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A psicanalista Elisabeth Roudinesco defende a proibição do véu na França, mas critica o uso político do tema por Sarkozy
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A comissão parlamentar que propôs uma lei contra véus (leia texto ao lado) usou argumentos políticos: contra a dissimulação do rosto e a afirmação étnica na esfera pública. A UMP, partido do presidente Nicolas Sarkozy, fez campanha pela lei falando em "respeito aos direitos das mulheres".
O tema também tem sido associado ao debate sobre identidade nacional francesa defendido pelo ministro da Imigração, Eric Besson. Grupos muçulmanos denunciaram a proposta como discriminatória, e organizações como a Human Rights Watch dizem que tal lei pode colocar em xeque a liberdade individual. Roudinesco lança em maio no Brasil "Retorno à Questão Judaica" (ed. Zahar), que, em suas palavras, "combate os extremismos" -sejam os da política israelense, sejam aqueles que crescem na Europa.
Na entrevista abaixo, as respostas da professora de história na Universidade de Paris 7 alternam reações rápidas e enérgicas e -em seguida a pausas ao telefone- explicações meditadas de seu argumento contra o véu. Leia trechos.
FOLHA - Quando se fala da proibição ao véu fechado, trata-se de uma questão de direitos da mulher, de identidade francesa ou simplesmente de racismo?
ELISABETH ROUDINESCO - Essa não é uma boa pergunta. Racismo não tem nada a ver com a questão. E o debate sobre identidade francesa, proposto pelo governo, não tem a ver com o trabalho da comissão sobre o véu integral.
Tenha o cuidado de separar bem a tomada de posição do governo francês, extremamente reacionário, da comissão parlamentar que se reuniu para debater o assunto. Não se pode misturar tudo.
A identidade francesa não se define. Fala-se então em "identidade nacional", mas a ideia de nação ruiu. Há uma oposição frontal de toda a esquerda francesa contra o debate sobre a identidade nacional. Assinei a petição contra essa iniciativa.
Querem que os cidadãos respondam a um questionário do tipo "você canta a "Marselhesa'?", "você gosta de queijo francês?". É absolutamente ridículo, além de não funcionar. É como fazer um questionário sobre a identidade brasileira e, caso você não goste de dançar samba e nunca tenha nadado em Copacabana, seja considerado um mau brasileiro.
Quase chegamos ao ponto de ter um governo tão ridículo quanto o [do premiê italiano] Berlusconi. A função presidencial deve representar valores intelectuais; é uma instituição.
FOLHA - A sra. ainda não falou em feminismo.
ROUDINESCO - Esses símbolos religiosos são símbolos de uma servidão feminina, mas se trata de uma servidão voluntária. Na França, quem os usa costumam ser mulheres convertidas. A lei não seria suficiente para lutar contra isso.
FOLHA - As conclusões da comissão parlamentar são corretas?
ROUDINESCO - Sou a favor de uma lei que reafirme a proibição de dissimular o rosto em serviços públicos. É uma questão de identificação. Não é preciso portar identidade, passaporte? Pois a foto precisa bater com o rosto de quem porta o documento. Não é necessário exigir isso na rua, mas sim em serviços públicos. Não se trata de proibir esse ou aquele item do vestuário, mas de evitar a dissimulação. É assim em todo o mundo -exceto, talvez, no Carnaval.
FOLHA - Os muçulmanos na Europa são muitas vezes pobres e pouco integrados às sociedades dos países em que vivem. Abolir o véu é uma forma de a maioria (no caso, francesa) praticar a negação do outro?
ROUDINESCO - Isso é ridículo. Falo como republicana, laica e de esquerda. Lembro que a França é um Estado laico, e que a tolerância religiosa é tanto maior quanto menos confessional for o Estado. E não há racismo contra muçulmanos. Não devemos confundir muçulmanos e imigrantes.
FOLHA - Mas os muçulmanos na Europa, imigrantes ou não, frequentemente vivem em guetos. Não corremos o risco de fazer deles os judeus deste século?
ROUDINESCO - De modo nenhum, pois não há guetos na França. E é claro que os muçulmanos não são os judeus deste século.
FOLHA - O Reino Unido e outros países discutem a proibição ao véu. Acredita que se trata de uma tendência no mundo ocidental?
ROUDINESCO - A França é laica, e o Reino Unido é mais "comunitário". Deixou se desenvolverem o véu, o lenço, usados de modo generalizado, incluindo crianças.
Com efeito, eu diria que a Inglaterra cometeu o erro de não ser suficientemente laica, mas comunitarista demais. Isso acabou trazendo problemas, criando guetos. Não tendo lutado suficientemente pela laicidade, a Inglaterra agora se encontra confrontada pela questão do islamismo radical.
E é preciso compreender que só os Estados laicos podem garantir um verdadeiro funcionamento democrático. Não se pode, portanto, deixar os religiosos imporem suas leis. Se o fizerem, será uma perda para a democracia. E só a democracia pode respeitar os cultos.
É claro que, com a ascensão do islamismo radical, há tentativas de desestabilizar os Estados laicos; portanto não se trata de uma tendência do Ocidente -é um problema político.
A vontade de dominação religiosa, em todas as suas formas, é sempre problemática para os Estados democráticos e laicos. Vocês têm esse problema no Brasil, com a ascensão dos evangélicos.
Na Europa, temos um crescimento dos fundamentalismos religiosos de todos os tipos, notadamente o católico. É também um grande problema.
FOLHA - Podemos esperar futuramente, como consequência, novas leis na França e em outros países?
ROUDINESCO - Não, pois, no que concerne à Igreja Católica, é mais do que certo que ela tem de obedecer à Constituição do país. Não temos tantos evangélicos quanto vocês, mas temos o catolicismo.
A Igreja Católica, extremamente reacionária, se opõe ao aborto, à liberdade dos homossexuais, assim como o islamismo radical também se opõe. É contra isso que os Estados laicos devem lutar.
Na França, consegue-se separar a igreja do Estado, mas o perigo fundamentalista existe na Europa, em todos os cantos.
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Reportagem de ERNANE GUIMARÃES NETO
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs3101201004.htm
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