segunda-feira, 9 de novembro de 2009

A guerra das rosas

Moacyr Scliar*
Foi isso que motivou os partidários das rosas vermelhas a desafiar os admiradores das rosas azuis

A multinacional japonesa Suntory apresentou em Tóquio o que assegura ser a primeira rosa azul do mundo. Em colaboração com a australiana Calgene Pacific, a empresa japonesa Suntory levou duas décadas para conseguir a flor, um objetivo perseguido por botânicos do mundo todo.
Folha Online

A NOTÍCIA do lançamento da rosa azul foi recebida pelos floricultores e pelos fãs das rosas vermelhas com assombro e com verdadeiro ultraje. Aquilo era uma verdadeira ofensa contra a natureza. Rosas, para eles, tinham de ser vermelhas: a cor do sangue, a cor da vida, a cor da paixão.
Já os fãs da rosa azul estavam, em primeiro lugar, fascinados com a novidade, com o milagre da tecnologia. Além disso, lembravam, o azul é a cor do céu, a cor da tranquilidade, do equilíbrio.
A polêmica rapidamente generalizou-se, mesmo porque o mercado de rosas azuis expandiu-se com uma rapidez impressionante. Logo, cartas estavam chegando aos jornais, debates estavam se realizando nas tevês e os blogs tinham um assunto novo e aparentemente inesgotável.
"É a guerra das rosas", trombeteava um deles, aludindo ao famoso episódio ocorrido na Inglaterra em que os adversários na luta pelo poder tinham como símbolo rosas.
E foi exatamente isso que motivou os partidários das rosas vermelhas a desafiar os admiradores das rosas azuis para uma batalha. Uma batalha de caráter simbólico, mas nem por isso menos decisiva.
Dois grupos, com igual número de pessoas se enfrentariam em território neutro. Cada um dos combatentes estaria armado apenas com uma rosa, vermelha ou azul. Sem espinhos: a intenção não era machucar ninguém, era apenas testar as rosas.
Ao final do combate, o lado que tivesse mais rosas desfolhadas seria considerado o perdedor, e teria de reconhecer publicamente a superioridade da rosa rival.
O embate teve repercussão mundial. Os ingressos para a contenda, que seria realizada num grande estádio em Londres (de novo, uma alusão à guerra das rosas), esgotaram-se rapidamente. E finalmente chegou o grande dia. À hora marcada lá estavam os defensores das rosas vermelhas e das rosas azuis, cada um portando uma flor. O juiz consultou seu cronômetro...
E aí o inesperado. De repente, um enorme grupo de jovens invadiu o gramado. De onde vinham, ninguém sabia (depois descobriu-se que haviam escavado um túnel de uma casa vizinha até os vestiários). Estavam todos vestidos de branco, portavam rosas brancas e gritavam: "Paz! Paz! As rosas querem paz!"
Surpresos, aturdidos, os contendores ficaram por alguns instantes paralisados. Depois, e como se tivessem combinado, juntaram-se e partiram em conjunto para cima dos recém-chegados. Quando a briga terminou -e só terminou com a intervenção de reforços policiais, chamados às pressas- o gramado estava juncado de rosas desfolhadas e de pétalas, vermelhas, azuis, brancas.
Aos poucos, brigões e espectadores deixaram o estádio.
"Uma rosa é uma rosa é uma rosa", escreveu a americana Gertrud Stein numa frase conhecida. Pode ser.
Mas será que esta frase derrota aquela outra, segundo a qual guerra é guerra? A humanidade espera uma resposta. As rosas também.

*Escritor e  escreve, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na Folha. 09/11/2009

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