sábado, 30 de janeiro de 2010

As noites indormidas

Mauro Santayana*
No discurso de posse como governador de Minas, quando afirmou o compromisso de seu estado com a recuperação do poder civil no país, Tancredo Neves falou nas “noites indormidas”. Ao lembrar o carinho com que o povo o recebera, na campanha que o levara ao Palácio da Liberdade, disse que a peregrinação cívica compensava-o das noites passadas em claro, na busca dos entendimentos políticos, nos diversos postos que ocupara, entre eles o de ministro da Justiça de Vargas, quando do acosso contra o grande presidente, e de primeiro-ministro de João Goulart.
É fácil desprezar a atividade pública como um todo. É certo que há políticos que só retiram de sua condição o sumo do hedonismo, o prazer doentio do mando, sem falar nos espessos sucos da corrupção. Mas há aqueles que, à esquerda e à direita do espectro político, são dedicados servidores do Estado. São homens que passam “noites indormidas”, no esforço de conciliar os adversários, de encontrar o caminho para a superação das dificuldades, e no estudo das questões administrativas.
São pesadas as tensões a que se submetem os homens públicos. Tancredo passara, ao lado de Ulysses Guimarães, mais de 24 horas em vigília na Câmara, quando da discussão da reforma judiciária, de iniciativa do presidente Geisel. Como se recorda, o Congresso rejeitou a proposta do governo, e foi fechado por Geisel, que, com base no AI-5, não só impôs a reforma como criou os chamados “senadores biônicos”, e adiou as eleições diretas para os governadores de Estado. Tancredo achava que não valia a pena enfrentar o governo no episódio. Sua opinião era a de que a lei poderia ser revista ou revogada em futuro próximo, mas a rejeição daria pretexto para que os militares da linha dura impusessem a Geisel o recuo no processo de distensão. Mas seguiu a orientação do MDB.
O drama final do grande mineiro revela as fortes pressões que enfrentou nos últimos meses de 1984 e naquelas horas que precederam a frustrada cerimônia de posse. Ao mesmo tempo em que ia às ruas, em busca do apoio popular, negociava exaustivamente a saída política para o impasse histórico. A composição do ministério, na cuidadosa atenção à realidade federativa, exigiu-lhe, além da lógica, extrema paciência. Qualquer que tenha sido a causa objetiva da enfermidade e do processo que o levou à morte, as tensões daqueles meses, semanas e horas – a cada momento mais pesadas – contribuíram para a grande tragédia.
É natural e humano que o presidente Lula se comova diante das homenagens que vem recebendo, como chefe de Estado do Brasil, e que se esforce em mostrar suas realizações nestes últimos meses de governo. Como advertia Spinoza, quando tratamos das coisas humanas, não devemos delas rir, nem lamentá-las, menos ainda detestá-las, mas, sim, entendê-las. Lula tem viajado muito, dentro do Brasil e no exterior, e, graças a isso, o país vem recuperando sua estima interna e conquistou forte presença internacional . Ele iria a Davos, a fim de receber a homenagem de um forum dos ricos, antes de participar do Forum Sindical Mundial, de Porto Alegre, que representa outra visão de mundo. O convescote suíço parece deixar a arrogância antiga, com seu discurso amável, e isso se deve à emergência de países como o Brasil, sob o governo atual. É mesmo provável que a crise de hipertensão se deva à indecisão de sua alma em receber uma homenagem dos grandes do mundo.
A isso se acrescem as suas naturais preocupações com o processo sucessório. Ele pode prever a radicalização da campanha, nos próximos meses, se – e esse é um desejo dos insensatos – houver um confronto maniqueísta entre governo e oposição. O momento é incerto, até mesmo com relação às candidaturas. As próximas semanas, que nos separam das exigidas convenções partidárias, serão, em cada dia e em cada hora, mais difíceis. O temperamento e a história de Lula não lhe permitem ausentar-se do processo, como chefe de Estado imparcial. Seus compromissos de classe não lhe permitem essa ausência. Esse alheamento tampouco é da tradição do presidencialismo brasileiro. Por tudo isso, médicos como Adib Jatene e o ministro Temporão aconselham-no a reduzir o ritmo de trabalho, a poupar-se de tantas emoções.
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*Jornalista.
Fonte: Jornal do Brasil online, 28/01/2010

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