Columbano Junqueira Neto*
Indignação é uma capacidade humana. Quando ela chega, nos vemos obrigados a gestos e procedimentos com finalidades diversas. Na maior parte das vezes visa apenas expor nossas ideias ou o sentimento de profunda desesperança com a forma pela qual muitas pessoas dão andamento à vida.
Você é daqueles que ficam chocados com as crianças mutiladas por minas terrestres na África? Crianças morrendo de fome em um país que se intitula celeiro do mundo? Crianças comendo biscoitos feitos com argila, manteiga e sal no Haiti? E você ainda tem que ouvir alguém dizer que isso é coisa a que o tempo dará jeito.
Qualquer ser humano deveria ficar indignado com tudo isso. De onde será que vem essa maldade? Dizem que somos filhos de Deus e com livre arbítrio. Sendo assim, cabe somente a nós, seres humanos ocupantes deste planeta, a solução das barbaridades. Parece fácil, mas tudo é muito complexo. Consciência e ética são palavras simples para alguns e incompreensíveis para muitos.
Senão vejamos. Você trocaria seu voto por uma botina? Talvez por um caminhão de areia, um emprego, uma empresa que terá a exclusividade na venda de produtos para a alimentação escolar de seu município? Talvez pela participação nas licitações superfaturadas, distribuídas entre as empresas que fazem parte da panelinha para a construção de uma ponte, um viaduto, uma autoestrada, um aeroporto pelo PAC?
Quanto é que você vale? Você acha este tipo de coisa, normal? Você é partidário da Lei de Gérson? Você acredita na fé de religiosos que agradecem a Deus (em um círculo de oração) pela parte que lhes coube daquele dinheiro originado de licitações públicas superfaturadas? Dinheiro que deveria ser usado na compra de equipamentos para nossos hospitais, medicamentos e alimentos para as crianças não morrerem de fome.
Por que será que existe verdadeira batalha eleitoral para vereadores, prefeitos, deputados, governadores e presidente da República? Como é que se pode ficar rico com o salário de qualquer cargo público? Quando é que teremos políticos que entrem na vida pública para resolver o problema das outras pessoas, não os seus e de seus familiares?
Esse tipo de comportamento se alastra em todas as instituições, públicas ou privadas, com ou sem fins lucrativos e até, por incrível que pareça, em grupos filantrópicos. O desejo de sobrevivência e poder está no consciente coletivo, colocado ali pela secular estrutura social e religiosa que domina a humanidade há milênios.
Nossa atividade básica não é a sobrevivência instintiva nem a busca pelo poder, pela força física ou pelo poder econômico. Nossa finalidade aqui neste mundo é basicamente servir e ser feliz. Se agíssemos com os outros da mesma maneira que gostaríamos que os outros agissem conosco, somente isso bastaria para uma revolução na consciência mundial.
Meu avô, há muitos anos, me disse que educação vem do berço. Pode-se ganhar rios de dinheiro, mas o traço do desrespeito, descompostura, falta de ética e descortesia são evidentes. Na realidade, a gente é o que é, cada um de nós tem uma maneira de ver a vida e de como devemos conviver com as pessoas em todos os níveis — desconhecidos, vizinhos, colegas de trabalho, familiares, filhos e esposa. Isso tudo parece coisa esotérica, utópica. Já é hora de dar um basta em tudo isso.
Aquele caminhão de areia trocado pelo voto é nada frente à força que a comunidade de vizinhos poderia impor ao governante e construir a casa de todos com custos facilitados. Essas mudanças começam bem devagar, as pessoas vão se indignando, elevando a consciência e adquirindo ética. De repente vira uma enorme bola de neve incontrolável. A física quântica e a ciência noética estão aí para mudar antigos paradigmas.
Acabar com a miséria e a fome é fácil: 30% dos alimentos que compramos vão para o lixo, o desvio de 30% no superfaturamento nas licitações públicas é uma fortuna. Dinheiro para estações de tratamento de esgoto, despoluição de córregos, reflorestamento, tudo é simples. Mas por que é tão difícil pôr isso na cabeça das pessoas? Claro que a maioria de nossos políticos não está indignada com o que vê e ouve. Tempos de mudança se aproximam e o mundo não vai acabar como pensam muitas religiões. O verdadeiro apocalipse é a mudança de consciência que teremos no rolar da imensa bola de neve. O fim desta era se aproxima.
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*Médico gastroenterologista do Hospital de Base do Distrito Federal
Fonte: Correio Braziliense online, 21/01/2010
Fonte: Correio Braziliense online, 21/01/2010
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