quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Premonições...

Suzana Herculano-Houzel*

[...] Não sou tola
de afirmar que premonições não existem,
mas há uma explicação mais simples
para a sensação de
 "eu sabia"


Eu me lembro até hoje do que sonhei no dia em que meu avô morreu. Não porque ache que meu sonho com centenas de cavalos fugindo de um celeiro incendiado, correndo em disparada por uma pradaria, um deles com uma linda estrela branca na testa, tenha significado alguma coisa.

Mais provavelmente, ter recebido, logo ao acordar, a notícia de que meu avô morrera naquela noite deve ter deixado marcadas para a posteridade todas as memórias ao redor daquele momento -o sonho inclusive.

Não sou tola de afirmar categoricamente que premonições não existem, mas posso dizer que existe uma explicação muito mais simples para a sensação de "eu sabia".

É provável que, tal como meu sonho aleatório ficou gravado por causa da coincidência com a morte de meu avô, o mesmo aconteça com pensamentos catastróficos e sonhos que temos por pura ansiedade, movidos por preocupações perfeitamente plausíveis com o filho que sairá em excursão, a filha que voltará de uma festa de madrugada, o irmão que viajará de avião no dia seguinte.

Nessas circunstâncias, o córtex cingulado anterior avalia que existe uma probabilidade não nula de um resultado indesejado -e a antecipação da catástrofe serve de aviso (do seu cérebro, não dos céus) para reavaliar se o passeio, a festa ou a viagem valem o risco. E ainda reforça o quanto a pessoa em questão é importante para você.

Se, eventualmente, a preocupação se materializa, achamos que ela já estava associada à catástrofe iminente. É difícil fazer diferente, porque assim funciona o cérebro: faz parte do reconhecimento de padrões, nossa norma, buscar associações de causa e efeito em tudo o que ocorre.

Lembro-me de uma vez, ainda criança, ter pensado como ficaria triste se meu cachorro morresse -e vê-lo ser atropelado horas depois.

Senti-me culpada: achei que meus pensamentos tinham causado a sua morte. Não tinham, é claro, mas é compreensível ter medo das próprias "premonições" até aprender que são inócuas.

Porque fato é que a maioria das previsões catastróficas não se cumpre -e você não vai se lembrar delas. Afinal, é menos importante para o cérebro registrar todas as vezes em que errou uma previsão do que aquela única vez em que a preocupação de fato se materializou.

Eu mesma já antevi minha morte dezenas de vezes -basicamente, a cada viagem de avião, quando me despeço de meus filhos. Mas, como poderia ter dito o escritor Mark Twain, as previsões da minha morte têm sido amplamente exageradas...

*SUZANA HERCULANO-HOUZEL, neurocientista, é professora da UFRJ e autora do livro "Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor" (ed. Sextante) e do blog "A Neurocientista de Plantão" ( www.suzanaherculanohouzel.com )
Fonte: Folha, 12/11/2009

Nenhum comentário:

Postar um comentário