pequena, se chamava piada de mau gosto. A própria prova da UFRGS entrou na dança. Sim, na tarde de ontem, Rafinha Bastos afirmou o seguinte em sua página do Facebook: “Acabei de saber através da Justiça: as pessoas que me citaram no vestibular da UFRGS serão presas. Que pena, pessoal”. Era mais uma piada.
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mariana.muller@zerohora.com.br
Os candidatos a uma das vagas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) riram porque, durante a prova de redação do vestibular, foram convidados a refletir sobre o papel e os limites do humor na sociedade e, invariavelmente, tiveram de revirar a caixola em busca de exemplos engraçados. Também encontraram no tema uma luz sorridente de tranquilidade, não uma paisagem. Não houve nada como o assustador Adamastor, da prova do ano passado. Como repórter, caí na gargalhada ao ouvir de Carlos Henrique Iotti, responsável pelo cartum desta página, que poderia escrever cartunista ou vigarista para identificá-lo nesta reportagem. Devido ao politicamente correto, implícito na discussão proposta pela universidade, preferi cartunista.
Ao saber do debate, o psicanalista Abrão Slavutzky, que acaba de finalizar o livro O Humor é uma Coisa Séria, previsto para ser lançado no segundo semestre, afirmou que o tema é difícil. Simplesmente porque não é fácil definir o conceito de humor. O riso é apenas parte dele. O teor rebelde, questionador e crítico é o que, para Slavutzky, pode incomodar todos os poderes. O psicanalista lembrou ainda uma definição de Freud de que o humor seria um dom precioso e raro:
– O humor é uma síntese de duas verdades: a trágica e a cômica, e assim constrói uma terceira verdade. Revela, dessa maneira, os paradoxos da existência: com um olho sorri, e do outro cai uma lágrima. Ele ridiculariza a idealização, é irreverente. Não tem tema proibido.
Acostumado a parodiar muitas notícias em seu site, Junior Maicá, o editor de O Bairrista, acredita que existem, sim, temas proibidos:
– Algo sobre preconceito racial, por exemplo, não faria. Certos assuntos não são engraçados – sentencia.
O cartunista Iotti, que, brincando, lamentou ao telefone ter de revelar o nome completo à imprensa – Carlos Henrique –, acredita que fazer humor com alguém em situação de vulnerabilidade “é como chutar um cara caído no chão”. Talvez esteja aí o tal limite que a universidade alerta em sua proposta:
“Considerando a popularidade atual do humor, manifestado nas mais diversas formas, em diferentes meios de comunicação, e as reações da sociedade a essas manifestações, redija uma dissertação sobre o papel e os limites do humor na sociedade”.
Nem Maicá nem Iotti disseram já ter sofrido devido aos limites impostos pelo politicamente correto ao humor. Mas, no Brasil e no mundo afora (confira os casos ao lado), muita gente já se encrencou por aquilo que, quando eu era pequena, se chamava piada de mau gosto. A própria prova da UFRGS entrou na dança. Sim, na tarde de ontem, Rafinha Bastos afirmou o seguinte em sua página do Facebook: “Acabei de saber através da Justiça: as pessoas que me citaram no vestibular da UFRGS serão presas. Que pena, pessoal”. Era mais uma piada.
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mariana.muller@zerohora.com.br
Reportagem por MARIANA MÜLLER
Fonte: ZH on line, 15/01/2013
Imagem Iotti
Casos polêmicos |
2006 |
Confira, abaixo, algumas das situações envolvendo humoristas que geraram polêmica no Brasil e no mundo: |
- O filme Borat: o Segundo Melhor Repórter do Glorioso País Cazaquistão Viaja à América, do humorista inglês de origem judaica Sacha Baron Cohen, causou mal-estar ao exibir cenas em que o protagonista, um fictício repórter cazaque, masturba-se diante de vitrines de lojas femininas em Nova York. O personagem fazia piadas contra direitos das mulheres e ofensivas a judeus. |
- Em julho, a Rede TV! foi condenada a indenizar Carolina Dieckmann depois que os humoristas Rodrigo Scarpa (Vesgo) e Wellington Muniz (Ceará), do antigo Pânico na TV, a perseguiram para gravar o quadro Sandálias da Humildade. |
2009 |
- Em julho, o humorista Danilo Gentili escreveu no Twitter: “King Kong, um macaco que, depois que vai para a cidade e fica famoso, pega uma loira. Quem ele acha que é? Jogador de futebol?”. O Ministério Público Federal chegou a iniciar uma apuração para determinar se a piada era racista ou não, mas o caso foi arquivado. |
2011 |
- Em maio, no Twitter, Gentili relacionou a desistência do governo paulista de fazer uma estação de metrô com a origem judaica de boa parte dos moradores. Instantes depois, ele apagou as frases e se desculpou. |
- Em setembro, o humorista Rafinha Bastos envolveu-se em uma polêmica depois de fazer uma piada sobre a cantora Wanessa Camargo, que estava grávida na época. A manifestação dele ocorreu quando ele respondia a um comentário do apresentador do programa CQC, da TV Bandeirantes, Marcelo Tas, sobre a beleza da cantora. Processado, o humorista foi condenado a indenizar Wanessa, o marido Marcus Buaiz, e José Marcus, filho do casal, em R$ 150 mil. Depois da declaração, Rafinha foi afastado do CQC. |
- Em novembro, a MTV foi condenada a indenizar por danos morais os pais de dois meninos autistas depois da exibição, em março daquele ano, do quadro Casa dos Autistas, no programa Comédia MTV. Na época, a emissora fez uma reparação no programa do comediante Marcelo Adnet, que também pediu desculpas pelo Twitter. |
2012 |
- Em dezembro, os radialistas australianos Mel Greig e Michael Christian, passando-se pela rainha Elizabeth II e pelo príncipe Charles, ligaram para o hospital onde a duquesa de Cambridge Kate Middleton estava internada. A enfermeira Jacintha Saldanha compartilhou informações sobre o tratamento. Dias depois, a enfermeira se matou, e a suspeita é que o suicídio tenha sido provocado pela brincadeira. Os apresentadores foram afastados. |
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